terça-feira, 4 de novembro de 2014

Ainda o desenvolvimento


Por Wladimir Pomar

Apesar das políticas de crescimento econômico e de redução da pobreza dos governos Lula e Dilma, o Brasil ainda não se livrou da crise estrutural que o assola desde meados dos anos 1970. Nessa década o país foi abalado pelo esgotamento do ciclo de crescimento subordinado da ditadura militar, que o afundou na crise da dívida externa. O uso abusivo dos empréstimos de petrodólares e a transformação do dólar em moeda de circulação mundial levaram, primeiro, à estagnação dos anos 1980 e, depois, à devastação  dos anos 1990.

Nos anos 1980, o PIB brasileiro cresceu a taxas inferiores a 1%, causando uma profunda mudança na propriedade de ativos e promovendo uma intensa centralização de capital. Isto, enquanto na Ásia vários países em desenvolvimento alcançavam taxas de crescimento superiores a 7% ao ano, e o capitalismo norte-americano acelerava seu processo de centralização, financeirização, desindustrialização e de déficits conjugados.

Nos anos 1990, o Brasil foi submetido aos ditames do Consenso de Washington e à reestruturação industrial promovida pelas corporações transnacionais. Estas se apoderaram das estatais privatizadas e de inúmeras outras empresas em dificuldade, relocalizaram plantas industriais em outros países “mais baratos”, e abriram buracos imensos nas cadeias produtivas nacionais. Apesar, ou por causa disso, o país cresceu apenas 2% ao ano, enquanto na Ásia a China alcançava cifras de 9% ao ano, e a Índia, Vietnã e outros “tigres” cresciam a taxas acima de 6% ao ano.

De 2003 a 2009, o Brasil se beneficiou das importações massivas de commodities e da queda da inflação mundial, ambas patrocinadas principalmente pelo desenvolvimento da China. Isso permitiu ao Brasil crescer a taxas médias anuais superiores a 4,5% e aguentar o tranco da crise econômica que teve os Estados Unidos como epicentro. Numa manobra de flanco, mesmo mantendo o tripé econômico neoliberal, o governo Lula consolidou políticas de elevação salarial e de transferência de renda para as camadas mais pobres da população, induzindo um crescimento econômico via elevação do consumo.

Essas políticas foram mantidas e ampliadas pelo governo Dilma. Mas já no contexto de expansão da crise econômica do capitalismo desenvolvido para a Europa, com repercussões negativas em todo o mundo e no Brasil, com quedas nas taxas de crescimento anual. Vista em retrospectiva, a taxa média de crescimento do Brasil nos últimos 40 anos pode ser comparada a um voo de galinha rente ao chão.

A crise social só não está pior porque os programas sociais dos governos Lula e Dilma minoraram a miséria e a pobreza, e o crescimento demográfico teve seu ritmo reduzido. Mas a erosão das cadeias industriais continuou seu curso. Diminuiu a geração produtiva de valor. Manteve as dificuldades para transformar a economia de renda média do país num padrão de renda alta. E não aumentou a oferta a um patamar que atendesse ao crescimento do poder de compra das camadas pobres da população que ingressaram no mercado de trabalho e se elevaram acima da linha da pobreza.

Nessas condições, cresceram os indícios, pelo menos desde 2011, de que não há mais como crescer apenas pela expansão do consumo e dos empregos nos setores de comércio e serviços. E de que não adianta muito dialogar para mediar os problemas colocados pelos grupos empresariais e pelos grupos de interesse político-partidários. O governo não conta mais com um forte grupo de estatais, capaz de permitir ao Estado atuar diretamente no comando da política econômica dos setores-chave. E a cooperação do governo com o setor privado para resolver os problemas de logística, de comunicações e de energia sofre com a natureza do capital privado, que só se move com a perspectiva de lucro igual ou superior à taxa Selic. Algo que encarece as obras, pesa sobre o endividamento público e os preços, e engessa as políticas governamentais.

Além disso, o governo se debate ainda com o desmantelamento neoliberal do sistema de planejamento e elaboração de projetos do Estado. A privatização do controle das telecomunicações, transportes, eletricidade, e outros sistemas, através de agências híbridas, impede a realização de uma administração pública real desses setores. E o Brasil ainda não recuperou seu sistema de planificação, liquidado nos anos 1990. O Ministério do Planejamento é, basicamente, de Orçamento e Gestão, sem haver retomado seu papel de planificar e controlar a estratégia de planejamento do desenvolvimento.

Em grande medida o governo continua amarrado aos ditames neoliberais. Boa parte dos economistas de fora e de dentro da máquina governamental considera que é preciso perseverar na macroeconomia dos juros altos, ajustes fiscais e flutuação  do dólar para manter a inflação sob controle. Outra parte acredita que o salto da produtividade industrial  é o grande desafio de um novo ciclo de crescimento mais robusto. E sugere que isto só pode ocorrer se houver uma integração maior da economia brasileira nas grandes cadeias globais de suprimento e inovação, nas quais predominam as trocas dentro das empresas e entre grandes empresas.

Ou seja, uns subordinam à macroeconomia monetária, fiscal e cambial o crescimento econômico, sem considerar que a indústria deve ser o carro chefe, por ser ainda a principal geradora de valor agregado, ou de acumulação de capital. Outros, além de quererem um crescimento gerador de desemprego (salto de produtividade só pode ocorrer com elevação do padrão tecnológico e descarte de força de trabalho), pretendem integrar, ou entregar, às cadeias globais dominadas pelas corporações transnacionais uma economia já dominada por essas mesmas corporações.

Nas condições atuais do Brasil, a macroeconomia deve ser subordinada à solução dos problemas estruturais, o principal deles sendo o aumento da produção industrial e da agricultura alimentar. E terá que ser uma industrialização que combine altas taxas de emprego, capazes de absorver pelo menos os 21 milhões de jovens sem estudo e sem emprego, com a elevação da produtividade em setores chaves. O que exige uma política de desenvolvimento de novo tipo.

Isto é, uma política que objetive elevar as taxas de investimento público nos setores industriais chaves, inclusive com novas empresas estatais; forçar a democratização do capital através de programas contra os cartéis, os oligopólios e os investimentos de curto prazo; estimular a concorrência empresarial; e resolver, prioritariamente, os gargalos de infraestrutura urbana e produtiva, de modo a combater a inflação através do aumento da oferta, e não de compressão da demanda.

Para que o desenvolvimento ocorra, e combine a economia com as demandas sociais e com a política democrática, a macroeconomia deve estar subordinada àqueles objetivos. O inverso será continuar a amarração do governo à ortodoxia neoliberal.




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