sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Voltando ao socialismo


Por Wladimir Pomar


Voltando à nossa discussão sobre o socialismo, apesar das prementes questões da conjuntura econômica e política brasileira, temos que concordar com Cláudio Katz quando afirma que a “experiência legada pelo primeiro ensaio de gestão estatal não capitalista em grande escala foi enorme”. Sem dúvida, “compreender por que a União Soviética desmoronou” é uma das condições “para reabilitar o projeto socialista”.
Mas Katz, logo depois, resvala na exigência não só de reconhecer como válida a “natureza não capitalista” do ensaio soviético, mas também de supor que “os ideais socialistas se dissiparam com a estabilização de uma burocracia hostil ao igualitarismo e à democracia”. Ou seja, ele não arreda pé de que socialismo seja igualitarismo, que igualitarismo seja o parâmetro para avaliar as tentativas socialistas, e que o socialismo deve negar a existência de qualquer resto capitalista em sua sociedade.
Vê-se, assim, na necessidade de descobrir as raízes da “estabilização” da “burocracia hostil ao igualitarismo e à democracia” num país supostamente “não capitalista”. Mas, ao analisar os diferentes enfoques a respeito da URSS, Katz assegura que o debate “mais importante” é o que se refere à “validez” ou não da “construção socialista”, em países subdesenvolvidos. Relembra que há os que afirmam que tal empreendimento “jamais deveria ter sido ensaiado”. E que também há os que, “partindo do acertado preceito de que o socialismo só poderá realizar-se em escala global” supõem que tal “construção jamais deveria começar em um país subdesenvolvido”, como pensava a velha socialdemocracia, para quem o socialismo seria “um processo evolutivo, que começaria nas economias mais avançadas e se propagaria paulatinamente ao resto do mundo”.
Não deixa de ser interessante que Katz continue falando do socialismo quando em verdade trata do comunismo. Foi Marx quem afirmou que o comunismo, não o socialismo, só poderá realizar-se em escala global. E também foi ele quem aventou a hipótese de que as revoluções comunistas deveriam ocorrer primeiro em países capitalistas mais avançados. Afinal, na época de Marx, era nesses países que as forças produtivas haviam se desenvolvido mais rapidamente, e a luta de classes entre o proletariado e a burguesia se tornara mais intensa.
Mas, como já vimos, no final do século 19 o desenvolvimento capitalista conduziu ao imperialismo, a uma nova repartição colonial do mundo, e ao deslocamento do epicentro das lutas entre as classes. Estas lutas passaram a incluir os confrontos entre os diversos países ou grupos de países imperialistas, os conflitos entre os povos dos países colonizados e os países imperialistas, e as disputas entre classes do interior dos países subdesenvolvidos. Essa combinação conflituosa apresentou a possibilidade e efetivação de revoluções nesses países.
Mas elas não podiam ser comunistas, ou objetivarem a transformação total da propriedade privada em propriedade social. Não foi por acaso que o programa de todas elas, apresentado por comunistas e/ou socialistas, tivesse um forte conteúdo democrático-burguês. Para assumir a direção da revolução russa de 1917, Lenin recuou da proposta de nacionalização da terra para uma reforma agrária democrático-burguesa. Ao serem realizadas em sociedades pouco desenvolvidas no sentido capitalista, e ainda com a presença de relações de produção escravistas, feudais e/ou semifeudais, os aspectos “socialistas” dessas revoluções só podiam residir no controle do Estado por forças socialistas, e a construção de alguns instrumentos estatais para orientar o desenvolvimento das forças produtivas e evitar o caos no mercado.
Assim, a hegemonia socialista sobre o Estado até poderia permitir que elas fossem chamadas “socialistas”. Mas a base de tais sociedades, para desenvolver as forças produtivas e criar as condições materiais e culturais para avançar, a longo prazo, no rumo de sociedades comunistas, ainda teria que conviver com a existência de várias formas de propriedade privada. Foi o que ocorreu com as “sociedades socialistas” surgidas de revoluções em países subdesenvolvidos, como Rússia, Mongólia, China, Cuba e Vietnã.
Nelas, o Estado teria que combinar propriedade estatal e propriedade privada, e planejamento estatal e mercado, para levar a burguesia a exercer o papel histórico de desenvolver as forças produtivas que até então não cumprira. Portanto, da mesma forma que o desenvolvimento histórico capitalista tem sido desigual, com diferentes formas nacionais, o socialismo também vem apresentando e continuará apresentando diferentes formas nacionais de desenvolvimento.
Os soviéticos acreditaram que o sucesso do Estado durante a guerra quente contra o nazismo poderia estender-se durante o período posterior da guerra fria, ou da paz armada. Não retornaram ao programa da NEP. Isto é, àquelas combinações heterodoxas entre a propriedade estatal e a propriedade privada, e entre o planejamento e o mercado. O grande debate econômico dos anos 1950 na URSS deu ganho de causa aos estatistas. Quando pretenderam voltar atrás, primeiro nos anos 1960 e, depois, nos anos 1980, o fizeram de forma tão arrogante, atabalhoada e incompetente que o resultado só poderia ser a derrocada.
Apesar disso, a prática vem mostrando que o socialismo de longa transição pode ser viável na periferia, embora sob o risco constante de mudar de natureza pela simbiose necessária entre o poder político socialista e a base econômica mista, estatal-privada. No entanto, essa viabilidade “socialista” não está ainda relacionada com o comunismo, que Katz continua confundindo com o socialismo. Está relacionada com a necessidade de completar a tarefa histórica capitalista de desenvolver as forças produtivas. Numa dessas ironias da história, a necessidade do socialismo de longa transição é mais premente naqueles países que se encontram mais atrasados do ponto de vista capitalista, mais afetados pela crise do capitalismo desenvolvido, e onde a luta de classes encontra uma burguesia apática diante da ação avassaladora das corporações transnacionais.
Portanto, ao contrário do que supõe Katz, as revoluções ou a assunção de forças socialistas ao poder nos países subdesenvolvidos, ou em desenvolvimento, não poderão construir “sociedades socialistas igualitárias”, nem se propor a isso. Ele próprio reconhece que a construção de uma sociedade igualitária exigirá muitas gerações e um funcionamento muito mais complexo que a simples “administração das coisas”. Apesar disso, ele acredita que o socialismo, ao invés do comunismo, é a antítese do capitalismo.
Pior. Ele também crê que o desenvolvimento soviético foi um ensaio frustrado de socialismo que será revalorizado com o tempo porque os obstáculos para forjar uma sociedade de igualdade, justiça e liberdade não são inerentes ao gênero humano. Seriam “barreiras políticas, sociais e ideológicas” que, sob o capitalismo, provêm da dominação exercida pela minoria burguesa e, no modelo soviético, derivaram do papel coercitivo da burocracia governante.
Ou seja, por um lado, Katz pretende renovar a utilização da terminologia socialista, que não teria substituto para definir o ideário pós-capitalista. Por outro, ele joga no lixo, como imprestável, a descoberta marxista de que os obstáculos para forjar uma sociedade de igualdade, justiça e liberdade estão no baixo desenvolvimento capitalista, não em seu alto desenvolvimento. E despreza que as barreiras políticas, sociais e ideológicas resultam do pequeno desenvolvimento das contradições entre o estágio das forças produtivas e das relações de produção, e não de qualquer burocracia reinante.
É verdade que ele se esforça para rechaçar a acusação de que o marxismo postulou uma lei histórica determinante do destino socialista. E aproveita a ocasião para estender a mesma objeção aos advogados da eternidade capitalista. Para ele, se não existe uma inevitabilidade da evolução humana no devir comunista, tampouco se pode imaginar a interminável recriação de um regime de competição por lucros provindos da exploração. Mesmo porque, na luta de classes entre capitalismo e comunismo, embora a humanidade corra o perigo de ser destruída pela loucura do capital, o que vale a pena reafirmar é o fato de que o capitalismo gera socialismo e comunismo quanto mais se desenvolve.
Ao elevar a produtividade e a aplicação das ciências e das tecnologias às forças produtivas, o capitalismo acelera, ao mesmo tempo, uma imensa capacidade produtiva, uma centralização absurda das riquezas em poucas mãos e uma crescente massa de desempregados estruturais. Cria um absurdo civilizatório cuja solução parcial pode ser o socialismo, e cuja solução pós-capitalista é o comunismo. As contradições que surgirão desse novo modo de produzir e distribuir os bens, ou “as coisas”, necessários à vida humana, é algo que somente as mulheres e homens desse tempo futuro poderão descobrir.

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No desespero, pouca esperança


Por Milton Temer


NeoPT no governo. PMDB no poder. É o que se revela diante da rendição total do Planalto ao único partido que garante apoio ao plano de austeridade que Joaquim Levy apresenta em nome de Dilma. E vem daí, talvez, a preocupação da cúpula tucana em se desvincular de qualquer perspectiva de impeachment da presidente. Porque a se concretizar tal manobra, quem assume é o seu vice, hoje incapaz de responder por qualquer iniciativa do PMDB que não passe pelo "aprovo" de Eduardo Cunha – que não tem currículo, mas manchas espalhadas de presença suspeita em inúmeros malfeitos.
Reparem na foto abaixo: quem recebe o informe de Levy e quem apenas escuta, calado, na cadeira ao lado. Difícil não se chocar com o simbolismo da vitória do que há de pior, por conta da derrota daquilo que traiu duas décadas de batalha permanente pela transformação social do país.

Por isso, e apenas por isso, embora tenha acordo total com a essência da análise conjuntural, não me somo à frase inicial do artigo de Vladimir Safatle, na Folha de S. Paulo, que, citando Marx, vê se agigantando um espaço de esperança em meio à crise. Marx, em seu tempo, previa o fim do ciclo de poder monárquico absolutista, mas com a perspectiva de uma superação de curto prazo do capitalismo já em vigor.

Como lembrou Benjamin, bem mais tarde, não avaliava naquele quadro a força da resistência do regime ascendente. Não avaliava o peso da alienação de classe dos oprimidos, nem a facilidade de envolvimento desses oprimidos com possibilidade de ascensão social dentro desse regime.
No quadro brasileiro atual, a saída, por conta da falência do PT e seu transformismo em legenda esquizofrênica, que faz propaganda em seu programa de TV de um programa reformista, para, no mesmo discurso, pedir apoio incondicional ao governo que manobra de forma antagônica, não cabe a esperança.

Suicidando-se paulatinamente, na entrega sucessiva de espaços ao programa ideológico da classe dominante, temo que vemos contexto distinto da falência da ditadura, em seu momento de fundação heroica e simbólica. Não temos polaridade ideológica em termos planetários, nem o entusiasmo das massas pela perspectiva de progresso social com a vitória sobre o regime de força.

Pelo contrário, temos, na falência do PT, a simbologia de que "são todos iguais quando chegam ao poder". Corrupção, despolitização da política, fisiologismo, canalhice parlamentar e estelionato eleitoral. Está tudo aí depois de 12 anos de um governo dito popular e de esquerda.
Entregamos os pontos? Nem pensar. Vamos à luta, pois não há mal que sempre dure. Mas haja energia para saber que, mais do que nunca, é por nossos filhos mais jovens e nossos netos que estamos na rinha. E fazendo votos para que, como diz Mészaros na apresentação de seu último livro, diante da crescente hegemonia do mais predatório capitalismo, pelo menos cheguemos à barbárie, sem que nos vejamos antes submetidos à autodestruição da humanidade.

Luta que segue! Portanto, com os pés no chão. Com o otimismo da vontade, mas sem perder de vista o pessimismo da razão.


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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Conversando com versos (113): "A torre morta do ocaso", de Raul de Leoni (1895-1926)



"A torre morta do ocaso"


Esguia torre ascética, esquecida
Na bruma de um crepúsculo profundo!
És no mais triste símbolo do mundo,
A renúncia tristíssima da vida!

Tua existência é um pensamento fundo
Levantado na pedra adormecida:
Bem sentes quanto é inútil e infecundo
O esforço na vertigem da subida!...

Como és profética de longe...quando 
Na moldura do poente de ouro e rosa,
Interpretando todos os destinos,

Vais por todos os ventos espalhando
Tua filosofia dolorosa,
Na balada sonâmbula dos sinos!...



Fonte: Leoni, Raul de. Luz Mediterrânea. 9ª ed. São Paulo: Livraria Martins, 1959, p.63



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O bem comum foi enviado ao limbo



Por Leonardo Boff

As atuais discussões políticas no Brasil em meio a uma ameaçadora crise hídrica e energética se perdem nos interesses particulares de cada partido. Há uma tentativa articulada pelos grupos dominantes, por detrás dos quais se escondem grandes corporações nacionais e multinacionais, a midia corporativa e, seguramente, a atuação do serviços de segurança do Império norte-americano, de desestabilizar o novo governo de Dilma Rousseff. Não se trata apenas de uma feroz critica às políticas oficiais mas há algo mais profundo em ação: a vontade de desmontar e, se possível, liquidar o PT que representa os interesses das populações que historicamente sempre foram marginalizadas. Custa muito às elites conservadores aceitarem o novo sujeito histórico – o povo organizado e sua expressão partidária – pois se sentem ameaçadas em seus privilégios. Como são notoriamente egoistas e nunca pensaram no bem comum, se empenham em tirar da cena essa força social e política que poderá mudar irreversivelmente o destino do Brasil.
Estamos esquecendo que a essência da política é a busca comum do bem comum. Um dos efeitos mais avassaladores do capitalismo globalizado e de sua ideologia, o neo-liberalismo, é a demolição da noção de bem comum ou de bem-estar social. Sabemos que as sociedades civilizadas se constroem sobre três pilastras fundamentais: a participação (cidadania), a cooperação societária e respeito aos direitos humanos. Juntas criam o bem comum. Mas este foi enviado ao limbo da preocupação política. Em seu lugar, entraram as noções de rentabilidade, de flexibilização, de adaptação e de competitividade. A liberdade do cidadão é substituida pela liberdade das forças do mercado, o bem comum, pelo bem particular e a cooperação, pela competição.
A participação, a cooperação e os direitos asseguravam a existência de cada pessoa com dignidade. Negados esses valores, a existência de cada um não está mais socialmente garantida nem seus direitos afiançados. Logo, cada um se sente constrangido o garantir o seu: o seu emprego, o seu salário, o seu carro, a sua família. Impera o individualismo, o maior inimigo da convivência social. Ninguém é levado, portanto, a construir algo em comum. A única coisa em comum que resta, é a guerra de todos contra todos em vista da sobrevivência individual.
Neste contexto, quem vai implementar o bem comum do planeta Terra? Em recente artigo da revista Science (15/01/2015) 18 cientistas elencaram os nove limites planetários (Planetary Bounderies), quatro dos quais já ultrapassados: o clima, integridade da biosfera, o uso da solo, os fluxos biogeoquímicos( fósforo e nitrogênio). Os outros encontram-se  em avançado grau de erosão. Só a ultrapassagem desses quatro, pode tornar a Terra menos hospitaleira para milhões de pessoas e para a biodiversidade. Que organismo mundial está enfrentando essa situação que destrói o bem comum planetário?
Quem cuidará do interesse geral de mais de sete bilhões de pessoas? O neoliberalismo é surdo, cego e mudo a esta questão fundamental como o tem repetido como um ritornello o Papa Francisco. Seria contraditório suscitar o tema do bem comum, pois o neoliberalismo defende concepções políticas e sociais diretamente opostas ao bem comum. Seu propósito básico é: o mercado tem que ganhar e a sociedade deve perder. Pois é o mercado que vai regular e resolver tudo. Se assim é por que vamos construir coisas em comum? Deslegitimou-se o bem-estar social.
Ocorre, entretanto, que o crescente empobrecimento mundial resulta das lógicas excludentes e predadoras da atual globalização competitiva, liberalizadora, desregulamentadora e privatizadora. Quanto mais se privatiza mais se legitima o interesse particular em detrimento do interesse geral. Como mostrou em seu livro Thomas Piketty, O Capitalismo no século XXI quanto mais se privatiza, mais crescem as desigualdades. É o triunfo do killer capitalismo. Quanto de perversidade social e de barbárie aguenta o espírito? A Grécia veio mostrar que não aguenta mais. Recusa-se a aceitar do diktat dos mercados, no caso, hegemonizados pela Alemanha de Merkel e pela França de Hollande.
Resumindo: que é o bem comum? No plano infra-estrutural é o acesso justo de todos à alimentação,à saúde, à moradia, à energia, à segurança e à cultura. No plano social e cultural é o reconhecimento, o respeito e a convivência pacífica. Pelo fato de sob a globalização competitiva foi desmantelado, o bem comum deve agora ser reconstruído. Para isso, importa dar hegemonia à cooperação e não à competição. Sem essa mudança, dificilmente se manterá a comunidade humana unida e com um futuro bom.
Ora, essa reconstrução constitui o núcleo do projeto político do PT originário e de seus afins ideológicos. Entrou pela porta certa: Fome Zero depois transformada em várias políticas públicas de cunho popular. Tentou colocar um fundamento seguro: a repactuação social a partir dos valores da cooperação e a boa-vontade de todos. Mas o efeito foi fraco, dada a nossa tradição individualista a patrimonialista.
Mas no fundo vigora esta convicção humanística de base: não há futuro a longo prazo para uma sociedade fundada sobre a falta de justiça, de igualdade, de fraternidade, de respeito aos direitos básicos, de cuidado pelos bens naturais e de cooperação. Ela nega o anseio mais originário do ser humano desde que emergiu na evolução, milhões de anos atrás. Quer queiramos ou não, mesmo admitindo erros e corrupção, o melhor do PT articulou e articula esse anseio ancestral. É a partir daí que pode se resgatar, se renovar e alimentar sua força convocatória. Se não for o PT serão outros atores em outros tempos que o farão.
Cooperação se reforça com cooperação que devemos oferecer incondicionalmente.Sem isso viveremos numa sociedade que perdeu sua altura humana e regride ao regime dos chimpanzés.


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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

A crítica crítica (crítica, crítica, crítica)



Por Emir Sader

“A teoria, quando penetra nas massas, se torna força material.” (Marx)

O intelectual olha a teoria, a encontra magnífica (de fato, varias delas o são), olha para a realidade, a encontra muito menos coerente e atraente, e fica com a teoria, dando as costas para a realidade. Essa é a postura espontânea dos intelectuais, cuja prática está vinculada a atividades acadêmicas, desvinculadas da prática política.


A  postura normal de um intelectual é a de interpelar a realidade a partir da teoria, perguntando-se por que a realidade não obedece os cânones da teoria, sendo sempre um desvio em relação a esses cânones. Nada melhor então que o refúgio da teoria, das teorias sobre as teorias, da crítica crítica.


Ao invés de interpelar a teoria a partir da realidade, que é a forma dialética de pensar as relações entre teoria e prática. O que a teoria tem para nos ajudar na transformação profunda da realidade?


A dissociação dramática entre a teoria e a prática política dentro mesmo do marxismo – que propõe, na sua essência, um vínculo indissolúvel entre elas -, foi abordada por Perry Anderson em sua “Considerações sobre o marxismo ocidental”, publicado pela Boitempo no Brasil.  Como resultado da confluência da ação repressiva dos fascismo europeus e da estalinização dos PCs – ambas agindo na direção de bloquear o debate e a criatividade teórica, surgiu a figura do marxista acadêmico – uma categoria contraditória com o próprio marxismo.


Se fragmentavam, por um lado, teorias sem transcendência na realidade, fechadas sobre si mesmas, cada vez mais debatendo suas próprias teorias. Por outro lado, práticas políticas pobres de reflexão teórica e estratégica.


As duas figuras se perpetuaram no tempo. Passaram a proliferar intelectuais que se consideram marxistas, mas não tem vínculo partidário algum, que se consideram ou agem como livre atiradores, críticos da esquerda realmente existente. De posse dos livros, se consideram mais marxistas que quaisquer outros, críticos contumazes das práticas partidárias, que se rendem às realidades concretas, “traindo” a teoria.


No Brasil eles proliferam na academia e na mídia tradicional, em geral criticando a esquerda, nunca ou quase nunca à direita – uma espécie de condição implícita para ter esses espaços. Publicam livros e tem amplos espaços na mídia, contanto que sejam livros críticos da esquerda, desencantados, pessimistas, céticos- no limite do cinismo. São da turma do Cambalache: tudo é igual, nada é melhor. Se estiver melhor, se esgota sua perspectiva cética, então o uso da teoria por ele é para desmascarar qualquer possibilidade de transformadora da realidade.


Para esse tipo de intelectual a teoria não é, ao mesmo tempo, um instrumento de compreensão e de transformação da realidade. Para que fosse assim, eles teriam que ser militantes, membros de partidos, participantes da construção coletiva de processos políticos realmente existentes e não livre atiradores – o que se contrapõe frontalmente à possibilidade de que possam se reivindicar o marxismo.


É na América Latina, nos processos pós neoliberais mais avançados – na Bolívia e no Equador -, que essa dicotomia começa a ser superada. O presidente equatoriano Rafael Correa e o vice-presidente boliviana Álvaro Garcia Liñera, são as duas expressões mais claras dessa recomposição entre prática teórica e capacidade de direção política, onde se mostra que a crítica profunda da realidade só pode desembocar em projetos de transformação profunda da realidade, se não quiser permanecer sempre como crítica crítica.






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Os impactos da 'revolução' da internet


Por Altamiro Borges


Em curto espaço de tempo, a internet tem causado profundas mudanças na sociedade. Ela interfere em todas as atividades humanas – impacta a economia, afetando seu ritmo de crescimento; inova na abordagem dos graves problemas sociais, como na saúde e educação; altera as relações humanas, conectando milhões de pessoas em redes com novos hábitos e linguagens. No campo da comunicação, ela promove uma profunda “revolução”, alterando os seus paradigmas. O modelo de negócios da mídia tradicional entra em crise, com a falência de revistas e jornais e a queda de audiência das emissoras de rádio e televisão; novos atores entram em cena e desafiam o monopólio da palavra.

Esta brecha tecnológica, que as poderosas corporações empresariais e alguns governos já tentam controlar, muda a forma de se comunicar das pessoas. O internauta deixa de ser um sujeito passivo e mero receptor do que é escrito ou transmitido pelos veículos tradicionais monopolizados e manipuladores. Ele adquire a possibilidade de se tornar um produtor de conteúdo, postando os seus textos, fotos, áudios, vídeos. Ele também interage com outros internautas, num processo de comunicação compartilhada que enriquece os seus horizontes e dá vazão a sua criatividade. Neste novo mundo de oportunidades, mesmo que limitadas pelo poder dos impérios midiáticos, a comunicação sofre visíveis mutações. 

Como argumenta o renomado intelectual Ignacio Ramonet, no livro A explosão do jornalismo, “o planeta mídia está sofrendo um traumatismo de amplitude inédita. O impacto do ‘meteorito internet’, semelhante àquele que fez desaparecer os dinossauros, tem provocado uma mudança radical de todo o ‘ecossistema midiático’ e a extinção massiva de jornais da imprensa escrita... Trata-se de uma mudança de paradigma. Uma revolução que avança aos saltos e sobressaltos, mas que não é universal, pois não podemos esquecer a existência, num mundo profundamente desigual, do considerável fosso digital Norte-Sul que separa os ricos e os pobres, ‘inforricos’ e infopobres’”.

O autor dá inúmeros exemplos da crise vivida pela mídia tradicional com o advento da internet. No caso dos impressos, o tsunami é devastador. Nos EUA, cerca de 120 jornais desapareceram nos últimos anos e mais de 25 mil jornalistas foram demitidos. Entre setembro de 2008 e setembro de 2009, a difusão da imprensa escrita caiu aproximadamente 11% nos Estados Unidos. “A onda de choque não poupou a Europa nem os jornais que chamávamos – outrora – de ‘jornais de referência’: Le Monde, na França; The Independent e The Guardian, na Inglaterra; El País, na Espanha; Corriere della Sera, na Itália. Todos tiveram uma queda em sua circulação e um desmoronamento de seus rendimentos publicitários”.

O tsunami, porém, não atinge apenas a mídia impressa. No mundo inteiro há uma onda migratória da tevê para as telinhas do laptop, do celular e dos tablets, principalmente entre os jovens. No livro citado, o autor aponta a queda de audiência das emissoras e, como efeito, a redução dos seus bilionários recursos em publicidade. “O volume de vendas publicitárias, em 2010, do France 24, canal de informação internacional do governo francês, caiu 38% em relação a 2009... Em outros lugares, alguns destes canais começaram a fechar. É o caso da CNN+, canal espanhol do grupo Prisa (editor do jornal diário El País), que encerrou sua programação, em 28 de dezembro de 2010, depois de 11 anos de existência”.

“Nos Estados Unidos, dos quatro grandes canais, somente a Fox parece estar bem. Por outro lado, a metade dos rendimentos da NBC provém agora de seus programas de informação a cabo. No que concerne à CBS News, os lucros foram insignificantes, e a ABC News conseguir safar-se graças a pesados cortes orçamentários. A primeira anunciou uma redução de 7% de suas operações, enquanto a segunda estuda atualmente um plano social que poderia levar à demissão de 25% dos seus 1,4 mil funcionários”. A lista de abalos elencados no livro é enorme, o que leva Ignácio Ramonet a concluir que “a confortável situação das mídias e dos jornalistas, em posição do monopólio da informação, está chegando ao fim”. 

“Muitos jornalistas profissionais se viam como uma elite, pensando deter o poder exclusivo de impor e de controlar os debates. Esse pecado do orgulho os fazia crer que seus leitores passivos e cativos estariam sempre ao seu favor. Mas este tempo em que eles tinham sozinhos o direito de escolher e publicar informações já terminou. A internet despojou-os de sua identidade de ‘padres seculares’... Na nova sociedade em redes, cada cidadão torna-se um ‘jornalista’ em potencial. Na frente da sua tela (de computador, de telefone ou de palmtop), o internauta que domina os recursos da Web 2.0 não se julga inferior ao jornalista profissional. Ele disputa com ele seu status privilegiado”.

Um pouco de história

Esta “revolução” tem pouco mais de duas décadas e apresenta uma novidade impactante a cada instante. Na era da internet, o que era novo logo envelhece. Vale rememorar um pouco desta história. No dia 6 de agosto de 1991, o inglês Tim Berners-Lee criou a primeira página no Word Wide Web, o famoso WWW, que tornou a rede de computadores disponível para milhões de usuários. Na sua primeira mensagem, o criador abordava as possibilidades abertas com esta invenção e explicava o que as pessoas poderiam criar e encontrar na rede online: “O Word Wide Web (W3) é uma iniciativa de catalogação de informação hipermídia que deseja fornecer acesso universal a uma grande quantidade de documentos”.

Como descreve Manuel Castells, no livro A galáxia da internet, esta “revolução” derivou de três movimentos sequenciais. “As origens da internet podem ser encontradas na Arpanet, uma rede de computadores montada pela Advanced Research Projects Agency (Arpa) em setembro de 1979. A Arpa foi formada em 1958 pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos com a missão de mobilizar recursos de pesquisa, particularmente do mundo universitário, com o objetivo de alcançar a superioridade tecnológica militar em relação à União Soviética na esteira do lançamento do primeiro Sputnik em 1957”. Tendo nascida por razões eminentemente militares, a internet logo chegaria às universidades nos anos 1980: 

“A Guerra Fria forneceu um contexto em que havia forte apoio popular e governamental para o investimento em ciência e tecnologia de ponta... Em suma, todos os desenvolvimentos tecnológicos decisivos que levaram à internet tiveram lugar em torno de instituições governamentais e de importantes universidades e centros de pesquisa. A internet não teve origem no mundo dos negócios. Era uma tecnologia ousada demais, um projeto caro demais, e uma iniciativa arriscada demais para ser assumida por organizações voltadas para o lucro”. Por último, na sua origem e como fator determinante para o seu desenvolvimento, a internet contou com a genialidade dos hackers, conforme enfatiza Manuel Castells: 

Sem a contribuição dos hackers, “a internet teria tido uma aparência muito diferente e provavelmente não teria abarcado o mundo inteiro. Pelo menos, não tão depressa. Afinal, a abordagem de Tim Berners-Lee da tecnologia não estava muito distante dos programas de revolucionários culturais... A rápida difusão dos protocolos de comunicação entre os computadores não teria ocorrido sem a distribuição aberta, gratuita, de software e o uso cooperativo de recursos que se tornou o código de conduta dos primeiros hackers... A cultura estudantil adotou a interconexão de computadores como instrumento da livre comunicação e, no caso de suas manifestações mais políticas, como um instrumento de libertação”.

A partir desta fase, com a democratização do acesso graças às constantes inovações, a internet cresce em um ritmo alucinante com a criação de milhares de sites e o uso intensivo do correio eletrônico. Em 1995, o primeiro ano do uso disseminado do WWW, já havia 16 milhões de usuários da rede. No início de 2001, eram 400 milhões. Em 2014, o número de internautas já supera dois bilhões de pessoas no planeta. A cada instante surgem novas ferramentas, parte delas pela iniciativa libertária dos hackers, que furam os bloqueios impostos pelas corporações privadas na sua ânsia por mercantilizar os serviços e obter mais lucros. No caso dos blogs, como páginas pessoais, eles só se multiplicam no início deste milênio. 

Com novas ferramentas, as páginas são facilmente montadas e manuseadas, o que permite sua ampla difusão a partir de 2003. Calcula-se que a cada dia surjam cerca de 100 mil blogs no mundo, que se somam as mais de 250 milhões de páginas pessoais já existentes. A maioria é produzida de forma amadora, sem maior estrutura e com limitado alcance. No terreno da política, elas são encaradas como uma nova forma de militância – a militância virtual, que geralmente se contrapõe à abordagem da mídia tradicional. Muitas, inclusive, sucumbem rapidamente. Outras, porém, acabam se consolidando e hoje jogam um papel bastante ativo no embate de ideias na sociedade na maioria dos países do planeta.

Na sequência dos sites e blogs, outras inovações ganharam maior projeção, como as redes sociais e as páginas de busca. O MySpace, controlado pelo império midiático de Rupert Murdoch, chegou a ter mais de 60 milhões de usuários e hoje está em vias de extinção. O mesmo ocorreu com o Orkut, que virou moda e também entrou em declínio. Outras redes sociais, como o Facebook, fundado em 2004, o Youtube, nascido em 2005, e o Twitter, criado em 2006, continuam em expansão, com milhões de usuários e constantes novidades. No caso dos sites de busca, o crescimento também é meteórico. A cada mês, 970 milhões de visitantes únicos se conectam ao Google e 633 milhões ao Yahoo.

Diante destes números, Ignacio Ramonet teoriza. “Tudo muda muito rápido. Nós passamos da era das mídias de massa para a era da massa de mídias. Antes, as ‘mídias-sol’, no centro do sistema, determinavam a gravitação universal da comunicação e informação em torno delas. Agora, ‘mídias-poeira’, espalhadas pelo conjunto do sistema, são capazes de aglutinar para constituir, em certas ocasiões, superplataformas midiáticas gigantescas... A lógica do predador solitário é sucedida pela estratégia do enxame”. Estas mudanças têm profundos impactos na sociedade e nas próprias formas de expressão, politização e mobilização dos movimentos sociais em todo o planeta.

Nas redes e nas ruas
Os livros Movimientos Sociales en la Red (2001) e Comunicación en Movimiento (2005) – escritos por Osvaldo León, Sally Burch e Eduardo Tamayo – descrevem bem os vários estágios da evolução da internet e a sua crescente influência nas lutas sociais. Na fase inicial, com as primeiras páginas ligadas às forças anti-neoliberais e suas mobilizadoras listas de e-mails, de correio eletrônico. Na segunda fase, com o uso mais disseminado dos sites, blogs e das novas redes sociais. Os autores não endeusam as novas tecnologias da informação (NTI), que se desenvolvem sob o domínio do capital e reforçam a lógica de lucro das corporações, mas apontam a importância da combinação “redes e ruas” para os movimentos sociais.

A primeira grande demonstração da força da internet ocorreu em dezembro de 1999, em Seattle (EUA), durante uma conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC). Convocados por listas de e-mails, milhares de ativistas protestaram contra este bastião do capital. Na sequência, outros “convescotes de ricaços”, como o Fórum de Davos, foram alvo de protestos. Já em janeiro de 2001, em Porto Alegre, o Brasil se tornaria referência mundial na luta contra o neoliberalismo ao unir forças no I Fórum Social Mundial. Estas e outras manifestações tiveram como motivação principal a barbárie imposta pelo capitalismo na sua fase neoliberal, mas contaram com o impulso mobilizador da internet.

No livro Comunicación en Movimiento, os autores relatam vários outros casos em que as redes jogaram papel destacado, como na resistência dos zapatistas no México, nos piquetes e “cacerolazos” que derrubaram o neoliberal Fernando de la Rúa na Argentina (2001), na mobilização popular que derrotou em menos de 48 horas os golpistas da Venezuela (2002). Com base no estudo destes casos, eles concluem que as redes terão cada vez maior peso e citam o intelectual Noam Chomsky: “O uso da internet, além de facilitar e agilizar a comunicação dentro dos movimentos sociais e entre eles, presta-se a se contrapor aos meios estabelecidos. Estes são os dois novos fatores mais importantes surgidos nos últimos 20 anos”.

Na fase mais recente, uma nova onda de protestos confirmou a influência crescente da internet. Em 14 de janeiro de 2011, o ditador da Tunísia, Ben Ali, aliado fiel dos EUA, fugiu do país após gigantescas manifestações de rua. Dias depois, em 25 de janeiro, milhares de pessoas ocuparam a Praça Tahrir, no Cairo, para exigir a renúncia de Hosni Mubarak. Calcula-se que dois milhões de egípcios acamparam neste espaço público até a queda da ditadura. A chamada “Primavera Árabe” logo se espalhou pela região, tendo como principal agente mobilizador a internet. No caso da Síria e Líbia, porém, os protestos deram lugar a conflitos armados e financiados pelos EUA com o intento de manter o poder imperial na região.

Por motivos diferentes, em 15 de maio de 2011, milhares de espanhóis ocuparam a Praça Puerta del Sol, em Madri. Eles não se bateram contra ditaduras formais, como as do mundo árabe, mas sim contra democracias de fachada, sob o domínio dos banqueiros, que levaram a Espanha a recordes de desemprego, à regressão de direitos trabalhista e à falta de perspectivas dos jovens. A “revolta dos indignados” exigiu “Democracia Real Já” e o fim dos planos de austeridade impostos pela “troika” – União Europeia, Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu. Os protestos duraram vários meses, mas o “Movimento 15-M”, construído de forma horizontal via redes sociais, não conquistou vitórias concretas. 

Já em 17 de setembro do mesmo ano, cerca de cem mil pessoas ocuparam o Zuccotti Park, em Nova York. Iniciava-se o movimento “Occupy Wall Street”, contra o poder do 1% de ricaços que jogou milhões de trabalhadores na miséria e no desemprego nos EUA. O manifesto de convocação foi lançado no blog da revista Adbusters e citava como inspiração a Praça Tahrir e os acampados da Espanha. “Chegou a hora de empregar esse novo estratagema contra a maior corruptora da nossa democracia: Wall Street, a Gomora financeira da América”. Em pouco tempo, os protestos, que adotam o slogan “Nós somos os 99%”, espalhou-se pelo país, com milhares de marchas e ocupações de praças públicas.

No livro Redes de indignação e esperança, Manuel Castells analisa em detalhes cada um destes movimentos. Ele comprova que suas motivações e demandas são bem distintas, mas que todos tiveram como alavanca a internet. Seja no mundo árabe, onde as ditaduras monárquicas agiram com truculência e tentaram censurar os protestos; seja na chamada democracia ocidental, onde a mídia a serviço do capital também criminalizou as manifestações. Em todos os casos, sites, blogs e redes sociais foram decisivos para convocar e organizar os massivos protestos. A internet não originou as mobilizações, motivadas por razões políticas, econômicas e sociais; mas ela serviu de ferramenta para os ativistas sociais.

Para Manuel Castells, numa visão meio romanceada sobre a onda de protestos deflagrada em 2011, ela “começou nas redes sociais da internet, já que estas são espaços de autonomia, muito além do controle de governos e empresas – que, ao longo da história, haviam monopolizado os canais de comunicação como alicerces do poder. Compartilhando dores e esperanças no livre espaço público da internet, conectando-se entre si e concebendo projetos a partir de múltiplas fontes, indivíduos formaram redes, a despeito de suas opiniões pessoais ou filiações organizacionais. Uniram-se. E sua união os ajudou a superar o medo”. O desfecho de vários destes movimentos, porém, não permite tamanho otimismo!

Controle e espionagem

Como já foi dito, a internet é uma brecha tecnológica, que nasceu por razões militares, desenvolveu-se na universidade e democratizou-se graças à ação dos hackers. Mas ela está inserida num sistema hegemônico sob o comando do capital. Ela não é um “espaço de autonomia, muito além do controle de governos e empresas”. Os governos tentam limitar o seu alcance com legislações restritivas. Já as corporações empresariais visam apenas auferir lucros. As empresas de telefonia detém o controle da infraestrutura; as novas empresas de tecnologia, como Google e Facebook, erguem os seus impérios; e mesmo a mídia tradicional, em crise no seu modelo de negócios, adapta-se para manter o seu poder ideológico.

Julian Assange, fundador do WikiLeaks e vítima de brutal perseguição por seu ativismo digital – asilado atualmente na embaixada do Equador na Inglaterra –, conhece bem as potencialidades e os limites desta poderosa ferramenta. Como aponta no livro Cypherpunks - Liberdade e o futuro da Internet, o ciberespaço é um campo de intensa e agressiva disputa política. O livro, inclusive, faz um “alerta”: “A Internet, nossa maior ferramenta de emancipação, está sendo transformada no mais perigoso facilitador do totalitarismo que já vimos. A internet é uma ameaça à civilização humana... Se nada for feito, em poucos anos a civilização global se transformará em uma distopia da vigilância pós-moderna”.

A obra destaca as ações dos governos para controlar e vigiar o fluxo de informações nas redes. Em 2012, a forte pressão dos movimentos sociais ainda conseguiu derrotar duas legislações restritivas que tramitavam no Congresso dos EUA: o Sopa (Stop Online Piracy Act – Lei de Combate à Privataria Online) e a Pipa (Protect IP Act – Lei de Prevenção a Ameaças Online e à Criatividade Econômica e ao Roubo de Propriedade Intelectual). No final de 2013, porém, já após a publicação do livro, o governo Barack Obama impôs o fim da neutralidade na rede, retomando o seu poder de controle sobre a internet e garantindo os altos lucros das empresas de tecnologia da informação, importantes financiadoras da sua campanha.

A obra ainda alerta para os “invisíveis” mecanismos de vigilância na rede – isto antes de se tornarem públicas as denúncias de Edward Snowden, o ex-servidor da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos EUA, sobre a espionagem das comunicações da presidenta Dilma Rousseff, da alemã Ângela Merkel e até do Papa Francisco. “A internet, que deveria ser um espaço civil, transformou-se em um espaço militarizado. Mas ela é um espaço nosso, porque todos nós a utilizamos para nos comunicar uns com os outros, com nossa família, com o núcleo mais íntimo de nossa vida privada. Então, na prática, nossa vida privada entrou numa zona militarizada. É como ter um soldado debaixo da cama”, adverte Julian Assange.

“A natureza platônica da internet, das ideias e dos fluxos de informações, é degradada por suas origens físicas. Ela se fundamenta em cabos de fibra óptica que cruzam os oceanos, satélites girando sobre nossa cabeça, servidores abrigados em edifícios, de Nova York ou Nairóbi... O novo mundo da internet, abstraído do velho mundo de átomos concretos, sonhava com a independência. No entanto, os Estados e os seus aliados se adiantaram para tomar o controle do nosso novo mundo, controlando suas básicas físicas”. Apesar dos “alertas”, Julian Assange é um otimista e aposta em novos meios para superar os bloqueios – em especial na criptografia e na capacidade de descodificar os novos códigos da internet.

Além da “militarização da internet”, exercida principalmente pelo império estadunidense – que controla toda a infraestrutura de cabos de fibra ótica e de satélites –, as megacorporações que exploram este setor em pleno desenvolvimento também exercem seu domínio, sempre sob a ótica do lucro máximo. Mesmo empresas que nasceram no fundo de quintal, como o Google e o Facebook, hoje são poderosas corporações com seus interesses mesquinhos e seus estratagemas monopolistas. Como argumenta o escritor Tim Wu, no livroImpérios da Comunicação, está é a lógica intrínseca do sistema capitalista. Não há como fugir dos “ciclos” da monopolização, principalmente nos setores de ponta da economia.

No terreno das comunicações, este processo sempre foi acelerado e destrutivo. O autor descreve em detalhes como ele se deu com a telefonia, a rádio, o cinema e as emissoras de televisão e afirma que o mesmo já ocorre com a internet. “Em sua época, cada uma dessas inovações – que deveriam ser o ápice de todas as demais – passou por uma fase de novidade revolucionária e utopismo juvenil... Seja qual for a transformação social que qualquer uma delas possa ter causado, no fim, todas ocuparam seu devido lugar na manutenção da estrutura social em que vivemos. Ou seja, todas se tornaram uma nova indústria altamente centralizada e integrada”.

Para o autor, que não esconde sua admiração pelo capitalismo, “a história mostra uma progressão característica das tecnologias da informação: de um simples passatempo à formação de uma indústria, de engenhocas improvisadas a produtos maravilhosos; de canal de acesso livre a meio controlado por um só cartel ou corporação – do sistema aberto para o fechado... Se a internet – cuja abertura, nos tempos que correm, tornou-se meio de vida – se demonstrar sujeita ao Ciclo, como todas as redes de informação anteriores, as consequências práticas serão estarrecedoras. E já há sinais de que estão acabando os bons e velhos tempos da rede totalmente aberta”.

Seja qual for o futuro da internet, “aberto ou fechado”, todos os estudiosos do tema concordam num aspecto: ela causa profundas mutações no mundo contemporâneo. Como uma via, um meio, ela tem capacidade de manipular informações, mas também de despertar consciência crítica; ela facilita amplas mobilizações sociais, tanto com viés progressista e de superação do status quo, como com visões conservadoras e direitistas; ela revoluciona a forma de se comunicar das pessoas. Ou seja: é um espaço de disputa política, como já alertou Julian Assange, que exige cada vez mais investimentos e aperfeiçoamentos dos setores que encaram a comunicação como uma questão estratégica nos dias atuais.

Bibliografia

1- “A explosão do jornalismo – Das mídias de massa à massa de mídia”. Ignacio Ramonet. Publisher Editora, São Paulo, maio de 2012;

2- “A galáxia da internet”. Manuel Castells. Editora Zahar, Rio de Janeiro, 2003.

3- “Movimientos Sociales en la Red”. Osvaldo León, Sally Burch e Eduardo Tamayo. Edições Alai, Quito (Equador), setembro de 2001;

4- “Comunicación en movimiento”. Osvaldo León, Sally Burch e Eduardo Tamayo. Edições Alai. Quito (Equador), abril de 2005;

5- “Redes de indignação e esperança”. Manuel Castells, Editora Zahar, Rio de Janeiro, 2013;

6- “Cypherpunks”. Julian Assange, Jacob Appelbaum, Andy Müller-Maguhn e Jérémie Zimmermann. Boitempo Editorial, São Paulo, fevereiro de 2013;

7- “Impérios da comunicação”. Tim Wu. Editora Zahar, Rio de Janeiro, 2012;

8- “Mídia, poder e contrapoder”. Dênis de Moraes, Ignacio Ramonet e Pascual Serrano. Boitempo Editorial, São Paulo, abril de 2013;

9- “Caminhos para a comunicação democrática”. Coletânea de artigos do jornal Le Monde Diplomatique. Editado pelo Instituto Paulo Freire, São Paulo, 2007;

10- Caio Túlio Costa. “Ética, jornalismo e nova mídia”. Editora Zahar, Rio de Janeiro, 2009;

11- Gustavo Gindre, João Brant, Kevin Werbach, Sérgio Amadeu e Yochai Benkler. “Comunicação digital e construção dos commons”. Editora Fundação Perseu Abramo, São Paulo, 2007.






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terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Calendário de atividades do Sepe para as próximas semanas


Confira aqui o calendário com as próximas atividades do Sepe:


28/FEV – sábado

10h - CONSELHO DELIBERATIVO DAS REDES MUNICIPAIS

Local: Auditório do SEPE/RJ


07/Março – sábado

10h - CONSELHO DELIBERATIVO DA REDE ESTADUAL - 

Local: Auditório do SEPE

14h - ASSEMBLEIA DA REDE ESTADUAL - 

Local: Club Municipal da Tijuca


14/Março – sábado

10h - CONSELHO DELIBERATIVO DA REDE MUNICIPAL  

Local: Auditório do SEPE

14h - ASSEMBLEIA DA REDE MUNICIPAL  

Local: Club Municipal da Tijuca


21/Março – sábado

9h - CONSELHO ORÇAMENTÁRIO

Obs.: Logo após será instalada ASSEMBLEIA ESTATUTÁRIA para 

eleição do Conselho Fiscal
Local: Auditório do SEPE/RJ


28/Março – sábado

9h – ASSEMBLEIA ELEITORAL

Local: Club Municipal da Tijuca (salão Nobre)






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