segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Conversando com versos (100): "Ano Novo", de Ferreira Gullar (1930)



Ano-Novo

Meia noite. Fim
de um ano, início
de outro. Olho o céu:
nenhum indício.

Olho o céu:

o abismo vence o
olhar. O mesmo
espantoso silêncio


da Via-Láctea feito
um ectoplasma
sobre a minha cabeça:
nada ali indica
que um ano novo começa.

E não começa

nem no céu nem no chão
do planeta:
começa no coração.

Começa como a esperança

de vida melhor
que entre os astros
não se escuta
nem se vê
nem pode haver:
que isso é coisa de homem
esse bicho
              estelar
              que sonha
              (e luta)


 Fonte: Gullar, Ferreira. Barulhos. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1987, pp. 45/46)


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Despedida de 2014




Por Frei Betto


Chego ao fim do ano e constato que estou vivo. Estar vivo é milagre constante. Por muito pouco a vida se esvai: um coágulo de sangue no cérebro, um tropeção, um vírus, um tiro, o acidente de trânsito, um acaso, o esgarçamento ético, a desprovisão moral. 

A cada manhã se repete o renascer. Agora sei por que o bebê faz manha à hora em que o sono começa a vencer-lhe a resistência. Teme a morte, a segregação do aconchego, o retorno às cavernas uterinas. O sono apaga-lhe os sentidos, a consciência, o (con)tato com mãos e olhares afetuosos.

Crescer é dormir sem medo. Confiante de que se vai acordar no dia seguinte. Agora, confio que acordarei em 2015. Espero que não apenas do sono pós-Réveillon. Também dessa letargia que me acossa, desse propósito de inconsistência que me assalta, dessa lúgubre angústia de viajeiro que, além de perder o mapa, perdeu-se no mapa.

Adeus, 2014. Seus algarismos somaram sete. Sete são as maravilhas do mundo e os sacramentos católicos, as notas musicais e os dias da semana, as cores e os dons do Espírito Santo. Sete é o número do infinito em tradições antigas, como infinita foi minha espera. Vi-me soterrado sob tanta indignação. A nação entrou em desértica perplexidade, esse ciclo infernal que faz atuais os círculos inferiores de Dante e o mundo diabólico do Doutor Fausto.

Neste ano que finda, comunguei a dor, essa dor inconsútil que dilacera silenciosamente, um por um, os fios que, em nossa subjetividade, tecem a certeza de que o sonho é o prenúncio inconsciente de que todo real é vulnerável.

Contudo, não sucumbi. Feito bambu, envergo mas não quebro. De minhas ranhuras brota delicado som de flauta. Não sou dado ao absinto e sei que a vida é uma aposta. Todas as minhas fichas estão colocadas no tabuleiro dos deserdados. Jogo ao lado dos perdedores. É apenas isto que me interessa: ao faminto, o pão e a paz.

Bem sei que teremos um ano novo politicamente turbulento, economicamente difícil. Prefiro assim à ordem canhestra das ditaduras e ao genocídio da guerra que supõe impor democracia por força das armas. Só não sei quando o meu povo se erguerá da desolação, os jovens deixarão de ser meros espectadores e, de novo, ruas e praças serão ocupadas, desalojando a política de seus palácios.

Tenhamos todos, em 2015, acesso à vida, distribuída à farta como pão quente pela manhã, sem jamais temer as intermitências da morte.




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SERVIÇO: Permuta de professores(as) entre redes de ensino




O Sepe Núcleo Rio das Ostras e Casimiro de Abreu, atendendo a solicitações, está disponibilizando o SERVIÇO de cadastro de professores(as) interessados em realizar permuta entre as redes de ensino onde trabalham.
                      
Para isso, devem enviar para o e-mail do Núcleo (sepe.riodasostrasecasimiro@gmail.com) o nome completo, município e escola de origem, disciplina(s) de atuação e município para o qual deseja permutar. Podem também enviar telefone(s) para eventuais esclarecimentos. O Núcleo manterá sigilo com relação aos dados pessoais.

Quando identificados os professores com interesses comuns, o Núcleo fará contato entre os mesmos. Os encaminhamentos administrativos ocorrerão por conta dos interessados.

Este serviço será mantido enquanto houver demanda para tal. O Núcleo está à disposição para mais informações.

Só a luta transforma a vida!



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Guerra Fria e a vitória cubana


Por Emir Sader

Cuba sempre considerou que um governo democrata em segundo mandato – quando já não depende tanto da colônia cubana na Florida – era a maior possibilidade de que essa normalização se desse. Jimmy Carter não teve um segundo mandato. No final do segundo mandato de Bill Clinton, houve intensificação das ações terroristas contra Cuba – até com um avião jogando panfletos sobre Havana –, o que levou a que Cuba derrubasse um desses aviões, com a morte de dois tripulantes e, nos Estados Unidos, aprovação de leis ainda mais duras do bloqueio econômico.

Agora, intermediado por outros fatores – a prisão de um empresário norte-americano que levava materiais de comunicação a setores da oposição clandestina em Cuba e a campanha pela libertação de três dos cinco cubanos que ainda permaneciam nas prisões norte-americanas – confirmou-se a previsão: é um presidente democrata que protagoniza o restabelecimento das relações, no seu segundo mandato.

A ruptura de relações e o bloqueio, já há mais de meio século, eram instrumentos com os quais os Estados Unidos achavam que asfixiariam o então novo governo cubano. Havia um dogma até aquele momento segundo o qual “sem cota, não há pais”. Isto é, se os Estados Unidos deixassem de comprar a cota de açúcar, o país faliria.

Quando os EUA suspenderam a compra do açúcar cubano, uma parte da burguesia do país trancou suas casas e foi para Miami esperar a queda do regime de Fidel Castro. Cuba sofreu duramente essas medidas. Todos os países da América Latina – com exceção do México, que manteve só relações diplomáticas com Cuba – fizeram o mesmo, rompendo relações com a ilha. Para qualquer compra que o país tivesse de fazer, teria de apelar para algum país europeu.

Cuba sofreu a tentativa de invasão de 1961, o cerco naval de 1962, uma enorme quantidade de ações de terrorismo, inúmeras tentativas de assassinato de Fidel, sanções econômicas que bloqueiam sua capacidade de desenvolvimento econômico. Mas conseguiu resistir.

Os Estados Unidos não contavam que a URSS os substituísse, comprando o açúcar cubano, além de fornecer o petróleo que Washington também deixava de entregar. A inesquecível imagem de um imenso navio soviético, com a foice o martelo, entrando no porto de Havana, era um gesto de audácia que começava a romper o bloqueio à ilha.

Com o passar do tempo, países da América Latina foram restabelecendo relações com o governo de Fidel, primeiro diplomáticas, depois comerciais, até que a situação se reverteu. Se Cuba havia estado isolada no começo do bloqueio, eram os EUA que passariam a estar isolados, de forma que nas votações da ONU de condenação do bloqueio, só contavam com o voto de Israel e de alguma ilha meio desconhecida do Pacífico; sendo a esmagadora maioria contra a posição de Washington. O isolador se tornava isolado.

Agora, ao mesmo tempo, Cuba consegue duas grandes vitorias: resiste ao bloqueio, rompe o bloqueio, não cede em nada frente às ameaças e ataques da maior potência imperial da história da humanidade, consegue o restabelecimento das relações diplomáticas, nos termos que sempre propôs – com o respeito entre iguais, como nações soberanas. E, ao mesmo tempo, consegue o retorno dos espiões cubanos que estavam presos nos Estados Unidos, condenados depois de serem descobertos em operações de investigações contra ações terroristas de anti-castristas da Flórida, com anuência de Washington.

Entre os temas das densas discussões que se desenvolverão a partir de agora, estará seguramente Guantânamo. Esse pedaço do território cubano apropriado pelos americanos quando desembarcaram em Cuba com o pretexto de pacificar o conflito entre a ilha e a Espanha, quando os cubanos estavam prestes a expulsar aos antigos colonizadores e se tornarem independentes. A apropriação de Guantânamo se deu no marco das sanções impostas pelos Estados Unidos à Espanha, junto com a incorporação das Filipinas e das Ilhas Gwan.

O que foi imposto como uma ocupação de um século, tornou-se permanente – diferentemente do Canal de Panamá, cuja soberania retornou aos panamenhos. Como a base militar de Guantânamo não tinha nenhuma importância, permanecia como presença soberba da potência imperial derrotada pelos cubanos. Até que mais recentemente tornou-se uma vergonhosa prisão fora de qualquer cobertura jurídica internacional para que os EUA procedessem aos selvagens interrogatórios e torturas que impuseram aos acusados – mesmo sem provas – de ações de terrorismo.

Agora não há nada mais que possa impedir que o presidente norte-americano transfira os mais de 160 presos que ainda permanecem lá, feche a base naval e devolva a Cuba o território que lhe pertence. Assim se terão normalizado totalmente as relações entre o país de Fidel e o de Obama.

Barack Obama teve de confessar que a estratégia norte-americana de tentar asfixiar a Cuba pelo bloqueio econômico e o assedio terrorista fracassaram. Os dois países voltam a ter relações diplomáticas, o imenso edifício voltado para Miami – na avenida costeira de Havana conhecida como Malecón – abrigará um novo embaixador dos Estados Unidos: e Cuba terá, no mesmo velho casarão, um embaixador no país vizinho.

Vira-se a última página da longa Guerra Fria do segundo pós-guerra. Talvez estejamos começando outra, com caráter e dimensões distintas, mas aquela agora está definitivamente terminada. E da melhor maneira possível para Cuba e para todos os que lhe apoiaram na luta contra o injusto bloqueio.





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O erro Kátia Abreu é ela representar o que há de mais atrasado

Por Igor Felippe Santos 


Antes de fazer qualquer avaliação, vamos apresentar um pressuposto: a agricultura é um setor importantíssimo da economia brasileira, que sustenta o superavit na balança comercial, com a exportação de produtos primários.

A soja em grão, o farelo de soja, a carne bovina, a celulose e os couros e peles estão no topo do ranking dos recordistas em vendas do país no mercado internacional, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.


Assim, o governo federal absorver no ministério um ator político desse setor corresponde ao peso econômico da agricultura. No entanto, a questão é avaliar qual é o melhor nome para representar a agricultura brasileira e os interesses nacionais.


A agricultura brasileira é um setor bastante complexo e heterogêneo, em relação a tamanho das propriedades, à produtividade, ao tipo de produção, ao nível de agroindustrialização, à destinação da produção (mercado interno ou exportação), à maior ou menor incorporação do produtor às grandes empresas do agronegócio.


A definição do ministro da Agricultura pressupõe, então, uma avaliação sobre as necessidades do curto prazo, como o fortalecimento dos setores competitivos que sustentam a balança comercial, e de longo prazo, a partir da projeção dos desafios da agricultura nos próximos 30 anos.


No curto prazo, o setor mais competitivo é de produtos agrícolas sub-industrializados, com baixo valor agregado, em associação às grandes empresas transnacionais, para atender a demanda do mercado externo.


O potencial da agricultura brasileira no longo prazo vai além da exportação de matéria-prima, mas deve fomentar uma indústria nacional de alta tecnologia para agregar valor à produção, dar competitividade ao país no mercado internacional e atender as demandas internas, contribuindo para a substituição de importação.


Um desafio é o desenvolvimento de uma nova matriz tecnológica, sob controle nacional, que supere a dependência das indústrias estrangeiras que desenvolvem sementes, fertilizantes, agrotóxicos e viabilize a produção de alimentos mais saudáveis, sem agrotóxicos.


A partir dessa avaliação, a conclusão é que, definitivamente, a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), presidente da CNA (Confederação Nacional da Agricultura), não é o melhor nome para assumir o Ministério da Agricultura.


Embora tenha uma atuação como senadora e presidente de entidade de classe que busca fortalecer o conjunto dos grandes proprietários, Kátia Abreu representa um segmento atrasado de latifundiários, que não alcançou o patamar de produtividade para atender as demandas de curto prazo da economia brasileira. Aí está um dos motivos para a reação do Grupo JBS à indicação.


Kátia Abreu tem raízes em um segmento que tem a terra como um instrumento de poder e reserva de patrimônio, sem vocação para a produção, sem qualquer responsabilidade com a preservação do meio ambiente e que vê no fortalecimento da agricultura uma oportunidade para especulação, tanto para vender a propriedade como para o arrendamento.


Um Ministério da Agricultura a reboque dos latifundiários mais atrasados será uma âncora para um dos setores mais importantes da economia brasileira. Em vez de uma atuação para fortalecer os setores mais dinâmicos e para construir as bases de um novo modelo agrícola, o ministério atuará para atender aqueles que tratam a terra como um ativo para especulação.


Um paralelo para ilustrar o papel de Kátia Abreu no Ministério da Agricultura: é como se a Dilma colocasse no Ministério das Cidades o dono de uma imobiliária, com experiência na compra e venda de terrenos, casas e apartamentos, com pouco tino para organização do espaço urbano.


Em relação às perspectivas de longo prazo, o ideal de agricultura que a presidente da CNA tem como modelo se sustenta na grande propriedade para a produção de commodities, na mecanização intensiva que expulsa as famílias do campo, na utilização sem qualquer regulação dos agrotóxicos e na produção para o mercado externo. Nesse modelo, o meio rural é um espaço de produção, uma “fábrica verde”, submetido aos interesses das grandes empresas estrangeiras.


Esse modelo de agricultura não coloca o país no trilho do futuro. O Brasil precisa de uma agricultura que induza o desenvolvimento do interior, com base em investimentos em ciência, tecnologia e inovação a partir das pesquisas nacionais. Assim, viabilizar a geração de empregos, a construção de infraestrutura, educação, saúde, cultura, comunicação e lazer, criando novos polos como alternativas às grandes metrópoles.


Além disso, a agricultura deverá atender a demanda crescente por alimentos saudáveis, com o controle crescente do uso de agrotóxicos e o desenvolvimento de tecnologia para operar a transição para um modelo agroecológico.


Se a presidenta Dilma quer no ministério um nome forte, com peso na sociedade e representativo de um setor da economia, o nome de Kátia Abreu não cumpre os pré-requisitos e deixará o governo com o carimbo do latifúndio, da grilagem, do trabalho escravo e da destruição do meio ambiente.


Essa pecha, inclusive, prejudica as empresas que exportam para a Europa, que tem aumentado as exigências em relação à origem da produção e dos impactos sociais e ambientais. Certamente, as entidades de defesa do meio ambiente farão uma campanha internacional para denunciar os vínculos da ministra com o desmatamento da Amazônia.


A entrada de Kátia Abreu no ministério não contribui decisivamente para a consolidação de uma base do governo no Congresso Nacional. Com aproximação com a presidenta Dilma, a senadora foi isolada da Frente Parlamentar da Agropecuária, a chamada bancada ruralista do Congresso.


Além disso, ela não tem trânsito na bancada do PMDB, que não assumiu a indicação e a vê como uma “cristã-nova”, que fez um movimento calculado para virar ministra. Assim, não garantirá necessariamente votos para a aprovação de projetos do governo no Parlamento.


Dilma fez uma opção no primeiro governo de escalar para o Ministério da Agricultura nomes sem grande expressão, que tiraram a pasta de cena. A nomeação de Kátia Abreu colocará o ministério na vitrine, mas fará dele alvo de movimentos dos sem terra, pequenos agricultores, indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, além de ambientalistas..


Assim, os efeitos colaterais para a presidenta serão maiores do que os benefícios que se pode atribuir à nomeação de uma ministra que não poderá viajar para o exterior nem trabalhar tranquila em seu gabinete, com os gritos dos militantes e dos carros de som nos protestos que se multiplicarão na Esplanada dos Ministérios. E que certamente passarão pelo Palácio do Planalto.





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sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

A realidade dos desafios de 2014

Por Wladimir Pomar


As batalhas de classe de 2014 confirmaram que as grandes burguesias brasileira e estrangeira realmente se lançaram em bloco contra o PT e o governo Dilma. Jogaram, e em certa medida continuam jogando, suas fichas contra a pretensão de aumentar a participação do Estado na economia e a participação democrática do povo na política. Temerosas de que essas participações reduzam seus ganhos monopolistas e seu poder sobre as instituições públicas, empenharam sua máquina de propaganda e seus recursos para destruir o PT, apeá-lo do governo, e impedir qualquer avanço na regulamentação dos dispositivos democráticos da Constituição de 1988. E, como previmos, tornaram 2014 muito mais turbulento, desafiante e cheio de emoções do que 2013.

Como alertáramos no final de 2013, a grande burguesia se dera conta do evidente esgotamento da política de crescimento através do estímulo ao consumo. E que, para a continuidade do desenvolvimento econômico e social, seria indispensável adotar um modelo de investimentos produtivos, aumento da concorrência, ou democratização do capital, redução dos juros, câmbio administrado, e combate à inflação através do aumento da oferta, e não de arrocho salarial e contenção do crescimento. Ou seja, um novo modelo de crescimento que teria, inevitavelmente, de romper com as regras neoliberais e os monopólios incrustrados na economia.

As táticas da grande burguesia compreenderam movimentos em todas as frentes. No frente econômica desdobraram-se no ataque ao aumento da intervenção do governo na economia, na retração dos investimentos, nas exigências para elevação das taxas de retorno para participar nas concessões público-privadas, no aumento da especulação financeira, e na difusão de boatos a respeito da suposta perda de controle do governo sobre a inflação e as metas fiscais. Além disso, no segundo semestre de 2014, sob o mote de “defesa da Petrobrás”, procuraram aproveitar-se da Operação Lava Jato para paralisar, desorganizar e desmoralizar a principal estatal do país e, de quebra, obter a flexibilização ou a mudança das regras de exploração do pré-sal, que garantem àquela empresa o papel de única operadora.

Na frente política, as reações da grande burguesia contra a maior intervenção e participação do Estado na economia também explicam as táticas utilizadas para demonizar o PT, dividir a base de apoio do governo, criar uma “terceira via” pseudo-esquerdista, e alçar um play boy da política como salvador da pátria. A virulência da grande mídia contra o PT e contra o governo Dilma marcou todo o ano de 2104, e mergulhou em lodaçal profundo durante a campanha eleitoral. A maior parte da classe dominante calculou que chegara o momento de dar um basta à experiência “chavista”, “bolivarianista”, “cubana” e até “soviética”, embora os governos Lula e Dilma possam ser qualificados, na melhor das hipóteses, como governos democrático-liberais com tinturas populares.

Especialmente durante 2014, a grande burguesia demonstrou que não aceita reformas estruturais democratizantes, mesmo pontuais, para realizar um desenvolvimento socialmente menos desigual. Não concorda com a introdução de impostos progressivos, ao invés de regressivos. Não quer perder seu poder sobre os congressistas, com o fim dos financiamentos privados às campanhas eleitorais. É visceralmente contra o fim do domínio monopolista e dos preços administrados sobre a economia. Não aceita qualquer medida que democratize a propriedade industrial, comercial, agrícola, dos serviços, da mídia e do solo, e incentive a concorrência para reduzir tais preços e desenvolver mais rapidamente as forças produtivas. Não aceita a redução das jornadas de trabalho, a melhoria dos salários, nem a universalização dos serviços públicos.

Portanto, não lhe interessam medidas através das quais seja possível reduzir a população excluída do mercado de trabalho e proporcionar à maior parte da população condições dignas de vida. Ao contrário, pretende jornadas maiores, salários menores, e mais privatização dos serviços públicos, com foco púbico mistificador apenas sobre alguns setores da população. Foi imbuída dessas negaças que a maior parte da grande burguesia se movimentou para impedir a reeleição de Dilma. Mas suas tentativas de formular uma terceira via, entre a esquerda e a direita, que poderia ser palatável a setores das classes sociais beneficiadas pelas políticas de transferência de renda e de aumento do salário mínimo, resvalaram para a adoção de um programa comum com a direita tucana escrachada. E trouxeram à tona, particularmente no segundo turno,  a verdadeira natureza regressiva e reacionária da oposição direitista.

Apesar disso, por inação, ausência de resposta aos ataques, e inexistência de propostas políticas claras e incisivas de mudanças, o PT e sua candidata permitiram que a direita atraísse grande parte do centro burguês, espalhado pelo PMDB e por outros partidos, que vinha chantageando o governo para evitar reformas estruturais. Mais do que isso, permitiram que setores populares, que lutavam por mudanças, também fossem atraídos pela constância das mentiras e promessas da direita. Na prática, a esquerda e parte do centro no governo achavam estar ganhando. Segundo eles, não se deveria mexer em nada, embora fosse evidente a pressão da grande burguesia por um retrocesso. Podia-se deixar tudo como estava. Sequer perceberam que o leilão do campo de Libra foi o toque de finados de um tratamento civilizado ao governo Dilma e o grito de alerta das corporações nacionais e estrangeiras para barrar o propalado avanço estatizante.

A maior parte da esquerda petista no governo não aprendeu com as manifestações de junho de 2013 e posteriores. Não enxergou que ocorreu um erro sério nas prioridades governamentais referentes à reconstrução da infraestrutura do país, nem que as reformas que deveriam ter ocupado a posição prioritária eram aquelas referentes à mobilidade, saúde, educação, segurança e alimentos bons e baratos. Reformas que, ao serem implementadas, alavancariam o crescimento industrial e o aumento da oferta de alimentos e outros bens de consumo corrente. Como esse recado não foi ouvido, nem atendido, a grande burguesia navegou de braçadas para conquistar parte das burguesias média e pequena, e parte das massas populares, colocando em risco não só a reeleição de Dilma, mas também a democracia e o crescimento da economia, do emprego e dos salários.

Foram esses erros e defeitos do PT e do governo Dilma que corroeram não só as alianças sociais estratégicas, mas também as alianças táticas com os inimigos secundários, quase levando sua candidata presidencial à derrota. De positivo, boa parte dos setores populares e da esquerda crítica ao PT e ao governo  deu-se conta de quem é o inimigo principal e garantiu a derrota eleitoral da direita. De qualquer modo, a correlação política de forças, resultante dos embates econômicos, sociais e políticos de 2014, se apresenta mais desfavorável para as classes trabalhadoras e intermediárias.

O que vai demandar um esforço ainda maior de análise e de esforço conjunto. Seja para dar continuidade ao crescimento econômico, à criação de mais empregos, ao aumento dos salários, à redução da pobreza e da miséria, à melhoria da mobilidade urbana, da saúde, da educação, da segurança, e de alimentos bons e baratos. Seja para conquistar as reformas políticas que reduzam o poder da grande burguesia sobre o Estado e a sociedade brasileira.



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Cuba e EUA: o início do fim do bloqueio


Por Frei Betto


O papa Francisco, ao comemorar 78 anos, deu um inestimável presente ao Continente americano: o início do fim do bloqueio dos EUA a Cuba e o reatamento das relações diplomáticas entre os dois países.

Este foi o tema que Francisco priorizou com Obama no encontro que mantiveram, em Roma, em março deste ano. Um ano antes, ao assumir o pontificado, Francisco se inteirou da questão ao receber Diaz-Canel, primeiro vice-presidente do Conselho de Estado de Cuba.

Obama admitiu que “o isolamento não funcionou.” De fato, o bloqueio imposto a Cuba, ao arrepio de todas as leis internacionais, não conseguiu nem mesmo fragilizar a autodeterminação cubana após a queda do Muro de Berlim.

Fidel, aos 88 anos, sobrevive a oito presidentes dos EUA, dos quais enterrou quatro. E a mais de 20 diretores da CIA.

Os EUA são lerdos para admitir que o mundo não é fruto de seus caprichos. Por isso, demorou 16 anos para reconhecer a União Soviética; 20, para o Vietnã; e 30, para a República Popular da China. E foram precisos 53 anos para aceitar que Cuba tem direito à sua autodeterminação, como já sinalizara a Assembleia Geral da ONU.

De fato, EUA e Cuba jamais romperam o diálogo. Em Washington funcionou, ao longo de cinco décadas, a legação cubana, assim como, em Havana, o prédio da legação usamericana ergue-se majestoso no Malecón.

A notícia dessa reaproximação marca o fim definitivo da Guerra Fria em nosso Continente. E Cuba sai no lucro, pois oferece uma infraestrutura turística sadia, despoluída e isenta de violência a 1 milhão de canadenses que, no inverno, com três horas de voo, trocam 20 graus negativos por 30 positivos do mar do Caribe.

Com a abertura do mercado cubano a investimentos estrangeiros, os EUA, que raciocinam em cifrões, não querem ficar atrás da União Europeia, do Canadá, do México, do Brasil e da Colômbia, que selam importantes parcerias com a Ilha revolucionária. “Em vez de isolar Cuba, estamos isolando somente o nosso país, com políticas ultrapassadas”, disseram em carta a Obama os parlamentares estadunidenses Patrick Leahy (democrata) e Jeff Flake (republicano) ao retornarem de Havana.

Em troca de Alan Gross, agente da CIA detido em Cuba por ações terroristas, Obama liberou, ontem, três dos cinco cubanos presos nos EUA, desde setembro de 1998, acusados de terrorismo (dois já tinham sido soltos).

Na verdade, tratavam de evitar, na Flórida, iniciativas terroristas de grupos anticastristas. E foram usados como bucha de canhão pelo FBI e por grupos de direita para impedir, na época, a reaproximação entre EUA e Cuba.

O tribunal de Atlanta havia admitido, por unanimidade, que as sentenças aplicadas a três dos cinco cubanos (Hernández, Labañino e Guerrero, libertados ontem) careciam de fundamento jurídico: não houve transmissão de informação militar secreta, nem puseram em risco a segurança dos EUA.

Como me disse a presidente Dilma em encontro a 26 de novembro, Francisco é, sem dúvida, o grande líder mundial nesse mundo carente de figuras confiáveis e respeitáveis.




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Para que servem os partidos de esquerda?

Por Emir Sader


Ao longo da década de 1990 a esquerda resistiu como pôde aos avanços do neoliberalismo. Parecia que estávamos frente a uma onda irresistível, até que alguns governos latino-americanos reagiram e começaram a construir alternativas a esse modelo

  Duas correntes conviviam na resistência ao neoliberalismo: uma, que defendia a autonomia dos movimentos sociais, a rejeição à política, aos partidos e ao Estado. Outra, que propunha a necessidade de resgate da política, dos partidos e do Estado para conquistar hegemonia e construir alternativas ao neoliberalismo.

 Triunfou esta segunda corrente, dado que a superação do neoliberalismo requer a construção de um bloco de forças hegemônico e a construção prática de novas políticas de caráter público, que requerem redirecionar o Estado, superando a centralidade do mercado, promovida pelo neoliberalismo. Trata-se de resgatar o Estado e a política e não de abandoná-los, o que faz o jogo do neoliberalismo.

 O resgate do papel ativo do Estado, tanto como indutor do crescimento econômico, como na sua qualidade de garantia dos direitos sociais, foi decisivo na capacidade de governos para avançar na superação do modelo neoliberal. A ultraesquerda foi derrotada porque não soube compreender a natureza da disputa e do papel do Estado nela.  

 Os que propunham a autonomia dos movimentos sociais não foram capazes de passar da força acumulada no plano social na resistência ao neoliberalismo à construção de alternativas políticas a esse modelo. Permaneceram na fase de resistência a esse modelo. Algumas forças praticamente desapareceram – como foi o caso dos piqueteros na Argentina – outras ficaram reduzidas à intranscendência – como é o caso dos zapatitas no México. 

 Foi decisivo o papel do Estado nos avanços na superação do neoberalismo, tanto no plano econômico, como no social. Mas a desmoralização da política e o enfraquecimento dos partidos não se deteve sequer nos países que resgataram a importância do Estado.



Hoje, recoloca-se com força a questão do papel dos partidos de esquerda nos processos de construção de alternativas superadores do neoliberalismo. Como se trata de governos de alianças amplas, de centro esquerda, esses devem representar a alternativa de esquerda, que representa a superação radical do neoliberalismo. E, mais além dessa luta, apontar para alternativas anticapitalistas.
    
 Por outro lado, o papel de um partido de esquerda é o de formular estratégias para chegar aos objetivos do programa dos partidos. Enquanto os governos se movem no plano das conjunturas, é necessário apontar para esses objetivos, para que não se percam nos enfrentamentos imediatos.
    
 Além disso, os partidos devem discutir permanentemente com os movimentos populares as plataformas de luta, as formas de organização dos distintos setores populares, as relações com os governos. Porque são esses movimentos – sindicatos, movimentos sociais, culturais, etc.  – os que devem se dedicar a organizar os mais amplos setores de massa.

 É também responsabilidade dos partidos as constantes avaliações das conjunturas, das relações de força, dos aliados, do inimigos.

 Em síntese, o papel dos partidos é o de dar direção política, de elaborar e construir a hegemonia dos programas estratégicos da esquerda e as formas de sua realização.




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terça-feira, 23 de dezembro de 2014

2014: o fim das ilusões desenvolvimentistas, entrevista com Michel Löwy.

Escrito por Valéria Nader e Gabriel Brito


O ano de 2014 deixa marcas indeléveis na história do Brasil. 50 anos do Golpe Militar, Copa do Mundo e um dos processos eleitorais mais acirrados dos últimos anos. Já quase no apagar das luzes do ano, a explosão de escândalos em uma das empresas símbolo do país, com  revelações diuturnas de uma histórica promiscuidade público-privada.

Nosso entrevistado especial nesse final de ano é o filósofo franco-brasileiro Michel Löwy, que esteve no Brasil para lançar mais um livro e fez um giro por diversas instâncias do debate político.

“Não vejo nenhuma razão pra dizer que tudo vai bem. Por outro lado, temos o otimismo da vontade. Precisamos lutar. Antes que seja tarde. Na França, temos uma situação de crise. O governo social-liberal é um fracasso total. Não tomou praticamente nenhuma medida de esquerda, salvo aquela a favor do casamento gay. E o problema é que a raiva das pessoas é capitalizada pela extrema-direita, fascista, homofóbica, xenofóbica etc. Isso é muito preocupante. No Brasil, existe essa postura, mas é limitada. Aqui, nas manifestações de extrema-direita, vão 2.500 pessoas. Na França, contra o casamento gay, saíram um milhão de pessoas. Tem diferença”, afirmou.

Com um olhar mais distanciado da rotina nacional, e a partir de visão  global do quadro das lutas políticas e sociais, o filósofo expressa otimismo quanto ao processo brasileiro e latino-americano. Segundo ele, nosso continente continua sendo a principal referência de reorganização da luta e do imaginário da esquerda. “Obviamente, não há nada a esperar da socialdemocracia europeia. O social-liberalismo latino-americano é bem mais avançado socialmente do que o seu equivalente europeu, que é completamente alinhado com as receitas neoliberais. Por enquanto, temos apenas duas experiências boas na Europa (Syriza e Podemos). Mas a extrema-direita é que está de vento em popa (...) Na América Latina, na maior parte dos países, as comunidades indígenas são atores fundamentais das lutas sociais, da resistência contra o neoliberalismo, da defesa do meio ambiente”.

Em sua conversa com o Correio, Lowy  perpassou também por seus estudos mais recentes, associados ao ideário marxista, e aqui não sobra espaço para ingenuidade: o filósofo é inclemente com o capitalismo, “uma espécie de fatalidade, um destino imposto de uma maneira coercitiva sobre a vida dos indivíduos. O que acaba desaparecendo é a liberdade. Como dizia Weber, ‘o capitalismo é uma escravidão sem mestre’. Porque é impessoal, os indivíduos são os escravos do sistema. E o que temos hoje em dia é um mundo em crise. Os indivíduos são jogados de um lado para outro pelo sistema”.

Mas assim como, para Marx, a luta de classes era a esperança de escape da “jaula de aço” capitalista teorizada por Weber, o ecossocialismo ocupa posição de destaque nos estudos de Lowy, como a porta de saída da opressão capitalista. Uma causa poderosa do século 21, capaz de fagulha similar à que vimos em junho de 2013, quando o Movimento pelo Passe Livre acendeu o pavio de manifestações históricas.

“O importante, pra nós, ecossocialistas, é fazer o trabalho de conscientizar as pessoas, ajudando-as a entender que há uma relação direta entre destruição da Mata Atlântica, o desmatamento da Amazônia e a crise da água. Isso vai acontecer no Brasil, nos países da América Latina, na Europa, no mundo inteiro. Porém, é uma corrida contra o tempo”.

A entrevista completa com o filósofo Michel Löwy pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Você veio ao Brasil nesse ano lançar o livro ‘A Jaula de Aço: Max Weber e o marxismo weberiano’, o qual analisa possíveis analogias entre Marx e Weber. O que poderia falar da temática do livro e de sua importância para a compreensão do atual mundo em que vivemos?

Michel Löwy: O que faço no livro é uma comparação do diagnóstico que Weber e Marx têm sobre o capitalismo, e o que eles têm em comum. Inclusive, Weber reconhece que uma parte do que disse sobre o capitalismo já está em Marx. E há aspectos que são específicos em Weber. Depois, trato de dizer qual é a grande diferença entre eles, mas, num primeiro momento, procuro comparar.

Uma coisa interessante em Weber é que ele tem uma atitude ambivalente. Ele considera o capitalismo o sistema mais racional, mais unificado, mais moderno, muito melhor do que os outros. Por um lado, ele quer que a Alemanha se torne uma potência imperial industrial capitalista etc., mas, por outro lado, enquanto homem de cultura e intelectual, desconfia do capitalismo. Ele tem uma espécie de contradição. Que não é só dele, mas também de outros personagens dessa época.

Mas o que me interessa, naturalmente, é a crítica. É o que procuro colocar no livro. Em particular, me interessa a imagem e a alegoria que ele usa, de que o capitalismo funciona como uma ‘jaula de aço’. A ideia é o capitalismo como um sistema total, que determina a vida dos indivíduos através de um sistema de forças impessoais que ninguém controla. Isso faz alguns irem à falência, outros prosperarem, uns perdem o emprego, outros vão pra miséria, perdem sua casa... É o que estamos vendo hoje, e ninguém controla.

O capitalismo é isso: uma espécie de fatalidade, um destino imposto de uma maneira coercitiva sobre a vida dos indivíduos. O que acaba desaparecendo é a liberdade. Ele tem uma passagem interessante, num artigo de 1906, em que diz ser “ridículo acreditar que há alguma afinidade entre o capitalismo, por um lado, e a democracia ou a liberdade, por outro”. Pelo contrário, a pergunta é, se sob a dominação do capitalismo, vai sobrar alguma coisa de democracia. Um ponto de vista curioso.

Acho interessante tal alegoria. E não é a respeito da burocracia. Porque, nos Estados Unidos, há uma leitura de Weber segundo a qual ele fala da jaula de aço da burocracia, coisa que realmente aparece em alguns textos seus. Mas, em seus textos mais importantes, é do capitalismo que ele fala. Ele tem uma outra expressão: “o capitalismo é uma escravidão sem mestre”. Porque é impessoal, os indivíduos são os escravos do sistema.

Portanto, é uma crítica bastante aguda e tremendamente atual. O que temos hoje em dia é um mundo em crise. Os indivíduos são jogados de um lado para outro pelo sistema, que de um dia para outro faz com que milhões percam os seus empregos e outros milhões sejam expulsos de suas casas. Enfim, é uma loteria que funciona com as regras do capital, da acumulação de capital, da competição, da oferta e da procura. É isso, um sistema total, diz Weber. Podemos dizer totalitário, de certa maneira.

Acho interessante esse pensamento. É uma crítica do capitalismo que em alguns aspectos é próxima de Marx, mas é diferente. Marx insiste em outros temas. Penso que os diagnósticos deles sobre o capitalismo são próximos e, se não idênticos, compatíveis. O que é incompatível entre os dois, e consta no livro, é que o Weber era um fatalista resignado.

Nietsche dizia que o herói da época moderna é aquele que aceita o seu destino. Eis o heroísmo moderno. E o Weber tem um pouco disso, de o capitalismo ser uma fatalidade, no duplo sentido, de algo do qual não se pode escapar e, ao mesmo tempo, algo ruim. Portanto, não há escapatória da jaula de ferro. Estamos encerrados.

Para Marx, não. Marx acha que existe um martelo, que é a luta de classe, com o qual se podem quebrar as barras da jaula de aço capitalista. É a revolução. É aí que eles se separam.

Correio da Cidadania: Nesse contexto, e de modo geral, o que é o marxismo hoje no mundo e qual apropriação possível que dele podem fazer movimentos e ou partidos que buscam um novo modelo de sociedade?

Michel Löwy: Penso que o marxismo é o instrumento e a ferramenta indispensável, não só para entender o mundo, mas transformá-lo. Sem o marxismo, não entendemos o que está acontecendo e tampouco temos elementos de estratégia de luta, e organização, para transformar. Práxis e teoria, as duas coisas, estão ligadas ao marxismo. Ao mesmo tempo, o marxismo não pode ser a repetição simples daquilo que disse Marx ou Lênin ou Trotsky ou Rosa Luxemburgo... Enfim, isso tudo é fundamental, essencial, mas não suficiente, porque o mundo se transformou. Problemas novos apareceram.

Aqui na América Latina, por exemplo, na maior parte dos países, as comunidades indígenas são atores fundamentais das lutas sociais, da resistência contra o neoliberalismo, da defesa do meio ambiente. Isso não está previsto em nenhum dos clássicos do marxismo. Na época, eles pensavam nos operários... Mas índios como atores de uma luta revolucionária não está previsto. Teologia da libertação também não está prevista.

Assim, o marxismo precisa se desenvolver e estar disposto a aprender com os movimentos sociais, com as lutas e fenômenos novos. Pra mim, a novidade ruim, mas importante, e que o marxismo precisa integrar, é a questão ambiental. Porque o capitalismo está levando a humanidade não para o brejo, pois seria simpático, mas para um abismo. Um abismo que se chama aquecimento global, mudança climática, com consequências inimagináveis, sem precedentes nos últimos milhões de anos. Isso resulta, inevitavelmente, da lógica do capitalismo de expansão ilimitada, produtivismo, consumismo e, portanto, destruição e desequilíbrio ecológico.

Portanto, eu acho que o marxismo do século 21 tem de ser um marxismo ecológico.

Correio da Cidadania: Aqui entram seus estudos sobre ecossocialismo.

Michel Löwy: Sim. Mas partindo do marxismo. Partindo da crítica da economia política, do projeto socialista. Tudo isso é fundamental. Mas tem que ser radicalizado, aprofundado e enriquecido com questões novas, em particular, a questão ambiental.

Correio da Cidadania: Antes de aprofundar um pouco essas novas ideias, vemos que seu livro também trabalha com a noção de que o capitalismo teria conseguido, mais do que em qualquer época, introjetar a ideia de aceitação de um destino inexorável às pessoas, como também sugere a citação de Nietsche. Isso porque as próprias relações humanas e sociais seriam menos autênticas, mais automatizadas. É possível concluir que hoje em dia está ainda mais difícil dialogar e mobilizar pessoas, especialmente a partir de vieses marxistas?

Michel Löwy: Eu não diria isso. Cada época tem suas formas de luta, conscientização, resistência cultural e política. As de hoje não são as mesmas do começo do século. Mas eu não diria que no mundo de hoje tudo é conformismo e aceitação. Eles existem em grande escala, evidentemente, mas existe também a resistência. As resistências estão presentes em formas diversas.

Eu mencionei as lutas indígenas, mas não é só. Acho que a América Latina é um bom exemplo do tipo de resistência que está se desenvolvendo. Temos assistido nos últimos anos a uma quantidade extraordinária de lutas, de semi-insurreições na Bolívia, Argentina, Venezuela etc., de mudanças de governo. A esquerda chegou ao governo na maioria dos países da América Latina, esquerdas de diversos tipos, umas mais diluídas, outras mais consistentes.

Enfim, há uma vontade de mudança. E quando menos se espera, estoura uma contestação que pode ser confusa, mas tem elementos radicais, como aconteceu em junho do ano passado, quando o Movimento Passe Livre (MPL) dava o tom dos acontecimentos. Eu não sou nem otimista, nem pessimista. Creio que devemos seguir como o Gramsci dizia, ou seja, “pessimismo da razão e otimismo da vontade”. Fazer a análise de que a situação é grave, de que o poder do capitalismo é enorme, dos perigos e catástrofes que estão se aproximando rapidamente e também são dramáticos.

Não há nada, nenhuma razão, pra dizer que tudo vai bem. Por outro lado, temos o otimismo da vontade. Precisamos lutar. Existe uma possibilidade de luta. Existem movimentos de luta, existem algumas vitórias da esquerda. Portanto, temos de participar dessa tentativa de resistir. Antes que seja tarde demais.

Correio da Cidadania: Nesse sentido, o que é, pra você, a esquerda hoje, no Brasil e na América Latina?

Michel Löwy: Esquerda, em princípio, são partidos e movimentos que se identificam com os interesses das classes subalternas. É o sentido geral. Mas essa esquerda é um leque muito vasto aqui na América Latina, que vai da centro-esquerda – que também pode ser designada como social-liberalismo – até uma esquerda mais radical, anti-neoliberal, anti-oligárquica, anti-imperialista.

Por exemplo, peguemos o caso dos governos de esquerda. Eu acho que a vitória de tais governos foi um avanço, mas muito desigual. Em vários países, como Brasil, Chile, Uruguai, Paraguai (que não durou muito), tivemos experiências de tipo social-liberal. O que é o social-liberalismo? É um governo de esquerda com compromisso de centro-esquerda, que aceita o quadro do capitalismo neoliberal, mas procura introduzir algumas medidas sociais.

O espírito do social-liberalismo – e acho que os governos do PT no Brasil o representam muito bem – é o seguinte: “vamos fazer tudo o que pudermos pelos pobres com a condição de não mexer nos privilégios dos ricos”. E a fórmula matemática do social-liberalismo é, por exemplo, o orçamento da agricultura no Brasil: 90% para o agronegócio e 10% para a agricultura familiar. Claro, esses 10% fazem uma diferença. É uma ajuda importante, mas há uma desproporção enorme.

Essa é a fórmula do social-liberalismo, com variantes. O Uruguai tem o Mujica, um cara simpático. Cada país tem uma forma diferente, mas o funcionamento fundamental é esse. Depois, temos os outros modelos, chamados bolivarianos. Venezuela, Bolívia e Equador tentaram romper com o neoliberalismo. Houve enfrentamento duro com a oligarquia, que tentou armar golpe militar, mas não conseguiu, nos três países. E houve enfrentamento com o imperialismo norte-americano.

Configura-se nesses países, portanto, outro tipo de política. Houve mobilização social, medidas relativamente avançadas etc. Mas nada rompeu com o capitalismo. Não dá pra falar em socialismo. Mas pelo menos tais governos colocam como horizonte histórico de sua atividade o socialismo do século 21. É importante. Mesmo que esteja muito longe, o fato de se ter tal objetivo é um fato político importante na formação dos militantes, na maneira de orientar sua estratégia.

No Brasil e nos outros países, isso não está colocado, de jeito nenhum. Os governos do Lula e da Dilma jamais disseram que vivemos uma etapa em direção ao socialismo. Isso eles diziam nos anos 90. Desde 2002, o assunto saiu da pauta. O mesmo critério vale para os partidos, os movimentos, os sindicatos... Existe toda uma diversidade.

Esse é o panorama da esquerda que enxergo nessa parte do mundo.

Correio da Cidadania: Pensando agora no Brasil, como você, que fica muito tempo fora do país, o enxerga? E como viu a vitória de Dilma neste pleito, com a margem de votos mais estreita dos últimos tempos, e o que espera desse quarto mandato petista no Planalto, ao olhar para a nova configuração do Congresso e para a atual conjuntura econômica nacional e internacional?

Michel Löwy: Eu não escondo as minhas opiniões. No primeiro turno, apoiei a campanha da Luciana Genro, penso que ela fez uma ótima campanha e teve um resultado importante. Apoiei-a também por achar que a Dilma não iria promover as mudanças necessárias no Brasil.

No segundo turno, resolvi apoiar a Dilma, criticamente. Porque achava que a Dilma tinha feito demasiadas concessões ao capital, aos bancos e ao agronegócio, mas o Aécio não ia fazer concessões, porque ele é representante direto do capital, dos bancos e do agronegócio. É diferente.

Mas não tenho grandes expectativas. Eu me lembro que, antes das eleições, discuti com amigos próximos do PT que diziam: “você vai ver, a Dilma fez uma campanha de esquerda, ela vai ter que tomar medidas radicais”. Eu não acredito. E as primeiras medidas do governo pós-eleições provam essa descrença: são dirigidas ao mercado, especialmente ao mercado financeiro. Ficou muito claro.

Houve, ao mesmo tempo, uma ofensiva conservadora da direita tradicional, bastante radicalizada, em torno do Aécio, e uma extrema-direita de corte fascista, ou fascistizante, que se manifestou no novo Congresso eleito, com figuras como Jair Bolsonaro e outros partidários da ditadura militar. Bastante preocupante. Além de outras figurinhas que foram eleitas, gerando um deslocamento brasileiro.

Ainda assim, eu insisto que, no Brasil, e na América Latina em geral, o panorama é bem mais alentador do que na Europa.

Na França, temos uma situação de crise. O governo social-liberal é um fracasso total. Não tomou praticamente nenhuma medida de esquerda, salvo aquela a favor do casamento gay. E o problema é que a raiva das pessoas é capitalizada pela extrema-direita, fascista, homofóbica, xenofóbica etc. Isso é muito preocupante. No Brasil, existe essa postura, mas é limitado. Aqui, nas manifestações de extrema-direita, vão 2.500 pessoas na Avenida Paulista. Na França, contra o casamento gay, saíram um milhão de pessoas. Tem diferença.

Correio da Cidadania: Dentro de tal contexto, o que é a esquerda na Europa hoje? Partidos como o Podemos espanhol e o Syriza na Grécia podem ser tidos como tais?

Michel Löwy: Obviamente, não há nada a esperar da socialdemocracia europeia. O social-liberalismo latino-americano é bem mais avançado socialmente do que o seu equivalente europeu, que é completamente alinhado com as receitas neoliberais. Vemos na França: a única coisa que se sabe fazer é desviar dinheiro dos impostos, fazer com que os ricos paguem menos impostos e o povo pague a conta. Toda a política funciona em torno disso, de modo que desse mato não sai mais cachorro.

O que existe, então, é a esquerda radical, anti-neoliberal, que na maioria dos países da Europa tem dificuldade de se posicionar como alternativa e capitalizar o descontentamento. A extrema-direita está com um grande avanço na maior parte dos países da Europa. Uma das exceções mais interessantes é a Grécia, onde a extrema-direita é forte, mas não passa de 10%, e a esquerda radical, organizada na coalizão do Syriza, anda por volta de 30%. É uma esperança.

Não sou muito otimista a médio prazo, porque, mesmo que o Syriza ganhe as eleições, dificilmente terá a maioria no parlamento da Grécia. Porque precisaria de aliados e não tem. O Partido Comunista na Grécia, infelizmente, é ultra-stalinista, ultra -sectário, pensa que o Syriza é o inimigo principal. Já vimos uma cisão de direita no Syriza, chamada Esquerda Democrática, que vem do Partido Social Democrático. Mas está muito enfraquecida, pelo jeito nem vai entrar no congresso. Enfim, o Syriza não tem aliados e não sei como poderá ter a maioria no parlamento. Vai ser complicado.

E tem essa novidade espetacular que é o Podemos, muito interessante, a expressão política do movimento dos Indignados, que não encontrava o canal político para se exprimir porque a esquerda tradicional, a Esquerda Unida, o Partido Comunista Espanhol, não se deram conta da importância desse movimento, ficaram de fora. E eles conseguiram criar o Podemos, que tem uma ascensão espetacular. Tem seus problemas, mas é um fenômeno bem promissor.

Correio da Cidadania: Seria o Podemos uma promessa  de casamento, pontes, entre esses grandes movimentos, como Occupy, Indignados, e aquilo que se chama de esquerda na Europa?

Michel Löwy: Não sei se dá pra dizer que isso vai se generalizar. Por enquanto, temos essas duas experiências, que são muito boas. O Syriza é uma coalizão mais tradicional de forças de esquerda, de matriz comunista, no sentido amplo. O Podemos já é outra coisa. É um “objeto político não identificado”. É anti-neoliberal, crítico, mas é difícil dizer. Possui correntes de esquerda, organizadas, mas o Podemos, enquanto tal, não tem uma identidade política muito definida. De toda forma, é contestador do sistema, das políticas de governo. Isso é fundamental.

No entanto, não sei se algo do gênero vai acontecer em outros países da Europa. Na Itália, quem capitalizou o descontentamento foi o Beppe Grillo, humorista que é uma espécie de Tiririca italiano, com um movimento confuso, às vezes você pensa que é de direita, às vezes você pensa que é de esquerda. É difícil classificar. A esquerda propriamente ficou completamente marginalizada. Na França, também como já disse, o panorama não é positivo para a esquerda...

O cenário modifica muito de país para país.

Não sei o que vai acontecer. Por enquanto, a extrema-direita é que vai de vento em popa.

Correio da Cidadania: Você diria, portanto, que a Europa tem apresentado um dos piores cenários globais das lutas sociais e sua possibilidade de inserção popular, ainda que vejamos alguns impulsos aqui e acolá?

Michel Löwy: Sem dúvida. Pelo menos existem lutas em dois países, onde há um clima comparável ao da América Latina. Hoje em dia, os europeus olham muito para a América Latina. Mesmo a França olha muito para a América Latina, procurando se inspirar. A América Latina está bem mais avançada.

Correio da Cidadania: No Brasil, como imagina que ficarão as pautas associadas aos movimentos populares e progressistas nesse próximo período?

Michel Löwy: Os movimentos sociais no Brasil não são homogêneos. Alguns estão muito atrelados ao PT e, portanto, ao governo. É o caso da CUT. Ela não mobiliza uma luta que enfrente o governo. De tempos em tempos, mobiliza-se para causas democráticas, como reforma política, aumento do salário mínimo... Enfim, a CUT pode ser parceira só de algumas mobilizações.
O MST é muito mais autônomo. Embora também tenha vínculos com o PT e dependa em parte do governo e seu subsídio, tem mais autonomia, é mais propositivo, mais crítico. As grandes mobilizações anteriores a 2013, geralmente, eram puxadas pelo MST. Há também movimentos mais antigos, que continuam existindo nas comunidades de base, e todas as pastorais da igreja, pastoral da terra, pastoral da juventude etc. Há todo um setor importante da igreja que funciona como movimento social. Além dos movimentos de professores, estudantes, advogados...

E há outros movimentos de “tipo novo” surgindo, muito mais autônomos em relação ao PT, com uma dinâmica libertária.

O MPL é um movimento muito interessante, pequeno, mas com impacto social grande. Eles conseguiram simplesmente por fogo no estopim de junho de 2013. Foram eles que fizeram isso. Com a grande inteligência de associar uma reivindicação ao mesmo tempo utópica e realista: a tarifa zero. Que seria factível, se houvesse um governo com um pouco de coragem. Não precisa de revolução para termos tarifa zero. Mas ela implica comprar uma briga com a máfia do transporte, entre outras iniciativas que nenhum governo ou prefeitura ousam levar adiante.

A tarifa zero é, portanto, uma proposta popular, importante, factível, e o MPL foi quem a apresentou. Além disso, é uma proposta ao mesmo tempo social e ecológica. Porque, se existe o passe livre, a circulação de automóvel diminui, e a emissão de gases diminui automaticamente.

Eles tiveram essa reivindicação utópica, é claro, junto com uma reivindicação imediata, concreta. Essa foi a inteligência deles. Juntar os dois elementos foi formidável. Realmente é um movimento exemplar. Quando voltei à Europa, no ano passado, tentei convencer os meus amigos da esquerda europeia a se inspirarem no MPL (risos).

Correio da Cidadania: É difícil prognosticar, mas você acredita que se desenha um tempo propício para novas rebeliões populares, no Brasil e no mundo, a exemplo das que vimos mais recentemente?

Michel Löwy: Os sociólogos e os historiadores já têm muita dificuldade para entender o passado. O presente ainda mais. Assim, prever o futuro... O bom do futuro é justamente que as coisas são inesperadas. Todas as grandes revoluções são inesperadas. A revolução russa, ninguém esperava. E a cubana, menos ainda. Felizmente, os acontecimentos, as explosões, as revoltas, as revoluções sempre ocorrem onde não se espera, no momento que menos se espera e da forma que menos se espera. Essa que é a beleza. Se tudo fosse já previsto, o mundo seria muito chato.

Correio da Cidadania: Você destacou que o MPL teve a lucidez que acendeu o pavio das lutas sociais a partir de causas muito presentes e pertinentes da nossa vida cotidiana. É possível vislumbrar que as bandeiras ambientais, especificamente do chamado ecossocialismo, possam causar impacto semelhante?

Michel Löwy: Penso que a causa ambiental é altamente explosiva. Na medida em que se entendem as suas proporções, a relação com o funcionamento do sistema capitalista e a total incapacidade de governos burgueses, de várias cores, em tomar qualquer medida, há que se chegar a uma consciência anticapitalista. É a nossa aposta. Mas temos de partir de lutas concretas, dos “vinte centavos”. Das lutas indígenas contra uma multinacional de petróleo, daquelas moças que arrancaram os plantios transgênicos...
Por exemplo, agora, tem a questão da água, fundamental. Essa crise da água possui uma relação direta, todo cientista está dizendo, com o desmatamento da Amazônia. Só que os políticos e a mídia preferem não falar, porque se coloca um problema e tanto. Eles falam que vão abrir uma represa aqui, desviar o rio por lá e tal. Tapar o buraco. Mas não sabemos de onde vem o buraco.

O importante pra nós, ecossocialistas, é fazer o trabalho de conscientizar as pessoas, ajudando-as a entender que há uma relação direta entre destruição da Mata Atlântica, o desmatamento da Amazônia e a crise da água. E vai se agravar: se deixarmos a situação prosseguir como está, veremos a desertificação. Vamos pouco a pouco perdendo as fontes de água potável. Isso vai acontecer no Brasil, nos países da América Latina, na Europa, no mundo inteiro.

Porém, é uma corrida contra o tempo. Será que vamos conseguir mobilizar as pessoas para enfrentarem o sistema antes que o processo se torne irreversível? Não sei. Simplesmente temos que agir com o otimismo da vontade.

Correio da Cidadania: Quanto a um outro de seus livros, ‘O capitalismo como religião’,  gostaria de fazer algum comentário?

Michel Löwy: Na realidade, trata-se de uma reedição, mais ampliada, com novos ensaios, novos documentos. Não é uma tentativa de formular um sistema doutrinário fechado, mas ensaios sobre alguns aspectos do ecossocialismo, tentando explicar o que é, por que o ecossocialismo procura se articular ao marxismo, à crítica marxista e à economia política, de modo a fazer a crítica ecológica do desastre ambiental, do produtivismo. Trata-se de juntar as duas coisas e, em particular, contar a história de como foi se desenvolvendo a ideia ecossocialista, como foi se organizando. Hoje em dia, ela tem uma certa difusão na Europa e na América Latina. É algo novo.
No Brasil, concretamente, o ecossocialismo tem um grande precursor, que é o Chico Mendes, um ecossocialista e ecologista que juntava os dois contextos de maneira muito radical, muito consequente. É uma belíssima figura que pode nos inspirar para as lutas aqui no Brasil.

O ecossocialismo é uma proposta positiva, que implica em uma crítica das formas produtivistas. É uma proposta do século 21, que visa superar tanto o socialismo do século 20 como a socialdemocracia, o stalinismo, além de também trazer uma crítica à ecologia defendida pelo Partido Verde, por partidos sociais-liberais, enfim, aquela ecologia adaptável ao mercado.

É uma proposta radical, que propõe, no fundo, uma mudança de paradigma da civilização bastante ampla, profunda e radical. Mudar as relações de produção, os sistemas de transporte.  O que estamos questionando são os padrões e paradigmas da civilização capitalista, industrial, ocidental.

Eu sempre cito uma frase do Walter Benjamin, um dos meus pensadores favoritos: “o que é a revolução? Marx dizia que as revoluções são as locomotivas da história, mas talvez seja um pouco diferente. Talvez as revoluções sejam a humanidade puxando os freios de urgência para parar o trem”.

Eu penso exatamente assim. Nós estamos todos num trem suicida, o trem da civilização capitalista, que está caminhado com rapidez crescente para o abismo, no caso, da catástrofe ecológica e da mudança climática. Portanto, a revolução é parar esse trem antes que seja tarde demais.

Correio da Cidadania: Finalmente, como entra a teologia da libertação, outro foco de seus estudos, em tudo o que foi discutido aqui? E o que pensa do papa Francisco?

Michel Löwy: Eu vou voltar um instante ao meu livro, A Jaula de Aço, que tem um capítulo chamado “A ética católica e o espírito do capitalismo”. Nele, procuro mostrar que Weber nunca escreveu um livro sobre o catolicismo, nem mesmo um artigo, mas ele tem algumas indicações pra explicar por que a ética católica não se dá bem com o capitalismo. Ele diz que a ética católica não consegue se entrosar, e resiste, ao caráter impessoal do capitalismo. Sempre aparece, volta e meia, uma atitude de hostilidade ou de antipatia da ética católica para com o capitalismo. É claro que tal hostilidade, durante muito tempo, veio pela direita.

A história da América Latina, nos últimos 40, 50 anos, tem muito a ver com a chamada teologia da libertação, que, a meu ver, é cristianismo da libertação. Tivemos a revolução sandinista, o movimento operário-camponês brasileiro, o levante de Chiapas, todos com elementos muito fortes desse cristianismo da libertação. E apareceram figuras impressionantes, bispos como Oscar Romero, Samuel Ruiz, também leigos, como o Plinio Arruda Sampaio, socialista cristão e figura extraordinária.

A teologia da libertação é, assim, uma dimensão fundamental da história das lutas e revoluções contemporâneas. Claro que, nos últimos 20 anos, houve uma dura campanha do Vaticano pra marginalizar e desmantelar tal movimento. O que foi obra de João Paulo II e Bento XVI. Não conseguiram fazê-la ruir inteiramente, mas reduziram seu espaço.

Quando o Francisco foi eleito, não esperava grande coisa. Considerando seu passado na Argentina, não tinha muita expectativa. Mas me enganei. Ele surpreendeu com uma série de iniciativas corajosas. Dentre outras, ele escreveu um texto muito crítico do capitalismo e convidou Gustavo Gutierrez, além de movimentos sociais, para irem ao Vaticano. Se puder continuar por mais anos, e não morrer misteriosamente, como João Paulo I, vai criar uma conjuntura nova, mais favorável ao cristianismo da libertação.

Obviamente, há uma resistência muito grande no Vaticano, de setores conservadores, que tentam barrar suas propostas. Como me narrou um amigo, a Opus Dei tem uma oração muito simbólica: “pai nosso que estais no céu, ilumine-o. Ou elimine-o”.




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