quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Segundo turno: questões em disputa


Por Wladimir Pomar

Seria uma maravilha que as questões em debate no segundo turno das eleições fossem a socialização dos meios de produção e os rumos para a construção de uma sociedade não capitalista. Os resultados eleitorais, porém, mostraram que o povo brasileiro ainda não as tem como sua principal preocupação. Nosso povo, em sua maioria, ainda acredita que pode melhorar a saúde, a educação, a mobilidade urbana, a moradia, o saneamento, o emprego, os salários e outras condições de vida, e combater a corrupção, com maior intervenção do governo, sem modificar em profundidade o sistema de propriedade privada e o Estado.

Duas a três dezenas de milhões de brasileiros se abstiveram de votar. Não em protesto, mas por despolitização. Acreditaram, como prega a classe dominante através do Partido da Mídia, que política é coisa de corruptos. A esquerda da esquerda, por seu turno, apesar do desempenho combativo e menos estreito de Luciana Genro, não chegou a 3% dos votos válidos.

Marina apresentou-se como terceira via, mas foi atacada de uma doença infantil de direitismo capitalista. Tornou-se mais radical em seu negativismo e neoliberalismo do que o neoliberal Aécio. Da mesma forma que subiu como um foguete, na comoção da morte prematura de Eduardo Campo, desceu com a mesma velocidade ao embaralhar-se em suas contradições e ambiguidades. E perdeu qualquer credibilidade. Unicamente ela foi responsável por sua desconstrução prematura.

Nessas condições, defrontam-se novamente dois caminhos capitalistas. De um lado, um desenvolvimento capitalista com redistribuição de renda, redução da miséria e da pobreza, democratização e nacionalização do capital, reforço do papel do Estado na economia, integração sul-americana e multipolaridade internacional. De outro, um capitalismo que pretende aprofundar a dependência aos centros imperiais em crise, através de uma imaginária “inserção nas cadeias globais em valor”, retomar a fracassada tentativa de conter a inflação através de juros altos, arrocho salarial e freio no crescimento, e liquidar com qualquer tipo de políticas sociais efetivas.

Objetiva e taticamente, não há como a esquerda, toda ela, escapar dessa disputa. A não ser, é lógico, que pretenda mergulhar no “quanto pior, melhor”, um velho e recorrente erro histórico. Por outro lado, se Dilma e o PT pretendem incorporar toda a esquerda e conquistar setores sociais descontentes, ou influenciados pela constante manchete midiática de que a economia brasileira está à beira do abismo, terão que tratar politicamente as questões econômicas como centrais neste segundo turno.

Alguns economistas, quando ouvem a proposta de tratar as questões econômicas como politicamente centrais, entendem isso como a discussão de taxas da inflação, superávit fiscal, inserção ou não da economia nas cadeias globais de valor, critérios para a concessão de crédito, e outras tecnicalidades macroeconômicas. Acostumados a discutir entre si em “economês”, acreditam que a maior parte do povo não liga para os fatos econômicos que interferem em sua vida.

No entanto, inflação, juros, impostos, aumento ou diminuição da produção, melhoria ou redução do comércio, aumento ou redução dos empregos e dos salários, tudo isso é o âmago da preocupação de vida da maior parte da população. E foi essa preocupação, incrementada pela distorção da direita quanto ao estado da economia e do crescimento, que levou ao segundo turno a presente eleição presidencial. Mesmo porque todo mundo sabe que políticas sociais só podem ser efetivadas se a economia permitir.

Nessas condições, para a maior parte da população e também para a esquerda, Dilma e o PT precisam responder a essas questões com linguagem acessível e compreensível. Quando o povão sente a inflação, ele a sente nos preços dos alimentos e dos produtos nas prateleiras dos armazéns e supermercados.

A direita afirma que a inflação sobe por causa dos gastos exorbitantes do governo, em todos os terrenos, assim como dos altos salários. Portanto, ela defende o combate à inflação através da elevação dos juros, redução das despesas e investimentos do governo, aperto dos salários, e redução dos trabalhadores empregados, mesmo que às vezes procure negar que pretenda isso.

Dilma e o PT, por seu lado, têm reiterado que juros altos, redução das despesas e investimentos, arrocho salarial e desemprego podem baixar a inflação; também vão diminuir o crescimento econômico, aumentar o desemprego, e gerar mais pobreza e miséria. O que é verdade. No entanto, não têm explicitado com a clareza devida a alternativa mais adequada de combate à inflação. Isto é, o aumento da produção de alimentos e de outros produtos do dia a dia do povo. Nem têm dito que, para isso, o governo vai aumentar o crédito e baixar os impostos para os agricultores familiares e para as pequenas e médias empresas industriais que respondem pela oferta daqueles produtos.

Além da inflação, o crédito é outro item importante das famílias que pretendem melhorar suas condições de vida. E o crédito está fundamentalmente relacionado aos juros. Portanto, reduzir os juros não é apenas uma questão de macroeconomia. É um problema do dia a dia do povo. Incide diretamente sobre o crédito comercial e sobre os preços. Então, se podemos combater a inflação com o aumento da oferta de bens, os juros altos praticados no Brasil são não só uma aberração  macroeconômica. São, principalmente, uma penalização que os assalariados e pequenos e médios empresários sentem na carne.

Dilma e o PT precisam dizer claramente que os juros altos só beneficiam aos banqueiros, financeiras e especuladores. E fazer um chamamento para que o povo se junte na batalha que leve o Banco Central a participar das políticas de aumento da produção, subordinando-se às políticas para baixar juros e preços, e pressionando os bancos privados a adotar os mesmos procedimentos. Dilma e o PT precisam reiterar ainda mais que não admitirão um Banco Central independente da política de desenvolvimento, porque isso significará um Banco Central subordinado ao sistema financeiro, à agiotagem e à especulação.

Algo idêntico precisa ser dito quanto aos impostos, que também incidem sobre os preços. Quem mais paga impostos no Brasil são os assalariados e os setores médios. Dilma precisa dizer claramente que uma reforma tributária que faça com que quem ganhe mais pague mais só será possível com forte mobilização popular. E que, enquanto isso não acontece, o governo gastará com subsídios e desonerações aos pequenos e médios produtores de alimentos e bens de uso cotidiano do povo.

Além disso, para continuar criando mais empregos e elevando os salários, Dilma precisa deixar claro que vai se empenhar na construção e funcionamento de mais indústrias, mais ferrovias, mais veículos leves sobre trilhos, de superfície e subterrâneos, nas cidades. Terá que construir e botar para funcionar mais postos de saúde, mais ambulatórios, mais hospitais. Terá que formar e qualificar mais médicos, mais agentes de saúde, mais enfermeiros, mais professores, e reduzir drasticamente a privatização e desnacionalização de todos esses setores que foram sucateados durante os anos de governo tucano.

O mesmo será necessário para o saneamento, a moradia, o meio ambiente. Todas essas áreas dependem da economia. Se o povo não tiver certeza de que a economia funcionará no bom sentido, prevalecendo o discurso da direita de que a economia brasileira foi para o buraco, pouco adiantará se comprometer em garantir os direitos trabalhistas, os empregos e os salários. Portanto, o tratamento político das questões econômicas tende a constituir o centro do debate no segundo turno. E Dilma e o PT, se quiserem conquistar a esquerda e o centro políticos, terão que falar em português corrente, não em “economês”.

Dilma também precisará explicar que o bolsa família não está criando vagabundos. Está tirando milhões de brasileiros da miséria abjeta e criando uma mão de obra qualificada para ocupar novos empregos. Isso, assim como a melhoria do poder de compra dos mais pobres, é uma condição positiva para o funcionamento das fábricas e para aumento do comércio e dos negócios das chamadas classes médias. E, para a esquerda, a criação de uma base social proletária que tem feito falta nas lutas sociais.

Finalmente, e não menos importante, Dilma e o PT terão que enfrentar aberta e francamente a questão da corrupção. Não basta dizer que, em toda a história da polícia federal, pela primeira vez, ela está voltada para a repressão à corrupção e ao crime organizado, e não para a repressão política. Nem que o governo jamais tentou impedir ou esconder tais investigações, e que vai continuar investigando, “doa a quem doer”. Ou que os governos da direita, ao contrário, empurraram para baixo do tapete todos os casos conhecidos de corrupção, e impediram a investigação de inúmeros que nem chegaram a ser conhecidos.

O que Dilma e o PT precisam dizer é que não mais vacilarão em tomar medidas fortes contra dirigentes petistas ou aliados que estiveram envolvidos em casos de caixa dois, tráfico de influência, ou outros delitos de corrupção. Serão afastados até que os indícios ou acusações sejam comprovados ou não. Se tal comprovação for positiva, a exclusão precisa ser definitiva, ficando por conta da Justiça outros tipos de penalização constantes na lei. Se não for, a reparação também será pública, e os acusadores devem pagar as penas da lei pela calúnia. Esta é a única maneira de superar a imagem, instilada pelo Partido da Mídia, de que a esquerda, em especial o PT, seria corrupta e estaria destruindo o Brasil.

Portanto, o que não falta são questões em disputa, apesar de ainda se encontrarem no âmbito das contradições capitalistas. Se a esquerda socialista vai saber participar delas e avançar no acúmulo de forças é algo a ser verificado nos resultados do dia 26 de outubro.




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