terça-feira, 7 de outubro de 2014

Contradições e vacilações da burguesia industrial

Por Wladimir Pomar


Em recente entrevista a O Globo (26/09/2014), Benjamin Steinbruch, atual presidente da FIESP, afirma que “estamos prestes a ver demissões em massa e mais paradas na produção, que já começaram. Não só na indústria, mas em todos os setores”.

Ele acusa os juros altos de haverem “asfixiado a economia”. Reitera que “houve um desmonte do mercado interno, que sustentou o país nos últimos 12 anos”. Culpa o “intervencionismo do governo na economia” de haver causado “um mal estar geral” e criado “uma crise de confiança do capital privado com a falta de previsibilidade”. E sustenta que o “desemprego é um risco maior ainda” do que a inflação.

Apesar desse quadro tétrico, que chamou de “crise brava”, ele acredita que em 2015 haverá uma “oportunidade de ajustar o país para voltar à normalidade”. Como? Criando “uma condição compatível com a que existe no mundo”. “O câmbio... tem que flutuar... um dólar a R$ 2,50 ou R$ 2,52 para que haja uma perspectiva de exportação e, ao mesmo tempo, se dificulte um pouco a importação”. Além disso, o modelo de crescimento da economia via consumo não teria se esgotado se houvesse “uma gestão forte e o governo tivesse gastado menos”.

Portanto, “se as reformas forem feitas”. O governo não tem que ser “gestor”, porque a “indústria, o sistema financeiro e o setor de serviços são maduros o suficiente para tocar as coisas”. Mesmo assim, “será preciso pelo menos dois anos para resgatar a confiança dos empresários e os investimentos voltarem”.

Em outras palavras, Steinbruch sintetizou todas as contradições e vacilações da burguesia industrial, especialmente da paulista, que é a maior do país. Por um lado, apesar de os indicadores apontarem certa recuperação industrial neste segundo semestre, em plena reta final da campanha eleitoral ele ameaça o governo com uma “crise brava” de “interrupções na produção” e “desemprego elevado”. Por outro, ele reconhece que os “juros altos” asfixiaram a economia e concorda com o governo de que o risco do desemprego deve ser combatido ainda com mais força do que o risco da inflação.

Por um lado, culpa o intervencionismo do governo na economia pela “crise de confiança do capital privado” e pela contração dos investimentos. Por outro, reconhece que o “mercado interno” criado pelo modelo de crescimento da economia “via consumo” foi quem “sustentou o país nos últimos 12 anos”. Ou seja, por um lado reconhece que a intervenção do governo com a política de elevação do salário mínimo e com os programas sociais permitiu o crescimento da economia. Por outro, acha que houve gastos demasiados e faltou uma “gestão forte”.

Além disso, por um lado, defende o rebaixamento dos juros e a flutuação do dólar no sentido de desvalorização do real. O que, na verdade, só pode ser feito se o governo impuser ao Banco Central uma política monetária voltada fundamentalmente para o desenvolvimento da economia, com a inflação sendo combatida através do aumento da oferta de bens, e com o câmbio sendo administrado. Se o câmbio for deixado ao sabor da flutuação, ele será determinado pelo Federal Reserve dos Estados Unidos, como em parte vem ocorrendo.

Contraditoriamente, ele reitera que o governo deixe de ser “gestor” e entregue as coisas a quem sabe fazer: a indústria, o sistema financeiro e o setor de serviços. Ou seja, na prática Steinbruch quer que se entregue a gestão do país ao “sistema financeiro”. Isto é, à fração da burguesia que tem a hegemonia, eleva os juros, só quer lucrar através do cassino e da especulação financeira, e dificulta os investimentos na produção industrial e agrícola.

Para solucionar os problemas da burguesia industrial – investimentos, juros, câmbio, mercado de trabalho, mercado de consumo, competitividade –, ao contrário do que ela pensa, será necessário aumentar a presença e a intervenção do Estado na economia. Primeiro, através de uma política de investimentos. Esta deve superar o sucateamento e o atraso da infraestrutura, um dos principais componentes do chamado “custo Brasil”.

Mas não se pode esperar que tal superação ocorra para só depois agilizar a recuperação da indústria de bens não duráveis, ou de consumo corrente. A pequena oferta desses bens, assim como de alimentos, se tornou o principal fator de pressão inflacionária, tendo em vista o aumento do poder aquisitivo dos milhões de brasileiros beneficiados pelo modelo de crescimento econômico via consumo. Este modelo se esgotou porque a oferta ficou muito aquém da elevação da demanda. E a gestão do governo não foi suficientemente forte para direcionar investimentos para esses setores industriais e para a agricultura familiar.

Elevar os investimentos significa aumentar a participação pública e privada na produção. A participação privada só aumenta se sua taxa de retorno no processo produtivo for mais elevada do que a taxa de juros. No Brasil isto é duplamente complicado, seja porque o sistema financeiro só funciona com altas taxas de juros, seja porque o sistema industrial monopolizado já funciona com altos preços para se equalizar ou superar as taxas de juros do sistema financeiro. Nessas condições, sai mais barato importar bens de consumo corrente do que produzi-los no Brasil.

Assim, para elevar a produção interna de bens industriais de consumo corrente, o Estado terá que rebaixar os juros a uma situação compatível com a que existe em boa parte do mundo e administrar o câmbio para tornar competitivos os produtos manufaturados. Além disso, e tão importante quanto, o próprio Estado terá que investir em indústrias que funcionem como locomotivas de cadeias produtivas. Ou seja, terá que elevar substancialmente suas taxas de investimento, tanto em infraestrutura, quanto na indústria.

É essa combinação de políticas monetárias, cambiais e de investimentos que pode induzir os investimentos privados e gerar condições de mercado mais favoráveis. Supor que a burguesia industrial brasileira vai se mexer por conta própria porque ela sabe o que deve fazer é o mesmo que acreditar em contos de carochinha. Ela reclama dos juros, mas grande parte de seus lucros são provenientes de aplicações financeiras. Ela reclama do câmbio valorizado, mas não se acanha em substituir os produtos que fabrica por importados mais baratos, que vende com superlucros no Brasil.

Então, a única forma de fazê-la produzir é empurrá-la, através de uma “gestão forte” de investimentos e empresas estatais atuando no mercado. Foi assim na maior parte do século 20. E, tudo indica, será assim durante boa parte do século 21. Pelo menos até que a burguesia esgote seu papel histórico e possamos transformar a propriedade privada em propriedade social. O que vai depender do tipo de Estado que tivermos na ocasião.




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