Por: Wadih
Damous
Presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB
Não há como dizer que os manifestantes,
ainda que pratiquem atos de depredação, integrem uma organização criminosa
Para enfrentar as manifestações populares, em curso
desde junho, o Estado tem se valido de um arsenal repressivo que não se limita
às ações de rua. Nelas, a polícia tem atuado como sempre: prisões arbitrárias
de manifestantes e não manifestantes, e violência desmedida. Mas não é só força
bruta. A pretexto de combater o “vandalismo” e a “baderna”, têm sido adotadas
medidas que incluem edição de leis, interpretação das leis e práticas da
polícia judiciária próprias de um cenário de emergência, ou mesmo de uma guerra
civil.
No Rio de Janeiro, criou-se, por decreto, a
Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações
Públicas, à margem da estrutura administrativa ordinária do estado. E, no dia 9
de setembro, foi aprovada pela Alerj uma lei que impede o uso de máscaras em
manifestações.
Sob a orientação da direção da Polícia Civil, os
detidos são indiciados de acordo com critérios absolutamente arbitrários, de
modo a sofrerem penas mais severas e não lhes ser permitido o pagamento de
fiança. Aí, vale tudo: desde a acusação de corrupção de menores até de
integrarem uma organização criminosa. Isso, sem falar na condução dos presos
para as mais diversas delegacias de polícia, distantes da circunscrição onde
ocorreu o fato; nas “oitivas informais” dos detidos, sem a presença de seus
advogados etc.
Mas é sobre o crime de integrar uma organização
criminosa e sua alegada ocorrência nas manifestações que vou me deter, pela
gravidade dessa decisão e as consequências funestas à democracia, caso vingue o
entendimento da polícia.
Esse crime foi tipificado pela Lei 12.850/2013. Ela
busca punir de forma mais severa os que integram organizações criminosas
complexas, para distingui-los do criminoso comum, que se associa a outros para
a prática de crimes de média gravidade. Estamos falando de organizações
terroristas, milicianas, mafiosas.
A pena pela prática do crime de organização
criminosa é mais severa: de três a oito anos. Já o crime antes chamado de
formação de quadrilha enseja penas de um a três anos.
A tipificação também é distinta. Para caracterizar
o crime de organização criminosa, a lei exige requisitos específicos: é
necessário que a organização seja estratificada e hierarquizada; que haja
divisão de tarefas; e que a organização seja voltada para a prática de crimes
graves, aqueles punidos com pena máxima superior a quatro anos (§ 1º, do art.
1º, da Lei 12.850).
Ora, não há como dizer que os manifestantes, ainda
que pratiquem atos de depredação, integrem uma organização criminosa desse tipo.
O indiciamento pela prática desse crime deveria observar aqueles requisitos, o
que simplesmente não ocorre.
Não vivemos qualquer situação de emergência que
justifique um estado de exceção. Abusos e ilícitos devem ser punidos nos termos
do Código Penal.
A Constituição de 88 acaba de completar 25 anos. O
melhor modo de comemorar o seu aniversário é cumpri-la.
Diretoria do
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