Em 22 de outubro de 2013, o Brasil amanheceu
debatendo se o leilão do campo de Libra, realizado no dia anterior no Rio de
Janeiro, foi vantajoso ou não ao país. Com apenas um consórcio participante e
vencido pelo lance mínimo, o leilão levará dinheiro novo para educação e saúde,
mas em volume muito menor do que deveria e do que é necessário.
Diante da impressionante riqueza em jogo, veículos
internacionais deram destaque ao tema. De Nova York, o "Wall Street
Journal" considerou que o Brasil deu um passo significativo "rumo ao
patamar das grandes nações produtoras de petróleo" (Brazil Moves to Join
Other Major Oil Nations), tal como desejava o Governo Federal, liderado por
Dilma Rousseff. Já a revista alemã, Der Spiegel, defendeu em artigo on-line que
o país vendeu um tesouro, cuja exploração compreende altos custos ambientais,
"a preço de pechincha" (Brasiliens Rohstoff-Versteigerung:
Schnäppchen für die Öl-Ausbeuter), fazendo coro a todos os manifestantes que
queriam cancelar o leilão.
Paradoxalmente, escritas desse modo, as duas visões
tendem a estar corretas. Apenas o fato de explorar Libra, e sua reserva de 8 a
10 bilhões de barris de petróleo, alçará o Brasil a uma posição econômica e
geopolítica ímpar. Ao mesmo tempo, o maior e mais promissor campo da camada
pré-sal foi leiloado a um preço muito aquém do aceitável. Resultado, o Brasil
pode se consolidar como "a" potência do hemisfério do sul, mas sua
população será menos beneficiada do que deveria. Aliás, situação nada estranha
à nossa história.
Isso ocorre porque as duas áreas essencialmente
beneficiadas com a exploração do pré-sal são, respectivamente, a educação
pública e a saúde, extremamente decisivas para a garantia de qualidade de vida
da população. Como é de conhecimento geral, segundo a recente Lei 12.858/2013,
conquistada pela sociedade civil, a saúde ficará com 25% dos royalties, sendo
que a educação receberá 75% dos royalties e 50% dos valores depositados no
Fundo Social do Pré-Sal, composto, em grande medida, pela partilha do excedente
em óleo. Portanto, quanto menor for a parcela do excedente em óleo que fica com
o Estado brasileiro, menor será o valor investido em políticas públicas
educacionais e de saúde.
Entenda o excedente
Com apenas um concorrente, o campo de Libra foi
leiloado pelo valor mínimo previsto no edital: a princípio, 41,65% do excedente
em óleo ficarão com o Estado nacional e 58,85% com o consórcio vencedor. Desse
consórcio, cabe à Petrobras 40% negócio, sendo que as estatais chinesas dividem
20% da iniciativa e as europeias Shell e Total possuem os 40% restantes,
ficando cada uma com 20% da empreitada.
Mesmo com alto custo exploratório, exigindo o
desenvolvimento de novas tecnologias, o campo de Libra é um reservatório quase
sem risco de retorno, graças às exaustivas pesquisas realizadas pela Petrobras.
Assim, a parcela de 41,65% do excedente em óleo para o Estado brasileiro é
muito baixa, ainda mais se considerada a prática dos leilões ao redor do mundo,
na qual os governos ficam com cerca de 60% a 80% da partilha, em modelos de
contratos similares. No entanto, piora o quadro uma alteração recente no
edital, que fez com que a parcela do excedente em óleo se tornasse flutuante.
Segundo o consultor legislativo da Câmara dos
Deputados para Assuntos de Petróleo e Gás, Paulo César Ribeiro Lima, um dos
maiores especialistas em energia do Brasil, a participação da União, ou do
Estado brasileiro, será muito menor que o anunciado, caso o valor do barril de
petróleo despenque no mercado internacional e a produtividade da produção de
Libra também seja reduzida. Para ele, esse cenário não é tão improvável, devido
ao fato de que a produção mundial de petróleo pode ser afetada pelo aumento da
produção estadunidense de Shale oil, categoria de óleo extraído do xisto
betuminoso.
Pelas regras do edital, a remuneração de 41,65% é
calculada numa perspectiva de produção de 12 mil barris por dia, cada um no
valor entre USD 100 (dólares) e USD 120 (dólares). Se a produção e o preço do
barril subir, a parcela do Estado brasileiro do excedente em óleo sobe para
45,56%, contra 54,44% para as empresas. Mas se ambos caírem, pode chegar a
alarmantes 9,93%.
Conforme Lima, as regras estabelecidas para o
leilão de Libra são diferentes daquelas do regime de partilha de outros países.
Utilizando o exemplo da Noruega, caso um reservatório como Libra fosse
descoberto lá, o Estado norueguês ficaria com mais de 60% da produção, e não as
empresas.
A partir de 2018 ou 2019, quando Libra começar a
ser um campo efetivamente produtivo, não há dúvida de que o Brasil passará a
ser um país melhor posicionado nas relações internacionais. Contudo, ao leiloar
seu maior tesouro petrolífero em contrato muito desvantajoso, a população brasileira
mais uma vez ficará alijada de se beneficiar das riquezas que lhe pertencem.
Ainda não é possível estimar, com precisão, o
quanto a educação e a saúde deixaram de ganhar com o leilão de Libra. Sabe-se
apenas que o volume fica na casa das centenas de bilhões. Libra se foi, o
Governo Federal pretende licitar outros campos, menos promissores, em 2015.
Como tem defendido o coordenador-geral da cutista FUP (Federação Única dos
Petroleiros), João Antônio de Moraes, o desafio mais estratégico agora é fazer
com que o povo brasileiro entenda de política energética, especialmente
petróleo e gás, "para não vir a ser lesado". Em outras palavras, para
defender seu direito à educação o povo brasileiro precisará de maior
engajamento e... educação.
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