O convite feito na última quarta-feira (16) pela
presidenta Dilma Rousseff ao professor Salman Khan para desenvolver pesquisas
educacionais e materiais pedagógicos específicos a serem usados no processo do
Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – além da declaração do
ministro da Educação, Aloizio Mercadante, de que o MEC pretende difundir cada
vez mais as videoaulas elaboradas pela Khan Academy para auxiliar os alunos e
professores no ensino médio – acende o alerta sobre a existência de um
descompasso entre o que o Governo brasileiro encara como “novidade” para
auxiliar no processo pedagógico e a relação professor-aluno e os programas que
há anos já vêm sendo desenvolvidos pelos educadores e cientistas brasileiros.
Apesar de ter fechado acordo global com a Fundação
Lemann, Khan descartou o convite da presidenta Dilma, afirmando que deve
desenvolver material para ensino básico a médio prazo, tendo tablets como
plataforma principal, mas ponderando que isso não pode ser feito para “amanhã”.
De qualquer maneira, a tentativa de parceria não deixa de suscitar uma reflexão
sobre o que se quer do ensino brasileiro. As videoaulas preparadas pela Khan
Academy não resolvem os problemas que enfrentam nossos professores e alunos em
nossas escolas públicas, sobretudo porque são mais adaptados, na realidade, à
formação autodidata e ao reforço escolar. Além disso, apesar da ilusão de
novidade e de milagre tecnológico que parece ter impressionado o Governo, o MEC
não precisa divulgar a plataforma Khan uma vez que ela já é acessível a quem
quiser usá-la.
Para aprofundar a discussão desse tema, a Contee
procurou a professora Helena de Freitas, doutora em Educação pela Unicamp e
integrante da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação
(Anfope). “A socialização de experiências entre os países é sempre
interessante, quando são respeitados os profissionais responsáveis pelos
processos pedagógicos nas escolas de educação básica”, pondera Helena.
“À primeira vista, nos parece que o ministério, mas
sobretudo a presidenta Dilma, ao firmar o convite ao Sr. Khan para ‘desenvolver
pesquisas educacionais e materiais pedagógicos específicos para serem usados no
processo do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa’, demonstra certa
falta de sintonia não apenas com os programas atuais que há anos vêm envolvendo
nossas escolas, mas sobretudo certo desconhecimento da rica produção de nossos
educadores e cientistas em todas as áreas curriculares, tanto no âmbito da alfabetização
das crianças das séries iniciais quanto no do apoio aos professores do ensino
médio.”
A professora fala com conhecimento de causa, visto
que atuou como coordenadora-geral de Programas de Apoio à Formação e
Capacitação Docente da Educação Básica da Capes, entre fevereiro de 2008 e
janeiro de 2009, e também na Coordenação-Geral de Formação de Professores da
Secretaria de Educação Básica do MEC, entre fevereiro de 2009 e agosto de 2011,
responsável pelos Programas de Formação Continuada de Professores da Educação
Básica e pelo Programa Profuncionário.
Salman Khan esteve no Palácio do Planalto ontem
(16) com a presidenta e o ministro da Educação. Mais cedo, ele participou de
seminário sobre educação digital no MEC. Segundo Mercadante, Dilma mostrou
interesse na plataforma desenvolvida pela Khan Academy – organização sem fins
lucrativos com mais de 3,8 mil videoaulas gratuitas postadas na internet – por
acreditar que o processo de educação no país precisa dar um salto de qualidade
e que, para isso, é necessário explorar novas tecnologias.
“A tecnologia não pode ser recusada por nós,
educadores, mas, sem um projeto educativo com uma concepção de formação humana
que a sustente, é inócua”, aponta Helena. “Ainda mais quando os conteúdos e as
metodologias são produzidos em países que não apenas possuem outra cultura, mas
principalmente que não resolveram internamente esses mesmos problemas.”
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