A escola – aqui incluída a universidade – é um
espaço privilegiado na construção da ética, da cidadania e do respeito às
diferenças. No entanto, foi com estarrecimento que a Contee acompanhou nos
últimos dias o caso das pichações homofóbicas na porta do Centro Acadêmico
(C.A.) de Direito da UnB, que levaram à abertura de sindicância na instituição
e à divulgação, nas redes sociais, de uma nota de repúdio do C.A. ao ato não só
de vandalismo, mas de violência moral que caracteriza o machismo e a homofobia.
“Muito se lutou nessa Faculdade para que a bandeira
LGBT fosse levantada, para que um beijaço pudesse ocorrer de forma minimamente
razoável em nossos Batizados, para que o racismo fosse visto e tratado como
problema sério, para que o feminismo fosse discutido, para que a pauta de
gênero fosse colocada na nossa agenda e para que o machismo fosse combatido.
Muito se lutou para que as opressões saíssem da invibilização e entrassem no
nosso contexto argumentativo. Muito se lutou para que nós pudéssemos ser o que
realmente somos! Muito se lutou para se tentar fazer o mínimo, que é o
tratamento igual entre todas/os nós, independentemente da sua cor, origem,
classe, orientação sexual, sexo ou gênero! Muito se lutou para que nós
pudéssemos ter voz! E não vai ser agora que vamos nos calar ou recuar”,
enfatiza a nota divulgada pelo C.A.
Infelizmente, manifestações de preconceito e
desrespeito não estão restritas a pichações ofensivas e pejorativas rabiscadas
na porta de um centro acadêmico de uma universidade brasileira, mas enraizadas
na própria sociedade. Tão estarrecedor quando a violência praticada em Brasília
são os números frios de pesquisas que, em pleno século XXI, demonstram o quão
profunda ainda é a homo/lesbo/transfobia presente na sociedade brasileira – e, por
consequência, nas escolas.
O estudo “Juventudes e Sexualidade”, realizado em
2000 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco) e publicado em 2004, constatou que 39,6% dos estudantes masculinos não
gostariam de ter um colega de classe homossexual, 35,2% dos pais não gostariam
que seus filhos tivessem um colega de classe homossexual, e 60% dos professores
e professoras afirmaram não ter conhecimento o suficiente para lidar com a
questão da homossexualidade na sala de aula. E, tristemente, não se trata de
uma discriminação praticada apenas por estudantes. Em outra pesquisa da Unesco
divulgada também em 2004, na qual foi traçado “O perfil dos professores
brasileiros”, até mesmo 21,2% dos docentes afirmaram que não gostariam de ter
homossexuais como vizinhos.
Há dados mais recentes. O estudo “Revelando tramas,
descobrindo segredos: violência e convivência nas escolas”, publicado em 2009
pela Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana, baseada em uma amostra de
10 mil estudantes e 1.500 professores(as) do Distrito Federal, apontou que
63,1% dos entrevistados alegaram já ter visto presenciado atos de preconceito
contra pessoas que são (ou são tidas como) homossexuais. Além disso, mais da
metade dos(as) professores(as) afirmam já ter presenciado cenas
discriminatórias contra homossexuais nas escolas. Entre os estudantes, 44,4%
dos garotos e 15% das garotas afirmaram que não gostariam de ter um colega de
sala homossexual.
Duas outras pesquisas publicadas no mesmo ano chegaram
a resultados tão alarmantes quanto. O levantamento “Preconceito e Discriminação
no Ambiente Escolar”, feito pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas
(Fipe), baseou-se em uma amostra nacional de 18,5 mil alunos, pais e mães,
diretores, professores e funcionários, e revelou que 87,3% dos entrevistados
têm preconceito com relação à orientação sexual. A Fundação Perseu Abramo
também publicou em 2009 a pesquisa “Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil:
intolerância e respeito às diferenças sexuais”, cujos resultados apontaram que
92% da população reconheceram que existe preconceito contra LGBT e 28%
reconheceram e declararam o próprio preconceito contra pessoas LGBT. O índice
foi cinco vezes maior que o preconceito declarado contra negros e idosos,
também identificado pela Fundação.
O alento, no caso do estudo feito pela Perseu
Abramo, é o fato de que, quanto maior a escolaridade, menor o preconceito.
Entre os que nunca foram à escola, os homofóbicos atingem 52%. O índice cai
para 36% entre os que cursaram a primeira fase do ensino fundamental, 25% entre
os que completaram a oitava série (ou nono ano), 22% entre os que completaram o
ensino médio e 10% entre os que têm diploma de nível superior. Dentro desse
último percentual, apenas 1% se declara “fortemente homofóbico”.
Lamentavelmente, apesar de pequeno, é esse grupo que ainda pratica atos de
violência como o registrado na UnB.
Apesar disso, para o pesquisador Gustavo Venturi,
que coordenou o estudo da Fundação Perseu Abramo, esses últimos dados mostram
que, embora a escola, sozinha, não seja capaz de pôr fim ao preconceito, ela é
o ambiente mais promissor para combater a homofobia. Isso porque, além de ser
um espaço para convivência com as diferenças, a escola pode promover o debate
de forma educadora e transformar a percepção de preconceitos arraigados à
população.
Essa meta está expressa no documento final da Conae
2010, no qual, entre outras ações, ficou estabelecido o objetivo de “introduzir
e garantir a discussão de gênero e diversidade sexual na política de
valorização e formação inicial e continuada dos/das profissionais da educação
nas esferas federal, estadual, distrital e municipal, visando ao combate do
preconceito e da discriminação de pessoas lésbicas, gays, bissexuais,
travestis, transexuais, mulheres, ao estudo de gênero, diversidade sexual e
orientação sexual, no currículo do ensino superior, levando-se em conta o Plano
Nacional de Políticas Públicas para a Cidadania LGBT e o Programa Brasil sem
Homofobia”.
Essa é a educação que a Contee defende: pública,
gratuita, socialmente referenciada, laica, não racista, não sexista e não
homofóbica.
Da redação, com informações da Fundação Perseu
Abramo e da Comunicação em Sexualidade
Diretoria do Sepe Núcleo Rio das Ostras e Casimiro de Abreu
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