segunda-feira, 11 de maio de 2015

Francisco de Assis, em quem o ser humano teve jeito




Por Leonardo Boff

Considerando os cenários mundiais, a violência bélica em várias nações com terríveis matanças de vidas humanas, ou a violência de estudantes que, ensandecidos, invadem uma escola e abatem a tiros dezenas de colegas, sem falar das torturas e dos abusos que se fazem a inocentes, nos surge, espontânea, a pergunta: o ser humano tem jeito? Não somos uma excrecência do processo da evolução?

Custa-nos identificar figuras exemplares que nos desmintam desta tétrica impressão. Mas, graças a Deus, elas existem como um Dom Helder Câmara, uma Irmã Dulce, a Irmã Tereza de Calcutá, um Chico Mendes, um José Mujica, ex-presidente do Uruguai, um Gandhi, um Dalai Lama e um Papa Francisco, entre tantos.

Mas quero me deter numa figura seminal em quem a humanidade de modo convincente teve jeito: São Francisco de Assis. Um dos legados mais fecundos do "Sol de Assis”, como o chama Dante e atualizado por Francisco de Roma, é a pregação da paz, tão urgente nos dias atuais. A primeira saudação que dirigia aos que encontrava pelas estradas era desejar "Paz e Bem”, que corresponde ao Shalom bíblico. A paz que ansiava não se restringia às relações inter-pessoais e sociais. Buscava uma paz perene com todos os elementos da natureza, tratando-os com o terno nome de irmãos e irmãs.
Seu primeiro biógrafo Tomás de Celano testemunha maravilhosamente o sentimento fraterno que o invadia:

”Enchia-se de inefável gozo todas as vezes que olhava o sol, contemplava a lua e dirigia sua vista para as estrelas e o firmamento. Quando se encontrava com as flores, pregava-lhes como se fossem dotadas e inteligência e as convidava a louvar a Deus. Fazia-o com terníssima e comovedora candura: exortava à gratidão os trigais e os vinhedos, as correntes dos rios, a beleza das hortas, a terra, o fogo, o ar e o vento”.

Esta atitude de reverência e de enternecimento levava-o a recolher as minhocas dos caminhos para não serem pisadas. No inverno dava mel às abelhas para que não morressem de escassez e de frio. Pedia aos irmãos que não cortassem as árvores pela raiz, na esperança de que pudessem se regenerar. Até as ervas daninhas deveriam ter seu lugar reservado nos hortos, para que pudessem sobreviver, pois "elas também anunciam o formossísmo Pai de todos os seres”.

Só pode viver esta intimidade com todas as coisas quem escutou sua ressonância simbólica dentro da alma, unindo a ecologia ambiental com a ecologia profunda; jamais se colocou acima das coisas mas ao pé delas, verdadeiramente como quem convive como irmão e irmã, descobrindo os laços de parentesco que une a todos.

O universo franciscano e ecológico nunca é inerte. Todas as coisas são animadas e personalizadas; por intuição descobriu o que sabemos atualmente por via científica (Crick e Dawson, os que decifraram o DNA) que todos os viventes somos parentes, primos, irmãos e irmãs, pois possuímos o mesmo código genético de base.

Desta atitude nasceu uma imperturbável paz, sem medos e sem ameaças. São Francisco realizou plenamente a esplêndida definição que a Carta da Terra encontrou para a paz:

”É aquela plenitude criada por relações corretas consigo mesmo, com as outras pessoas, outras culturas, outras vidas, com a Terra e com o Todo maior do qual somos parte” (n.16 f).
O Papa Francisco parece ter realizado as condições para a paz, fundada na compaixão pelos que sofrem, pela denúncia corajosa ao sistema que produz miséria e fome e pela permanente busca da justiça social que deixa para trás a filantropia para dar lugar às mudanças estruturais.

A suprema expressão da paz, feita de convivência fraterna e acolhida calorosa de todas as pessoas e coisas, é simbolizada pelo conhecido relato da perfeita alegria. Através de um artifício da imaginação, Francisco apresenta todo tipo de injúrias e violências contra dois confrades (um deles é ele próprio, Francisco). Embora tenham sido reconhecidos como confrades, são vilipendiados moralmente e rejeitados como gente de má fama.

No relato da perfeita alegria, que encontra paralelos na tradição budista, Francisco vai, passo a passo, desmontando os mecanismos que geram a cultura da violência.

A verdadeira alegria não está na autoestima, nem na necessidade de reconhecimento, nem em fazer milagres e falar em línguas. Em seu lugar, coloca os fundamentos da cultura da paz: o amor, a capacidade de suportar as contradições, o perdão e a reconciliação para além de qualquer cobrança, retribuição ou exigência prévia. Vivida esta atitude, irrompe a paz, a paz do coração, inalterável, capaz de conviver jovialmente com as mais duras oposições, paz como fruto de um completo despojamento. Não são essas as primícias de um Reino de justiça, de paz e de amor que tanto desejamos?

Esta visão da paz de São Francisco representa um outro modo de estar-no-mundo junto com as coisas, uma alternativa ao modo de ser da modernidade e da pós-modernidade, assentado sobre o estar-sobre as coisas, dominando-as e usando-as de forma desrespeitosa para o enriquecimento e para o desfrute sem qualquer sentido de sobriedade.

A descoberta da irmandade cósmica nos infundirá um espírito de respeito e nos devolverá a claridade e a inocência infantil da idade adulta, importantes para sairmos bem da crise.


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