sexta-feira, 10 de abril de 2015

Jornalismo tendencioso ameaça sobrevivência do sistema Globo


Por J. Carlos de Assis



A Globo caminha para a quebra. Se isso acontecer será culpa quase exclusiva de seu Departamento de Jornalismo. É que, se alguém quiser se aproveitar da situação para comprar a Globo, encontrará a seu favor o mais arrogante, mais pretensioso, mais insolente grupo de “formadores de opinião” como nunca se viu antes na história deste país, e com poderes ilimitados. Isso porque os donos são ausentes ou incompetentes, e nada trava a libertinagem televisiva e jornalística que se enfia goela baixo do cidadão daqui e do exterior, todos os dias, num exercício jamais observado de manipulação política pela via da emoção.


Há dois patamares no caminho da Globo para o fracasso. O primeiro é o Jornal Nacional, ligeiramente mais discreto na sua cruzada diária pela desinformação. Conduzido por William Bonner, que lembra um propagandista de sabonete, traz sempre uma mistura bem preparada de fatos e emoção direcionada para a busca de telespectadores a qualquer custo, mesmo quando esse custo significa subverter a verdade. A distorção a favor dos ricos é limitada apenas pelo medo de perder audiência no horário nobre, na medida em que grande parte dela é de famílias pobres beneficiárias dos programas sociais do PT.


É no Jornal da Globo, contudo, que os noticiaristas e comentaristas da Globo saem do armário. Aí a manipulação da opinião pública passa a ser um jogo aberto. Começa com a figura burlesca de William Wack anunciando todas as pragas do Egito sobre o Brasil. Ele tem, como o JN, prazer em noticiar tragédias, coisas que comovem. Mas, com muitos graus de emoção sobre o Jornal Nacional, despeja na audiência, formada sobretudo por gente de classe média que não tem compromisso com horário no dia seguinte, o que essa audiência enviesada quer ouvir na sua sanha lacerdista de apelos hipócritas contra a corrupção.


Mas William Wack é um casca grossa: manipula o noticiário de acordo com suas preferências pessoais, acrescentando ao sabor da notícia deformada esgares de palhaço de circo. Cabe a Sardenberg um papel aparentemente mais sutil, como me observou Jânio de Freitas, o maior jornalista político do Brasil em atividade, já que ele é mais venenoso por divulgar os conceitos da economia política favoráveis aos ricos dentro de uma carcaça insidiosa de neutralidade técnica, como todo bom charlatão. Ele agrada aos poderosos e, ao mesmo tempo, engana os pouco pobres que resistem a assistir a tevê até de madrugada.


O Jornal da Globo tem, portanto, uma interação intelectual e moral afetiva com ricos e poderosos. Sua eficácia, conforme Marx, está no fato de que a ideologia da sociedade é a ideologia da classe dominante. Quando a classe dominante dispõe inteiramente da mídia, sem concorrência - porque, no campo da ideologia, a quase totalidade dos maiores jornais, revistas e tevês está do lado e de mãos dada com uma direita sórdida e indiferente aos destinos da sociedade -, o campo político fica inteiramente aberto, inclusive para golpes brancos.


Poderia continuar enchendo laudas e laudas de adjetivos conta a dupla do Jornal da Globo e contra outra dupla igualmente perniciosa para a democracia, os comentaristas do jornal Globo Míriam Leitão e Merval Pereira. Este não merece muita tinta, porque é apenas ignorante – na acepção semântica da palavra. Míriam, porém, como Sardenberg, é astuta. Passa a ideia de que sabe economia, quando o que realmente sabe é identificar economistas de direita, como ela, e dar-lhes espaço franco em sua coluna diária e sórdida na Globo News.


O noticiário econômico brasileiro, de jornal e de tevê, está dominado por entrevistas e artigos de economistas de banco. Galbraith, com sua fina ironia, dizia que não se sentia à vontade para acreditar em opiniões econômicas de quem tem interesse próprio em jogo. A rede Globo e os jornalões, assim como as revistas semanais (exceto Carta Capital), apoia seu noticiário econômico em economistas de banco com o maior descaramento. Assim, são os economistas de banco que estão fazendo a cabeça de milhões de brasileiros sobre economia. Não admira que todos aplaudam entusiasticamente cada alta de juros.


Trabalhei anos na editoria econômica do Jornal do Brasil, de que fui subeditor, e jamais entrevistei um economista de banco. Trabalhei anos como repórter econômico da Folha de S. Paulo e jamais entrevistei, para publicação, um único economista de banco. Agora são esses economistas que dominam o noticiário econômico com seus próprios interesses. Acaso é esse tipo de liberdade de expressão e de opinião publicada que interessa ao Brasil? Ou é o momento em que se deve pensar em dividir o monopólio do Globo e fomentar um novo jornal no Rio para o Brasil?


P.S. Não é do meu estilo fazer ataques pessoais. Entretanto, o Sistema Globo foi dividido em três capitanias, uma para cada herdeiro, e as capitanias em sesmarias, cada uma sob o comando de um jornalista, no caso do Departamento de Jornalismo. Assim, não adianta falar, quando se trata de formação de ideologia, de um sistema global. É preciso identificar pessoalmente os donos das sesmarias jornalísticas, como procurei fazer. Não fosse tão grande o Sistema Globo, amainaria minhas críticas. Como é grande demais, e eu muito pequeno, ele pode perfeitamente suportar o choque! A propósito: por que raios as moças do tempo quase nunca dizem se as chuvas vão cair nos lugares certos para o abastecimento da população e das represas de hidrelétricas?

J. Carlos de Assis é jornalista e economista, doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 20 livros sobre a Economia Política brasileira, dos quais o último é “A Razão de Deus”.




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