Editorial do Correio da Cidadania de
31/03/2014
O golpe
ditatorial de 64 foi sinistro e de longo período. O transcurso de seus
cinquenta anos exige acerto de contas com o passado, em nome da verdade, da
justiça e da memória dos que foram brutalmente assassinados, perseguidos,
exilados, torturados.
Em nome
dos que tiveram os direitos políticos, civis, sindicais e sociais espezinhados.
Em nome também das multidões de anônimos trabalhadores que sofreram o
desemprego, o confisco, o arrocho salarial e os ritmos alucinantes do trabalho.
Tudo em
prol dos proprietários da riqueza e do poder do país que, através dos altos
oficiais militares, impuseram a dependência crescente ao grande capital mundial
e jogaram o país em um endividamento externo que deu início à sequência das
décadas perdidas, a partir dos anos 80 do século passado.
Os 50 anos
do golpe militar produziram inúmeros e ótimos livros, resenhas, documentários e
filmes. Um necessário reencontro com um passado que não pode ser esquecido,
para que não seja mais repetido.
Mas é
preciso ir além. Pois são evidentes as mazelas e heranças da ditadura militar
até os dias de hoje.
Nesse
início de 2014, segue e radicaliza-se a repressão policial dos segmentos
trabalhadores, da população pobre, do movimento social. O monumental aparato
repressivo que se constrói para garantir a Copa, seus negócios, e reprimir as
manifestações, com as leis de exceção e criminalização aprovadas em diversos
níveis legislativos, acendem uma luz amarela.
Nos fatos,
quando se registram os 50 anos do golpe, monta-se esse aparato repressivo por
governo que, no passado, se disse dos trabalhadores. Forças policiais e
militares ocupam, como a um território inimigo, regiões urbanas das nossas
principais capitais, deixando atrás de si rastro de sangue de populares e
trabalhadores, executados por policiais ensandecidos pela retórica de “guerra
civil” e a impunidade de que gozam.
Que
estranho país é o Brasil, que lembra os 50 anos do golpe com repúdio e
tristeza, mas tem governos que armam suas polícias militares até os dentes para
reprimir lutas, reivindicações e protestos sociais da grande população nacional
oprimida e desassistida. Para a imposição da nova ordem
democrático-autoritária, incute-se o medo à população, servindo-se da retórica
da luta contra o terrorismo. Há terroristas contra civis entre nós, com
terríveis armas químicas? Há homens e mulheres-bombas desesperados assaltando
os palácios governamentais, as casas legislativas, os quartéis de polícia?
Quando
vemos na televisão um vídeo mostrando uma pessoa sendo arrastada pelas ruas por
um camburão da PM, após ter sido morta por esses mesmos policiais, uma luz
vermelha deve ser acesa. Cinquenta anos depois do golpe e isto ainda ocorre, em
especial nas periferias, favelas e comunidades das grandes cidades, onde a
polícia tem licença para matar.
Cinquenta
anos após seu aparente fim, a ordem militar burguesa segue, ademais,
amordaçando e manietando a população, com o literal monopólio da grande mídia,
que se impôs desde seus primeiros momentos. Situação que todos os governos
pós-1985, sem exceção, sancionaram e fortaleceram. Seguem a censura e a
insidiosa desinformação da população.
Parece
evidente que a transição do regime ditatorial para a ordem institucional não se
completou. Os esqueletos e as heranças do regime militar estão muito ativos na
nossa sociedade. Conquistamos o direito de voto, de organização, manifestação,
expressão, isto é certo. Mas é profundo o DNA violento e repressor do Estado
brasileiro.
As
necessidades e direitos inarredáveis da população foram transformados em um
enorme negócio, com exclusivos objetivos de lucro, e serviços crescentemente
inacessíveis e desqualificados. Direitos sociais e sindicais expropriados pela
ordem militar, por exigência do capital, jamais foram devolvidos. Mesmo sob um
governo que se imaginava progressista, monta-se um autêntico Estado de Exceção
penal.
Para
sermos coerentes com a história e a memória da luta contra a ditadura militar
burguesa, é imperioso que bandeiras democráticas, políticas e sociais tenham
relevância na pauta de todos os movimentos populares.
Que não
fiquem impunes os torturadores e mandantes dos crimes da ditadura, ainda vivos.
Que se arranquem todas as homenagens públicas que ainda se mantêm àqueles
criminais – nomes de ruas, avenidas, colégios etc.
Que se
desarme o aparato militar, policial e jurídico herdado e radicalizado dos anos
ditatoriais, pondo fim à repressão e criminalização diária das lutas sociais.
Que se
liquide com o monopólio do capital sobre os grandes meios de informação
construídos e impulsionados pela ordem militar
Que se
impulsionem a segurança, a saúde, a educação públicas de qualidade.
A
sociedade brasileira precisa por fim às heranças malditas do golpe de 64, que
ainda corroem subterraneamente nossa sociedade. Este é o verdadeiro sentido de
lembrarmos desta data.
Fonte:
Diretoria do
Sepe Núcleo Rio das Ostras e Casimiro de Abreu
Sepe - Núcleo Rio das Ostras e Casimiro de Abreu
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