Por Wladimir Pomar
Foi no
contexto da cruzada anticomunista dos anos 1950, que procurava jugular as lutas
de classe em ascensão, que o Congresso aprovou uma Lei de Segurança Nacional,
em 1953. Punia com prisão de 15 a 30 anos quem quer que se denominasse
comunista. Apesar disso, a greve dos 300 mil operários, em São Paulo, a colocou
em xeque e obrigou o governo e os empresários a fazerem concessões. Para o
general Canrobert Pereira da Costa, porém, seguindo a cartilha fascista que
orientava a cúpula militar desde os anos 1930, tal greve foi uma subversão e um
ato de pré-guerra. O país se encontraria, portanto, diante de uma guerra
subversiva.
Com base
nessa suposição, os setores empresariais e militares da direita não
arrefeceram. Articularam um manifesto de coronéis contra o aumento do salário
mínimo. Multiplicaram as denúncias contra Vargas, pregando um golpe para
derrubá-lo.
Toda e
qualquer luta social era tomada como maquinação comunista: a crise econômica
brasileira; a derrota do colonialismo francês no Vietnã; o início da guerra de
independência na Argélia; e os fortes debates sobre um caminho de
desenvolvimento autônomo para o Brasil. A resposta, para toda a América Latina,
deveria ser a mesma: regimes ditatoriais alinhados com os Estados Unidos.
No
entanto, apesar da ofensiva da direita, que levou Vargas ao suicídio,
proporcionou a posse de Café Filho na presidência e tentou impedir as eleições
de 1955 através de um golpe militar, havia setores da burguesia e das Forças
Armadas dispostas a manter o arremedo de democracia liberal existente.
Juscelino Kubitschek foi eleito por uma aliança que tinha à frente o PSD,
partido de parcelas significativas do latifúndio e da burguesia, e incluía o
PTB, que tinha hegemonia sobre o sindicalismo, e o PCB, que ainda mantinha sua
hegemonia sobre a esquerda.
A grande
burguesia beneficiou-se consideravelmente com o Plano de Metas de JK, que
permitiu uma enxurrada de investimentos estrangeiros indiscriminados. Mas
achava inaceitável que os trabalhadores reivindicassem melhores salários e
promovessem greves. Os latifundiários, por seu lado, se opunham a que os
posseiros pudessem se bater pelo direito de obter títulos de propriedade da
terra, e que seus agregados quisessem pagar rendas menores, ou quisessem
repartir as terras improdutivas. Essas contradições se agravaram à medida que
os investimentos promoveram crescimento econômico e emprego, sem ter como
contrapeso uma força de trabalho excedente que pressionasse o rebaixamento dos
salários no mercado de trabalho.
A maior
parte da força de trabalho estava amarrada aos latifúndios, através da servidão
por dívidas ou por outros meios extralegais. Nessas condições, os trabalhadores
assalariados continuavam mobilizando grandes contingentes para movimentos
grevistas por aumentos salariais e outras reivindicações. Em 1957, a greve dos
400 mil, em São Paulo, foi acompanhada de greves em outros pontos do país, e
colocou a burguesia em pânico. Pouco lhe importava que o PCB houvesse adotado a
chamada ideologia do desenvolvimento, formulada pelo Instituto Superior
de Estudos Brasileiros (ISEB), como sua linha mestra. E que esse partido
considerasse a fração nacional da burguesia como dirigente do processo de
desenvolvimento capitalista no Brasil.
Para a
grande burguesia e seus representantes políticos e militares, incrustados tanto
na Escola Superior de Guerra quanto em instituições privadas, isso não passava
de táticas de despiste. Afinal, as greves e as manifestações de trabalhadores,
camponeses e estudantes continuavam intensas, parecendo seguir o mesmo caminho
dos conflitos que ocorriam na descolonização da Ásia e da África. Para acentuar
tal percepção, em 1958, haviam surgido as Ligas Camponesas, e a Juventude
Universitária Católica (JUC) fizera uma inflexão para a esquerda.
As tensões
sociais e políticas decorrentes dessa situação, assim como a elevação da
inflação a 39%, impeliram JK a romper com o FMI e a ampliar suas negociações
com o movimento social, o PTB e o PCB. Em resposta, a direita militar promoveu,
em 1959, o levante de Jacareacanga, assim como o primeiro sequestro de um
avião. Foi o então coronel aviador Penido Burnier quem praticou esse ato
terrorista e tomou o aeródromo de Aragarças. Mas não sustentou sua façanha por
mais de três dias.
Nas
eleições de 1960, a direita legal, através da UDN, conseguiu uma importante
vitória eleitoral com a eleição de Jânio Quadros para presidente, e Carlos
Lacerda para governador do Rio de Janeiro. Tal vitória foi empanada, porém,
pela eleição de João Goulart para vice-presidente. Uma análise, mesmo
superficial desse resultado, mostrava que Jânio fora eleito menos por ser
candidato da UDN e mais por suas promessas demagógicas, que apresentavam um
forte viés de esquerda.
Viés que
causou comoção em seus ministros militares quando o presidente recepcionou Che
Guevara e o condecorou. Para piorar, Jânio apoiou o sequestro de um navio por
dissidentes da ditadura salazarista, enviou Jango para estabelecer relações
diplomáticas com a China e ensaiou medidas de independência frente aos Estados
Unidos. Mesmo que tudo isso fizesse parte de uma ação diversionista para
justificar um golpe palaciano e a instauração de uma ditadura personalista,
Jânio certamente nada combinou com seus sustentáculos da direita. Assim, quando
renunciou, em agosto de 1961, esperando ser reintegrado pelos ministros
militares, estes simplesmente garantiram seu embarque para a Europa e tentaram
se apossar do poder.
Os
acontecimentos seguintes demonstraram não só a profundidade e a ascensão das
lutas de classe no Brasil, mas também os dilemas com que elas se defrontavam. A
grande burguesia e a direita militar pretenderam impor ao país uma ditadura
militar, mas uma parte da burguesia, parcelas significativas da
pequena-burguesia, os trabalhadores assalariados urbanos, parcelas do
campesinato e setores importantes do aparato militar mobilizaram o país para
garantir a legalidade constitucional e a posse do vice-presidente.
A
possibilidade de guerra civil, antes evitada pelo suicídio de Vargas, voltou a
se fazer presente. Mas Jango e o PCB, assim como parcelas do PTB e de liberais
dos demais partidos, negociaram com os golpistas a fórmula parlamentarista para
garantir a posse. Além disso, aceitaram não impor qualquer tipo de punição aos
golpistas. Com isso, evitaram a guerra civil, mas permitiram que a direita se
reorganizasse, numa situação em que a luta de classes se intensificava e tendia
a uma solução de confronto, com predomínio da direita ou da esquerda.
Os
trabalhadores urbanos continuavam exigindo melhores salários e melhores
condições de trabalho e de vida. As Ligas Camponesas proclamavam que a reforma
agrária seria realizada “na lei ou na marra”. A pequena-burguesia e a burguesia
também queriam maiores oportunidades de desenvolvimento através da ação e do
apoio do Estado. Tudo isso demandava reformas, mesmo no âmbito do capitalismo,
que se chocavam contra o tradicional sistema oligárquico rural e urbano que
dominava o país.
A partir
de então, a direita fundou o Instituto de Estudos Econômicos e Sociais (IPES),
o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), o Comando de Caça aos
Comunistas (CCC), a Tradição, Família e Propriedade (TFP), e várias outras
organizações legais, semilegais e ilegais. Por um lado, algumas delas, em
conjunto com a Escola Superior de Guerra, procuravam fundamentar teoricamente
seu projeto de sociedade, tendo como parâmetros os valores familiares,
religiosos, patrióticos, ordeiros e disciplinares que supunham na raiz da
formação social, cultural e política do povo brasileiro. E todas serviam de
fachada para receber vultosas contribuições da plutocracia burguesa e da
Central Intelligence Agency norte-americana para propagar sua cruzada anticomunista
e antipopular.
Em 1962,
paralelamente à crise dos mísseis soviéticos instalados em Cuba, Kennedy
aumentou a intervenção militar no Vietnã e ordenou a seu embaixador e à CIA a
preparação do golpe militar no Brasil. Militares da direita atentaram contra o
Congresso da UNE, em Petrópolis. E a queda de um avião de passageiros no Peru
teria revelado documentos sobre a preparação de guerrilhas rurais pelas Ligas
Camponesas. Mas esse ainda era um bom momento econômico. Embora a inflação
tivesse subido para 53%, o crescimento do PIB fora superior a 8%. E, na
política, o PTB obteve uma vitória significativa nas eleições para o
parlamento, enquanto a campanha pela volta do presidencialismo ganhou o reforço
de uma greve de trabalhadores e obteve sucesso no plebiscito nacional.
Na maré
dessa vitória, Luís Carlos Prestes, o principal líder do PCB, condenou as
guerrilhas, durante viagem a Cuba, e assegurou, no início de 1964, que qualquer
golpe reacionário no Brasil seria cortado, se fosse tentado. Desdenhou que, em
1963, a inflação havia se elevado a 79% e o PIB crescera apenas 0,6. E que,
diante do agravamento das contradições sociais e políticas, da defesa aberta de
um golpe militar pela direita, e da ação sem subterfúgios da embaixada
norte-americana, o confronto seria inevitável. O que incluía a montagem de
provocações que dessem pretexto ao golpe.
Porém, a
esquerda hegemônica, e o dispositivo político e militar do governo, não
acreditavam nisso. Nem se prepararam para tanto. Assim, quando a revolta dos marinheiros
e a assembleia dos sargentos se evidenciaram como pretextos para a direita
militar colocar as tropas nas estradas e nas ruas, as palavras de Prestes
ressoaram como folhas ao vento. A quarta frota naval dos Estados Unidos pode
voltar do meio do caminho. O golpe militar não encontrou qualquer resistência e
contou até mesmo com o apoio de liberais que se denominavam democratas
Fonte:
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