quarta-feira, 1 de julho de 2015

Conversando com versos (150): "Da mais alta janela da minha casa", de Fernando Pessoa (1888-1935)



“Da mais alta janela da minha casa”
Fernando Pessoa 


DA MAIS ALTA janela da minha casa 
Com um lenço branco digo adeus 
Aos meus versos que partem para a humanidade.

E não estou alegre nem triste. 
Esse é o destino dos versos. 
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos 
Porque não posso fazer o contrário 
Como a flor não pode esconder a cor, 
Nem o rio esconder que corre, 
Nem a árvore esconder que dá fruto.

Ei-los que vão já longe como que na diligência 
E eu sem querer sinto pena 
Como uma dor no corpo.

Quem sabe quem os lerá? 
Quem sabe a que mãos irão?

Flor,colheu-me o meu destino para os olhos. 
Árvore, arrancaram-me os frutos para as bocas. 
Rio, o destino da minha água era não ficar em mim. 
Submeto-me e sinto-me quase alegre, 
Quase alegre como quem se cansa de estar triste.

Ide, ide de mim! 
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza. 
Murcha a flor e o seu pó dura sempre. 
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua.

Passo e fico, como o Universo.


Fonte: Pessoa, Fernando. Obra poética. 8ª ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,1983, p-161

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