terça-feira, 10 de março de 2015

Agentes externos, internos, mídia e setor financeiro querem abocanhar a Petrobras

Escrito por Valéria Nader e Gabriel Brito, da Redação

Sob ventos recessivos, o Brasil vive sob intensa carnificina capitalista, com grandes empresas nacionais e transnacionais disputando os principais financiamentos e direções dos projetos desenvolvimentistas. Tal como analisado por este Correio já há algum tempo, estamos diante de “disputas intercapitalistas” entre variados e pujantes setores, o que, obviamente, não poderia deixar o petróleo e a Petrobrás de fora. Essa é a discussão que se faz na entrevista com Felipe Coutinho, novo presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), para além do viciado noticiário policial em torno da empresa.

“A Petrobrás e o petróleo brasileiro da camada do pré-sal estão no centro desta disputa. Os oportunistas e históricos entreguistas não descansam. Ao mesmo tempo em que a companhia é lesada e vilipendiada por agentes externos e internos, é ainda atacada pela mídia empresarial na sua condição de operadora única do pré-sal. Fomentam a desinformação na busca pelo petróleo brasileiro, em favor das multinacionais que esgotaram suas reservas”.

Evidentemente, Coutinho defende a punição dos agentes corruptores e corrompidos que têm sido identificados pela Operação Lava Jato da Polícia Federal, responsáveis por imenso dano às contas da empresa. No entanto, quando falamos da maior petrolífera do mundo e maior responsável pela exploração das suculentas jazidas do pré-sal, é imperioso levar a discussão aos termos da soberania nacional, das possibilidades de avanço social com a renda auferida e da eterna cobiça do cartel petrolífero, “assessorado” pela mídia corporativa.

“A conjuntural redução do preço do petróleo no mercado internacional, o aumento da produção nacional rumo à reconquista da autossuficiência, uma política de preços que compense a companhia pelas perdas históricas e a revisão do plano estratégico podem facilmente recuperar a situação financeira da companhia. É preciso também registrar a importância de interromper os leilões, que apenas atenderiam ao interesse das multinacionais, dos países dependentes do petróleo e ao sistema financeiro”, ponderou.

Sobre o acidente no navio-plataforma em São Mateus (ES), Coutinho toca num ponto delicado, mas que reforça os interesses em jogo em torno da maior empresa brasileira. “A indústria do petróleo é cada vez mais complexa. O petróleo convencional, de fácil acesso e barato de se produzir, é cada vez mais escasso. Precisamos buscar o petróleo em regiões cada vez mais remotas, em instalações mais complexas, em condições mais intensivas em trabalho e em capital. As contradições entre a apropriação privada da riqueza gerada em relação à preservação da vida e da natureza se agravam”.

A entrevista completa com Felipe Coutinho pode ser lida a seguir.


Correio da Cidadania: A Operação Lava Jato traz a cada dia novas e estrondosas revelações sobre as criminosas relações entre empreiteiras privadas e gestores da Petrobras, agora com a revelação dos políticos envolvidos no esquema. Como tem visto o atual estágio desses acontecimentos?

Felipe Coutinho: Até aqui as principais revelações derivam do vazamento seletivo das delações premiadas. São denúncias de réus confessos que, por meio deste mecanismo legal, buscam a redução das penas. É necessário que as denúncias sejam rigorosamente apuradas, os culpados, tanto os corruptos quanto os corruptores e os operadores da fraude, sejam exemplarmente punidos, e que os recursos desviados sejam recuperados.

A Petrobras é a vítima, mas é evidente a vulnerabilidade institucional da companhia na sua relação com os fornecedores de bens e serviços. Os empresários se organizaram em cartel para obter contratos super-lucrativos e fraudar a Petrobrás que, por sua vez, não teve robustez institucional para resistir à atuação de altos executivos corrompidos.

Para viabilizar o interesse privado na Petrobrás, os empresários se utilizaram dos “serviços ilegais”, ou seja, do tráfico de influência dos políticos corruptos e da atuação de executivos de aluguel no alto da pirâmide do poder corporativo estatal. Para viabilizar a fraude, os corruptos e corruptores também se utilizaram dos serviços dos operadores, os doleiros, para transferência e lavagem dos recursos roubados.

As revelações se acumulam numa escalada de novos delatores, é necessária a precaução, para não assumir como verdade qualquer denúncia sem a devida apuração. A mistura de acusações verdadeiras e falsas pode atrapalhar a apuração das primeiras e propiciar condenações prematuras e irreparáveis.

O fato novo e positivo é a investigação dos corruptores. São os principais agentes ativos e beneficiários da fraude. O papel protagonista destes empresários se revela na comparação entre os valores fraudados, via contratos superfaturados, e os valores pagos a título de propina, que segundo os depoimentos variam de 3% a 5% do valor dos contratos.

Correio da Cidadania: Como você analisa o caso Petrobras à luz do contexto mais geral do capitalismo brasileiro, vez que a empresa está visivelmente no seio de uma disputa intercapitalista predatória e a resultante promiscuidade público-privada, hoje encabeçada pelas grandes e onipresentes empreiteiras?

Felipe Coutinho: São muitos os interesses privados que cercam a Petrobrás. A apropriação privada da renda petroleira pode ocorrer de diversas formas, umas legais e outras ilegais. Isso sempre foi assim, o que difere é a gestão política do Estado Nacional, que arbitra e tenta conciliar os diferentes interesses privados e o contraditório interesse público, de natureza social.

Entre os interesses privados posso citar:

Empreiteiros e fornecedores de bens e serviços em busca de contratos super-lucrativos;

Banqueiros e seguradores em busca de juros pelo pagamento de dívidas e contratos para obtenção de lucros;

Industriais consumidores de combustíveis ou de petroquímicos em busca de subsídios;

Comerciantes, distribuidores de combustíveis, também por subsídios;
Industriais produtores de etanol e de biodiesel em busca de subsídios e de vantagens indiretas na correlação entre os preços dos combustíveis líquidos e na questão logística;

Controladores e executivos de petroleiras de capital privado, nacional e internacional, ou de capital estatal estrangeiro, em busca de oportunidades de acesso ao petróleo brasileiro com baixo risco e acesso às tecnologias da Petrobras;

Empresários, prestadores de serviços de consultoria, em busca de contratos lucrativos e de informações que podem conferir lucro ou vantagem geopolítica aos governos e corporações para os quais, secretamente, trabalham;

Por fim, os empresários de comunicação, em busca de contratos lucrativos de publicidade com a Petrobras, ou satisfação de interesses inconfessos na sua relação com o capital internacional.

Os interesses na disputa intercapitalista são administrados dentro do Estado Nacional. Eventualmente, pode haver cisões, mas logo se busca construir um novo consenso, em novas bases, normalmente proporcional ao poder econômico que se reflete no poder político.

O interesse social, em busca do atendimento às necessidades da população e garantia de direitos, muitos dos quais constitucionais, mas sistematicamente descumpridos pelo Estado, está em contradição com aqueles de natureza privada, descritos anteriormente.

A conciliação de tantos e contraditórios interesses pode ser feita durante um tempo e em alguns países, mas nunca todo o tempo e em todos os lugares. O acirramento da disputa se agrava nos períodos de crise, nos quais o crescimento econômico não ocorre, quando existe excedente de produção, endividamento e empobrecimento dos assalariados. Existe também a dificuldade de administrar as expectativas de uma população que é levada pela propaganda a associar a felicidade ao consumo, em sociedades cada vez mais desiguais.

A Petrobras e o petróleo brasileiro da camada do pré-sal estão no centro desta disputa. Os oportunistas e históricos entreguistas não descansam. Ao mesmo tempo em que a companhia é lesada e vilipendiada por agentes externos e internos, é ainda atacada pela mídia empresarial na sua condição de operadora única do pré-sal. Fomentam a desinformação na busca pelo petróleo brasileiro, em favor das multinacionais que esgotaram suas reservas.

O sistema financeiro é ainda mais poderoso e pode se apropriar da renda petroleira, pelo perverso mecanismo da dívida pública, sob diferentes marcos legais da exploração petroleira. É urgente a realização da auditoria cidadã da dívida pública para evitar a evasão da renda petroleira para o rentismo parasitário.

Correio da Cidadania: Nesse sentido, como situa os governos petistas dos últimos anos nesse processo? O que dizer de sua condução da economia e posicionamentos políticos e, especialmente, da sua condução da Petrobras e da exploração das bacias do pré-sal?

Felipe Coutinho: Foram governos de conciliação. Ao mesmo tempo em que promoveram a valorização do salário mínimo e as políticas compensatórias do bolsa família, garantiram a prioridade do pagamento dos juros da dívida e os contratos derivados da “privataria tucana”.

Foi possível conciliar os interesses contraditórios enquanto as mercadorias primárias se valorizavam no mercado internacional e o endividamento das famílias promovia o mercado interno e a percepção de progresso entre os assalariados.

Em relação ao petróleo, houve avanços relevantes: aumento das reservas da Petrobrás; recomposição do corpo técnico da companhia; apoio aos investimentos que resultaram na descoberta do pré-sal; revisão da participação da Petrobrás na geração de energia termoelétrica; retomada dos investimentos em novas refinarias e entrada nas energias potencialmente renováveis; desenvolvimento da produção industrial de biodiesel; e a participação na produção do etanol.

O principal avanço diz respeito à alteração do regime da exploração do petróleo do pré-sal, a adoção do regime de partilha com garantia de participação mínima de 30% e operação única da Petrobras.

Apesar de avançar em relação ao regime de concessão, adotado no governo do PSDB e mantido para os campos do pós-sal nos governos do PT, o monopólio estatal não foi recuperado. O monopólio estatal, exercido pela Petrobrás, foi o responsável pelo nosso desenvolvimento tecnológico e industrial. É o melhor regime para atender ao interesse da maioria da população brasileira.

Correio da Cidadania: Como está de fato a situação financeira da empresa? E em que medida esta situação é resultado da prática tarifária predominante nos últimos anos?

Felipe Coutinho: A situação financeira merece cuidado e é consequência da política energética nacional e do plano estratégico e de negócios da Petrobrás ainda vigente. Ao mesmo tempo em que o governo utilizou a companhia para controlar a inflação, vendendo derivados mais baratos do que são importados, o plano de investimentos da companhia projetou acentuada aceleração da curva de produção do petróleo. Para atender a aceleração da produção foi necessário concentrar enormes investimentos em muito pouco tempo. Ao mesmo tempo em que o fluxo de caixa era prejudicado pela política de preços no mercado interno.

A conjuntural redução do preço do petróleo no mercado internacional, o aumento da produção nacional rumo à reconquista da autossuficiência, uma política de preços que compense a companhia pelas perdas históricas e a revisão do plano estratégico podem facilmente recuperar a situação financeira da companhia.

É preciso também registrar a importância de interromper os leilões promovidos pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). É importante desenvolver os campos já leiloados em prol do atendimento às nossas necessidades. Novos leilões apenas atenderiam ao interesse das multinacionais, dos países dependentes do petróleo importado e do sistema financeiro. O sistema financeiro ganharia pelo acesso a novas oportunidades de renda pelo endividamento da indústria e pela garantia do “superávit primário” oriundo da renda petroleira.

Correio da Cidadania: O que achou da troca da diretoria da empresa, após meses de turbulências?

Felipe Coutinho: A diretoria anterior, apesar de até aqui não ter sido envolvida diretamente por denúncias da Operação Lava Jato, estava em situação política delicada. O desastre relativo ao balanço do 3º trimestre de 2014 foi a gota d’água e tornou insustentável sua manutenção.

Correio da Cidadania: Em meio aos últimos episódios, especialistas e políticos associados a uma visão de mercado, e a mídia que os acompanha, têm feito observações críticas quanto a diversos aspectos ligados à administração da Petrobras: desde o modelo de partilha, que substituiu o modelo de concessões de FHC, passando pela definição da Petrobras como operadora única do pré-sal e pela sua política de conteúdo nacional. Há até mesmo aqueles que criticam o excesso de diversificação da estatal e advogam pela venda dos ativos que dão prejuízo. O que responderia a cada uma dessas críticas?

Felipe Coutinho: São oportunistas, aproveitam-se do sentimento de indignação resultado da natureza das revelações, mas também da forma como são divulgadas, para advogar por interesses privados, apresentando-os como de interesse geral. Fazem isso sempre que podem, são os ideólogos do capitalismo neoliberal que, apesar das evidências do desastre social de suas políticas, repetem diuturnamente os seus dogmas.

Devemos esclarecer a sociedade que não podemos confundir alhos com bugalhos. Devemos sanear a Petrobrás, defendê-la institucionalmente, recuperar os valores fraudados, punir exemplarmente corruptos, corruptores e operadores. Impor restrição à liberdade e expropriação dos empresários, políticos, executivos e doleiros condenados.

Cabe aqui lembrar o papel dos banqueiros na lavagem do dinheiro em nível internacional. Ao que parece, os corruptores foram alcançados, mas e quanto aos banqueiros e seus executivos, quando responderão pela lavanderia global do dinheiro sujo?

Além disso, o principal é garantir que todo o petróleo brasileiro seja utilizado para saldar a dívida social e construir a infraestrutura para produção sustentável das energias renováveis, que serão cada vez mais necessárias. Para isso, é imperativo não somente defender o regime de partilha, mas avançar na retomada do monopólio estatal, exercido pela Petrobrás e sob o controle social.

Correio da Cidadania: O que vislumbra pela frente? Diante da cobiça em torno à Petrobras levantada pela atual crise, acredita na hipótese de a maior empresa nacional ficar fora da exploração do pré-sal, tido como o maior tesouro econômico do país?

Felipe Coutinho: O momento é propício a mudanças, mas mesmo assim o mais provável é que continue tudo como está. Entre as mudanças possíveis, podemos avançar ou retroceder sob o ponto de vista do interesse popular.

Apesar da correlação de forças da política institucional ser desfavorável às causas populares, a política das ruas pode surpreender o poder constituído. Exemplo recente foram as chamadas jornadas de junho de 2013. Foram mobilizações pela conquista de direitos, pelo atendimento de necessidades sociais, primeiro pela mobilidade urbana, depois educação, saúde etc.

Primeiro o poder econômico e político, liderado pelo seu órgão de propaganda, a mídia corporativa, tentou rechaçar e condenar o movimento. Depois, com o fracasso da primeira reação, passaram a disputar a pauta e transformar a natureza original da indignação popular. Tática antiga, usada em muitos países do mundo ao longo da história. A desorganização popular não resistiu à violência policial e à propaganda política massiva dos meios de comunicação, o ímpeto popular arrefeceu, mas a brasa ainda está acesa.

Acredito que a Petrobras é, acima de tudo, a sua História. Seu nascimento foi fruto da consciência sobre a importância do petróleo e da magnífica mobilização popular, a campanha “O Petróleo é Nosso” está no seu DNA, no seu código genético. Acredito que a população brasileira nunca vai abandonar a sua maior realização. Cabe a nós, petroleiros, escancarar as portas da Petrobrás para a população, promover a transparência, a democracia no local de trabalho e, principalmente, condicionar a direção da companhia ao controle social.

Correio da Cidadania: Dentro de todo este contexto, o que você comenta, ainda que num primeiro momento, sobre o acidente do navio-plataforma no litoral de São Mateus (ES), com mortos e feridos?

Felipe Coutinho: No momento em que concedo esta entrevista, tenho poucas informações sobre o ocorrido. Passo, portanto, a discorrer sobre aspectos gerais da questão da segurança operacional na indústria do petróleo.

Notória é a correlação entre a terceirização e o aumento dos acidentes entre os trabalhadores. Não posso afirmar nada em relação a este caso mas, de forma geral, a indústria do petróleo é cada vez mais complexa. O petróleo convencional, de fácil acesso e barato de se produzir, é cada vez mais escasso. Precisamos buscar o petróleo em regiões cada vez mais remotas, em instalações mais complexas, em condições mais intensivas em trabalho e em capital.

A Petrobras é a companhia do mundo com maior experiência na produção de petróleo em águas profundas. Sempre esteve na vanguarda desta fronteira exploratória, mas, ainda assim, o aumento da complexidade das suas instalações exige prudência e aprendizado contínuo, em todas as etapas, do desenvolvimento tecnológico à operação. Isso vale para todas as condições severas nas quais se produz o petróleo não convencional, seja o petróleo de águas profundas, o do folhelho (shale em inglês), o de xisto ou o das areias betuminosas.

As contradições entre a apropriação privada da riqueza gerada - para arcar com o pagamento dos dividendos, dos juros dos empréstimos tomados, dos seguros, dos impostos e do reinvestimento para compensar a queda natural da produção dos campos maduros - em relação à preservação da vida e da natureza se agravam. Quanto mais próximos das condições extremas de produção do petróleo, maior é a contradição entre o lucro, privadamente apropriado, e a vida.



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