segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Guerra Fria e a vitória cubana


Por Emir Sader

Cuba sempre considerou que um governo democrata em segundo mandato – quando já não depende tanto da colônia cubana na Florida – era a maior possibilidade de que essa normalização se desse. Jimmy Carter não teve um segundo mandato. No final do segundo mandato de Bill Clinton, houve intensificação das ações terroristas contra Cuba – até com um avião jogando panfletos sobre Havana –, o que levou a que Cuba derrubasse um desses aviões, com a morte de dois tripulantes e, nos Estados Unidos, aprovação de leis ainda mais duras do bloqueio econômico.

Agora, intermediado por outros fatores – a prisão de um empresário norte-americano que levava materiais de comunicação a setores da oposição clandestina em Cuba e a campanha pela libertação de três dos cinco cubanos que ainda permaneciam nas prisões norte-americanas – confirmou-se a previsão: é um presidente democrata que protagoniza o restabelecimento das relações, no seu segundo mandato.

A ruptura de relações e o bloqueio, já há mais de meio século, eram instrumentos com os quais os Estados Unidos achavam que asfixiariam o então novo governo cubano. Havia um dogma até aquele momento segundo o qual “sem cota, não há pais”. Isto é, se os Estados Unidos deixassem de comprar a cota de açúcar, o país faliria.

Quando os EUA suspenderam a compra do açúcar cubano, uma parte da burguesia do país trancou suas casas e foi para Miami esperar a queda do regime de Fidel Castro. Cuba sofreu duramente essas medidas. Todos os países da América Latina – com exceção do México, que manteve só relações diplomáticas com Cuba – fizeram o mesmo, rompendo relações com a ilha. Para qualquer compra que o país tivesse de fazer, teria de apelar para algum país europeu.

Cuba sofreu a tentativa de invasão de 1961, o cerco naval de 1962, uma enorme quantidade de ações de terrorismo, inúmeras tentativas de assassinato de Fidel, sanções econômicas que bloqueiam sua capacidade de desenvolvimento econômico. Mas conseguiu resistir.

Os Estados Unidos não contavam que a URSS os substituísse, comprando o açúcar cubano, além de fornecer o petróleo que Washington também deixava de entregar. A inesquecível imagem de um imenso navio soviético, com a foice o martelo, entrando no porto de Havana, era um gesto de audácia que começava a romper o bloqueio à ilha.

Com o passar do tempo, países da América Latina foram restabelecendo relações com o governo de Fidel, primeiro diplomáticas, depois comerciais, até que a situação se reverteu. Se Cuba havia estado isolada no começo do bloqueio, eram os EUA que passariam a estar isolados, de forma que nas votações da ONU de condenação do bloqueio, só contavam com o voto de Israel e de alguma ilha meio desconhecida do Pacífico; sendo a esmagadora maioria contra a posição de Washington. O isolador se tornava isolado.

Agora, ao mesmo tempo, Cuba consegue duas grandes vitorias: resiste ao bloqueio, rompe o bloqueio, não cede em nada frente às ameaças e ataques da maior potência imperial da história da humanidade, consegue o restabelecimento das relações diplomáticas, nos termos que sempre propôs – com o respeito entre iguais, como nações soberanas. E, ao mesmo tempo, consegue o retorno dos espiões cubanos que estavam presos nos Estados Unidos, condenados depois de serem descobertos em operações de investigações contra ações terroristas de anti-castristas da Flórida, com anuência de Washington.

Entre os temas das densas discussões que se desenvolverão a partir de agora, estará seguramente Guantânamo. Esse pedaço do território cubano apropriado pelos americanos quando desembarcaram em Cuba com o pretexto de pacificar o conflito entre a ilha e a Espanha, quando os cubanos estavam prestes a expulsar aos antigos colonizadores e se tornarem independentes. A apropriação de Guantânamo se deu no marco das sanções impostas pelos Estados Unidos à Espanha, junto com a incorporação das Filipinas e das Ilhas Gwan.

O que foi imposto como uma ocupação de um século, tornou-se permanente – diferentemente do Canal de Panamá, cuja soberania retornou aos panamenhos. Como a base militar de Guantânamo não tinha nenhuma importância, permanecia como presença soberba da potência imperial derrotada pelos cubanos. Até que mais recentemente tornou-se uma vergonhosa prisão fora de qualquer cobertura jurídica internacional para que os EUA procedessem aos selvagens interrogatórios e torturas que impuseram aos acusados – mesmo sem provas – de ações de terrorismo.

Agora não há nada mais que possa impedir que o presidente norte-americano transfira os mais de 160 presos que ainda permanecem lá, feche a base naval e devolva a Cuba o território que lhe pertence. Assim se terão normalizado totalmente as relações entre o país de Fidel e o de Obama.

Barack Obama teve de confessar que a estratégia norte-americana de tentar asfixiar a Cuba pelo bloqueio econômico e o assedio terrorista fracassaram. Os dois países voltam a ter relações diplomáticas, o imenso edifício voltado para Miami – na avenida costeira de Havana conhecida como Malecón – abrigará um novo embaixador dos Estados Unidos: e Cuba terá, no mesmo velho casarão, um embaixador no país vizinho.

Vira-se a última página da longa Guerra Fria do segundo pós-guerra. Talvez estejamos começando outra, com caráter e dimensões distintas, mas aquela agora está definitivamente terminada. E da melhor maneira possível para Cuba e para todos os que lhe apoiaram na luta contra o injusto bloqueio.





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