segunda-feira, 29 de julho de 2013

A farsa do Livre Comércio



Por: Joseph E. Stiglitz

Tradução: ADITAL

Apesar da Ronda de Doha da OMC para negociações comerciais mundiais não deu nenhum resultado desde seu início, há doze anos, está sendo preparada outra Ronda de negociações; porém, dessa vez não terão caráter mundial e multilateral, mas serão negociados dois grandes acordos regionais: um transpacífico; outro, transatlântico. Será que há mais probabilidades de que essas negociações deem resultado?

A Ronda de Doha foi torpedeada pela negativa dos Estados Unidos de eliminar as subvenções à agricultura, condição sine qua non de qualquer ronda que, de verdade, sirva ao desenvolvimento, em vista de que 70% da população dos países em desenvolvimento, direta ou indiretamente, dependem da agricultura. A posição dos EUA foi verdadeiramente assombrosa, dado que a OMC já se havia pronunciado mediante uma resolução sobre a ilegalidade das subvenções do algodão dos EUA, que beneficiam menos de 25 mil produtores ricos.

A resposta dos EUA foi subornar o Brasil, que havia apresentado a reclamação, para que desistisse e deixasse no prejuízo a milhões de produtores de algodão pobres da África e da Índia, que sofrem as consequências de preços muito baixos por conta da generosidade dos EUA com seus produtores ricos.

Em vista dessa história recente, agora parece claro que as negociações para criar uma Zona de Livre Comércio entre os Estados Unidos e a Europa e outra entre os Estados Unidos e grande parte dos países do Pacífico (exceto a China) não se encaminham para criar um verdadeiro sistema de livre comércio; mas, seu objetivo é um regime de comércio dirigido, ou seja, que esteja a serviço dos interesses especiais que durante muito tempo impuseram a política comercial no Ocidente.

Alguns princípios básicos devem ser levados a sério por quem participa nas conversações. Em primeiro lugar, todo acordo comercial deve ser simétrico. Se os Estados Unidos, como parte no "Acordo de Associação Transpacífico” (Aatp) pede ao Japão que elimine suas subvenções do arroz, deverão, por seu lado, oferecer-se para eliminar não só as subvenções de sua produção de arroz, que é relativamente pouco importante para os Estados Unidos, e da água, mas também de outros produtos agrícolas básicos.

Em segundo lugar, nenhum acordo comercial deve colocar os interesses mercantis acima dos interesses nacionais mais amplos, em particular nos casos em que estejam em jogo questões não relacionadas com o comércio, como a regulamentação financeira e a propriedade intelectual. O acordo comercial dos Estados unidos com o Chile, por exemplo, impede a utilização por parte desse último de controles de capitais, apesar de que o Fundo Monetário Internacional (FMI) reconhece agora que os controles de capitais podem ser um importante instrumento de política macroprudencial.

Em outros acordos comerciais tem se insistido também na liberalização e na desregulamentação financeiras, se bem que a crise de 2008 deveria ter-nos ensinando que a falta de uma boa regulamentação pode colocar em risco a prosperidade econômica. Da mesma forma, a indústria farmacêutica dos EUA que tem uma grande influência sobre o Representante Comercial dos Estados Unidos, conseguiu endossar a outros países um regime de propriedade intelectual desequilibrado, que, por ir encaminhando a lutar contra os medicamentos genéricos, coloca o benefício acima da salvação de vidas. Inclusive, o Tribunal Supremo dos EUA disse agora que o Escritório de Patentes dos Estados Unidos foi demasiado longe ao conceder patentes sobre genes.

Por último, deve haver um compromisso com a transparência; porém, convém avisar aos participantes nessas negociações comerciais que os Estados Unidos professam uma falta de transparência. O escritório do Representante Comercial dos EUA mostrou-se reacionário a revelar sua posição negociadora inclusive aos membros do Congresso dos EUA e, em vista do que se filtrou, podemos entender porque. Dito escritório está retrocedendo sobre os princípios –por exemplo, o do aceso aos medicamentos genéricos- que o Congresso havia incluído em acordos comerciais anteriores, como o assinado com o Peru.

No caso do Aatp, há outro motivo de preocupação. A Ásia desenvolveu uma cadeia de distribuição eficiente, graças a qual os produtos passam facilmente de um país a outro no processo de produção de bens acabados; porém, o Aatp poderia obstaculizá-la se a China permanece fora dele.

Como as tarifas alfandegárias propriamente ditas já são tão baixas, os negociadores se centrarão, em grande medida, nas barreiras tarifárias, como, por exemplo, os obstáculos reguladores; porém, o escritório do Representante Comercial dos EUA, que representa os interesses empresariais, exercerá quase com toda segurança as pressões em prol da norma comum menos estrita, com o que contribuirá para uma nivelação para baixo, em vez de para cima. Por exemplo, muitos países têm disposições tributárias e reguladoras que dissuadem da aquisição de automóveis grandes, não porque tentem discriminar os produtos dos EUA, mas porque lhes preocupa a contaminação e lhes interessa a eficiência energética.

O princípio mais geral, antes citado, é o de que os acordos comerciais, habitualmente, colocam os interesses comerciais acima de outros valores: o direito a uma vida saudável e a proteção do meio ambiente, só para citar dois exemplos. A França quer uma "exceção cultural” nos acordos comerciais que lhe permita continuar apoiando seus filmes, beneficiando o mundo inteiro. Esse e outros valores mais amplos não devem ser negociáveis.

De fato, é irônico que os benefícios sociais de semelhantes subvenções sejam enormes, enquanto que os custos são insignificantes. Será que alguém acredita que um filme artístico francês representa uma grave ameaça para um grande hit de verão de Hollywood? No entanto, a avareza hollywoodense não conhece limites e os negociadores comerciais dos Estados Unidos são implacáveis. E essa é a razão precisamente pela qual se devem retirar esses artigos antes de que comecem as negociações. Do contrário, acontecerão pressões e há o risco real de que em um acordo sejam sacrificados valores básicos em prol de interesses comerciais.

Se os negociadores criassem um autêntico regime de Livre Comércio, no qual se concedesse às opiniões dos cidadãos pelo menos tanta importância como as de grupos de pressão empresariais, eu seria otimista no sentido de que o resultado fortaleceria a economia e melhoraria o bem estar social. No entanto, a realidade é que temos um regime de comércio dirigido, que coloca os interesses empresariais acima de tudo e um processo de negociações que não é democrático e nem transparente.

A probabilidade de que o resultado das futuras negociações esteja a serviço dos interesses dos cidadãos estadunidenses é pouca; a perspectiva para os cidadãos de outros países é ainda mais desoladora.



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