Por: Joseph E. Stiglitz
Apesar da Ronda de Doha da OMC para negociações
comerciais mundiais não deu nenhum resultado desde seu início, há doze anos,
está sendo preparada outra Ronda de negociações; porém, dessa vez não terão
caráter mundial e multilateral, mas serão negociados dois grandes acordos
regionais: um transpacífico; outro, transatlântico. Será que há mais
probabilidades de que essas negociações deem resultado?
A Ronda de Doha foi torpedeada pela negativa dos
Estados Unidos de eliminar as subvenções à agricultura, condição sine qua non
de qualquer ronda que, de verdade, sirva ao desenvolvimento, em vista de que
70% da população dos países em desenvolvimento, direta ou indiretamente,
dependem da agricultura. A posição dos EUA foi verdadeiramente assombrosa, dado
que a OMC já se havia pronunciado mediante uma resolução sobre a ilegalidade
das subvenções do algodão dos EUA, que beneficiam menos de 25 mil produtores
ricos.
A resposta dos EUA foi subornar o Brasil, que havia
apresentado a reclamação, para que desistisse e deixasse no prejuízo a milhões
de produtores de algodão pobres da África e da Índia, que sofrem as
consequências de preços muito baixos por conta da generosidade dos EUA com seus
produtores ricos.
Em vista dessa história recente, agora parece claro
que as negociações para criar uma Zona de Livre Comércio entre os Estados
Unidos e a Europa e outra entre os Estados Unidos e grande parte dos países do
Pacífico (exceto a China) não se encaminham para criar um verdadeiro sistema de
livre comércio; mas, seu objetivo é um regime de comércio dirigido, ou seja,
que esteja a serviço dos interesses especiais que durante muito tempo impuseram
a política comercial no Ocidente.
Alguns princípios básicos devem ser levados a sério
por quem participa nas conversações. Em primeiro lugar, todo acordo comercial
deve ser simétrico. Se os Estados Unidos, como parte no "Acordo de
Associação Transpacífico” (Aatp) pede ao Japão que elimine suas subvenções do
arroz, deverão, por seu lado, oferecer-se para eliminar não só as subvenções de
sua produção de arroz, que é relativamente pouco importante para os Estados
Unidos, e da água, mas também de outros produtos agrícolas básicos.
Em segundo lugar, nenhum acordo comercial deve
colocar os interesses mercantis acima dos interesses nacionais mais amplos, em
particular nos casos em que estejam em jogo questões não relacionadas com o
comércio, como a regulamentação financeira e a propriedade intelectual. O
acordo comercial dos Estados unidos com o Chile, por exemplo, impede a
utilização por parte desse último de controles de capitais, apesar de que o
Fundo Monetário Internacional (FMI) reconhece agora que os controles de
capitais podem ser um importante instrumento de política macroprudencial.
Em outros acordos comerciais tem se insistido
também na liberalização e na desregulamentação financeiras, se bem que a crise
de 2008 deveria ter-nos ensinando que a falta de uma boa regulamentação pode
colocar em risco a prosperidade econômica. Da mesma forma, a indústria
farmacêutica dos EUA que tem uma grande influência sobre o Representante
Comercial dos Estados Unidos, conseguiu endossar a outros países um regime de
propriedade intelectual desequilibrado, que, por ir encaminhando a lutar contra
os medicamentos genéricos, coloca o benefício acima da salvação de vidas.
Inclusive, o Tribunal Supremo dos EUA disse agora que o Escritório de Patentes
dos Estados Unidos foi demasiado longe ao conceder patentes sobre genes.
Por último, deve haver um compromisso com a
transparência; porém, convém avisar aos participantes nessas negociações comerciais
que os Estados Unidos professam uma falta de transparência. O escritório do
Representante Comercial dos EUA mostrou-se reacionário a revelar sua posição
negociadora inclusive aos membros do Congresso dos EUA e, em vista do que se
filtrou, podemos entender porque. Dito escritório está retrocedendo sobre os
princípios –por exemplo, o do aceso aos medicamentos genéricos- que o Congresso
havia incluído em acordos comerciais anteriores, como o assinado com o Peru.
No caso do Aatp, há outro motivo de preocupação. A
Ásia desenvolveu uma cadeia de distribuição eficiente, graças a qual os
produtos passam facilmente de um país a outro no processo de produção de bens
acabados; porém, o Aatp poderia obstaculizá-la se a China permanece fora dele.
Como as tarifas alfandegárias propriamente ditas já
são tão baixas, os negociadores se centrarão, em grande medida, nas barreiras
tarifárias, como, por exemplo, os obstáculos reguladores; porém, o escritório
do Representante Comercial dos EUA, que representa os interesses empresariais,
exercerá quase com toda segurança as pressões em prol da norma comum menos
estrita, com o que contribuirá para uma nivelação para baixo, em vez de para
cima. Por exemplo, muitos países têm disposições tributárias e reguladoras que
dissuadem da aquisição de automóveis grandes, não porque tentem discriminar os
produtos dos EUA, mas porque lhes preocupa a contaminação e lhes interessa a
eficiência energética.
O princípio mais geral, antes citado, é o de que os
acordos comerciais, habitualmente, colocam os interesses comerciais acima de
outros valores: o direito a uma vida saudável e a proteção do meio ambiente, só
para citar dois exemplos. A França quer uma "exceção cultural” nos acordos
comerciais que lhe permita continuar apoiando seus filmes, beneficiando o mundo
inteiro. Esse e outros valores mais amplos não devem ser negociáveis.
De fato, é irônico que os benefícios sociais de
semelhantes subvenções sejam enormes, enquanto que os custos são
insignificantes. Será que alguém acredita que um filme artístico francês
representa uma grave ameaça para um grande hit de verão de Hollywood? No
entanto, a avareza hollywoodense não conhece limites e os negociadores
comerciais dos Estados Unidos são implacáveis. E essa é a razão precisamente
pela qual se devem retirar esses artigos antes de que comecem as negociações.
Do contrário, acontecerão pressões e há o risco real de que em um acordo sejam
sacrificados valores básicos em prol de interesses comerciais.
Se os negociadores criassem um autêntico regime de
Livre Comércio, no qual se concedesse às opiniões dos cidadãos pelo menos tanta
importância como as de grupos de pressão empresariais, eu seria otimista no
sentido de que o resultado fortaleceria a economia e melhoraria o bem estar
social. No entanto, a realidade é que temos um regime de comércio dirigido, que
coloca os interesses empresariais acima de tudo e um processo de negociações
que não é democrático e nem transparente.
A probabilidade de que o resultado das futuras
negociações esteja a serviço dos interesses dos cidadãos estadunidenses é
pouca; a perspectiva para os cidadãos de outros países é ainda mais desoladora.
Diretoria do
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