Este artigo integra o conjunto de materiais de referência
para debate da SAM2013 ,
e foi escrito pela jornalista Fernanda Campagnucci, editora do Observatório da Educação da ONG
Ação Educativa [1].
Um olhar mais atento
para as imagens do professor na mídia não deixa de captar uma flagrante
contradição: de um lado, os docentes são retratados como heróis, sofredores, vocacionados,
vítimas, salvadores – histórias de professoras que conseguem inovar suas
práticas e fazer seus alunos aprenderem, apesar de todas as dificuldades que
enfrentam na estrutura escolar e em sua própria vida; por outro lado, e com
maior frequência, a mesma mídia denuncia como são preguiçosos os docentes,
negligentes, mal formados, desmotivados e acomodados – faltam ao trabalho, não
querem ser avaliados, têm privilégios demais no serviço público.
No entanto, embora
pareçam estar em diferentes extremos, essas duas imagens carregam um traço em
comum: negam ao professor sua condição de profissional, que deve ser tratado e
valorizado como tal. E, curiosamente, não são poucos os clamores na mídia pela
urgente “valorização do professor” como solução para os gargalos educacionais –
pelo contrário, este parece ser um consenso [2]. O
problema é que essa expressão surge esvaziada de sentido e não traz ao debate
elementos para discutir o que, de fato, significa valorizá-lo: trata-se,
atualmente, de um discurso vazio.
Em nome da “urgente
valorização dos professores”, articulistas e editorialistas acabam por reforçar
velhas tendências observadas na imprensa, tais como a culpabilização dos
profissionais da educação sobre o mau desempenho dos sistemas educacionais
em avaliações externas e um certo clamor por abnegação e sacrifícios. Este
trecho de editorial publicado após o anúncio de reformulação do currículo do
ensino médio pelo Ministério da Educação – anúncio, por sua vez, motivado pelo
baixo desempenho dessa etapa de ensino no Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (Ideb) – é bastante ilustrativo desse comportamento: “de nada
adianta formular parâmetros curriculares maravilhosos se não tivermos
profissionais preparados para ministrá-lo […] Um bom educador passa por cima de
currículos ruins, supera a falta de infraestrutura, enfrenta a indisciplina e
abre oportunidades de vida melhor para seus discípulos. Por isso precisa ser
reconhecido e valorizado, mas também acompanhado e cobrado” [3].
A forma mais comum que
assume a retórica da valorização docente na mídia, hoje, tem a ver com a
desvalorização econômica da profissão: as falas clamam principalmente por
ganhos salariais e competitividade da carreira, que deve ser capaz de “atrair
os melhores”. Mas, mesmo quando reconhece esta importante dimensão da carreira
docente (uma remuneração justa), o discurso pela valorização não vem dissociado
de uma contrapartida dos professores, seja pelo “compromisso com o aprendizado”
ou pela adoção de mecanismos mais efetivos de avaliação e monitoramento de
seu trabalho. Felizmente, podemos ver aí um avanço: o discurso de que o aumento
do salário dos professores, por si, não gera melhoria na qualidade da educação
parece ter perdido espaço no debate.
A retórica da
valorização não só está distante da realidade da carreira, mas também se
descola das políticas e ações que poderiam promovê-la. Como lembra Bernadete
Gatti, “as ênfases valorativas da profissão de professor […] variam muito
conforme a região do país, porém os discursos genéricos existentes sobre o
valor do professor não redundaram em todos os estados e em todos os
municípios em estatutos de carreira, e em salários, que reflitam a importância
retórica a esse profissional atribuída” [4].As
expectativas são altas, mas não se traduzem em ações concretas.
Ao alçar os professores
à condição de heróis, as diferentes vozes do debate público – gestores,
pesquisadores, pais e mães, estudantes e, cada vez mais, empresários –
atribuem-lhe funções que extrapolam sua profissão. Ao culpá-lo pelos maus
resultados dos sistemas de ensino, estas mesmas vozes deixam de cobrar do
Estado sua responsabilidade em garantir-lhes condições de trabalho adequadas,
formação inicial e continuada de qualidade, acesso a bens culturais, participação
na formulação das políticas, planos de carreira estruturados, cumprimento da
Lei do Piso Salarial. Nessa polifonia de vozes, falta o discurso dos próprios
professores, silenciados e silenciosos diante do quadro de desvalorização.
Para superar essa
contradição e escapar do jogo de vítimas e culpados, a sociedade precisa
começar por qualificar o que entende por valorização dos professores e exigir
que esta seja mais do que um exercício retórico. A Semana de Ação Mundial de
2013 promovida pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação chama a atenção
para essa necessidade e propõe como mote da discussão o lema “Nem herói,
nem culpado: professor tem de ser valorizado”. Em atividades por todo o país, a
comunidade escolar e todos aqueles que lutam por uma educação de
qualidade terão uma excelente oportunidade para encher de sentido esta
palavra.
[1] Artigo
produzido a partir da pesquisa de mestrado em andamento “O silêncio dos
professores – análise de uma trama social que afasta os docentes do debate
público sobre educação”, desenvolvida pela autora na Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo (FE-USP).
[2] Foram selecionados
para esta análise 40 artigos de opinião e editoriais que usaram a expressão
“valorização” dos professores, no universo de 32 jornais no território nacional
no período de um ano (2012).
[3] Editorial “Além da
Reforma Curricular”, publicado no Diário Catarinense em 19/08/2012.
[4] GATTI, B.A.;
BARRETO, E. S. Professores do Brasil: impasses e desafios. Brasília, DF:
UNESCO, 2009.
Fonte:
Diretoria do Sepe Núcleo de Rio das Ostras e Casimiro de Abreu
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