quarta-feira, 17 de junho de 2015

Nem Cristo, nem Judas

Por Wladimir Pomar 


A presidente Dilma tem razão: o ministro Levy não pode ser considerado um Judas. Ele realmente não está traindo ninguém. Está cumprindo rigorosamente o pensamento e as diretrizes de sua escola econômica, o neoliberalismo. Está sendo plenamente fiel a ela e à sua base social, a grande burguesia internacional e nacional.

Já o vice-presidente Temer exagerou: o ministro Levy não pode ser considerado um Cristo. O Cristo nascido na época do Império Romano lutou pelos pobres e foi crucificado por isso. Nada tem a ver com o ministro Levy, que aplica uma política parecida com a de Pilatos, de arrancar o couro dos pobres para manter intocada a riqueza dos ricos. O ministro Levy, assim como a presidenta Dilma e o vice-presidente Temer, não podem sequer argumentar que o único caminho possível para fazer o ajuste é o atualmente seguido.

Não vamos nem argumentar que o ajuste seria desnecessário se o governo não houvesse aplicado uma política de desonerações para beneficiar a indústria automobilística dominada por um cartel de multinacionais. Se as contas forem feitas, os setenta bilhões reclamados pelo ministro Levy poderiam estar no cofre do governo se aquelas desonerações não houvessem sido aplicadas.

Mas isso é passado e vamos supor que o ajuste seja mesmo necessário. Se a sociedade brasileira fosse minimamente igualitária, todos poderiam contribuir de forma equivalente. Mas a sociedade brasileira não é apenas extremamente desigual. Ela é extremamente injusta e regressiva, porque normalmente são os salários, isto é, os trabalhadores, que pagam mais impostos do que a renda do capital, isto é, a burguesia.

E é nisso que consiste a aberração do ajuste aplicado pelo ministro Levy, com autorização da presidente Dilma e apoio do vice-presidente Temer. Os únicos que vão pagar o ajuste são os trabalhadores, seja porque é dos direitos deles que vão ser arrancados os bilhões calculados pelos ministros da Fazenda e do Planejamento, seja porque o ajuste já está causando desemprego, ajustes de preços e outros efeitos perversos que recaem apenas sobre os trabalhadores.

Não se tem notícia de qualquer medida proposta pelo ministro Levy destinada a retirar um tostão sequer das grandes fortunas existentes no Brasil. Ao contrário, as medidas adotadas pelo Banco Central elevando as taxas de juros são ótimas para aumentar ainda mais essas fortunas, e também fortunas estrangeiras, acostumadas não a investir na produção, mas a multiplicar seu dinheiro com a renda dos juros. Os argumentos para justificar essas elevações, porém, aparentam ser justos. Segundo os membros do Conselho Monetário Nacional, o ministro Levy e os comentaristas abalizados do Partido da Mídia, a elevação dos juros seria necessária para combater a inflação, algo que ninguém deseja.

E ninguém pode negar que, subindo os juros, pode-se controlar a inflação. Afinal, juros altos causam redução da atividade econômica. As compras caem, ou desabam. Em consequência, a demanda de bens se reduz, equilibrando-se com uma oferta menor e mantendo os preços sob controle. Mas pouca gente tem coragem de dizer que isso paralisa o crescimento econômico, aumenta o desemprego, incrementa a miséria. Tendo em conta essa realidade, o ministro Levy não se cansa de dizer que o ajuste se destina a reorganizar as finanças para “retomar o crescimento”, embora não tenha qualquer certeza disso.

Mas ele também poderia explicar, e tem capacidade para isso, que há outros caminhos para controlar a inflação. Ele, assim como todos os economistas, sabe que a inflação tem sua raiz em alguns desequilíbrios econômicos. Um deles é o desequilíbrio entre o dinheiro em circulação e a riqueza material produzida. Nesse sentido, se o governo emite muito dinheiro e seus gastos têm pouco efeito no aumento da produção da sociedade, há aumento da inflação. Outro desequilíbrio é o que pode ocorrer entre a oferta de bens e a demanda efetiva. Se esta demanda, ou procura, sobe muito mais rápido do que a oferta dos produtos demandados, os preços tendem a subir e a inflação também.

No Brasil nós temos os dois casos. Após os anos de neoliberalismo oficial dos governos de Fernando Henrique, que quebrou grande parte da capacidade produtiva industrial brasileira e legou uma dívida externa monstro, o governo Lula se aproveitou de uma situação internacional favorável. Obteve saldos elevados no comércio internacional, principalmente com as exportações de minérios e commodities agrícolas. O que permitiu reduzir a dívida externa, reorganizar as finanças internas, implantar uma política social de elevação do salário mínimo e de redistribuição de renda para reduzir a miséria e iniciar uma política de aceleração do crescimento econômico através de obras em infraestrutura.

Em outras palavras, o governo Lula estimulou o crescimento econômico através do aumento do consumo, ou da demanda, na esperança de que os capitalistas elevassem a produção e fizessem com que a oferta mantivesse equilíbrio em relação à demanda. No entanto, os capitalistas agrários investem principalmente na produção de commodities para o mercado internacional, ficando por conta dos agricultores familiares e pequenos capitalistas agrários a produção dos alimentos para o mercado doméstico.

Para que estes agricultores conseguissem elevar sua produção ao nível do crescimento da demanda alimentar promovida pelas políticas sociais, teria sido necessária uma política muito mais firme de apoio a eles. Isto, tanto técnica, quanto financeira e comercialmente. Na ausência disto, e de outras medidas relacionadas com o monopólio das sementes e dos fertilizantes, o desequilíbrio entre a oferta e a demanda se manifestou nos picos inflacionários do tomate, do pepino, do feijão etc.

No setor industrial de bens de consumo corrente, ou não duráveis, os problemas foram ainda maiores porque as indústrias do setor ou são oligopolizadas, ou não mais existem, porque quebraram durante os anos 1990. Ou, ainda, porque sua rentabilidade continuou menor do que a rentabilidade na aplicação no mercado financeiro. Entre o risco do investimento na produção e a pseudo-segurança dos juros do mercado financeiro, os capitalistas, com raras exceções, preferiram ganhar no sistema financeiro. Assim, o desequilíbrio entre a oferta desses bens de consumo e o crescimento mais rápido de sua demanda manteve pressão permanente sobre a inflação.

Desequilíbrios idênticos ocorreram em relação ao aumento das demandas de serviços urbanos de transportes, moradia, saúde, educação, lazer, cuja oferta cresceu pouco, ou cresceu com qualidade inferior. Ou, pior ainda, cresceu com preços de rentabilidade similares aos do mercado financeiro.

Esses desequilíbrios, aparecidos durante o governo Lula, aumentaram durante o governo Dilma. Primeiro, em virtude da crise internacional, que reduziu os ganhos da balança comercial brasileira. Depois, pela ausência de correção da estratégia de crescimento via consumo e sua substituição por uma estratégia de crescimento que combinasse uma política de investimentos industriais e em infraestrutura urbana e nacional, com a política de elevação do consumo.

Tal estratégia exigiria a adoção de políticas direcionadas a evitar os investimentos estrangeiros de curto prazo e de aquisição de plantas ou serviços já existentes, e seu direcionamento para a construção de novas plantas produtivas ou de serviços que necessitem melhorias. No entanto, nada disso foi feito e mesmo uma pesquisa artificial colocará à mostra um processo de desnacionalização de indústrias, comércios e serviços que há muito não se assistia no país.

Bem vistas as coisas, estão delineados dois caminhos para o Brasil dos próximos anos. O primeiro é a continuidade do plano Levy de ajuste que arranca o pelo dos pobres e, também, dos remediados. Acompanhado das reformas políticas e sociais de retrocesso da Câmara e do Senado, talvez seja até possível obter algum crescimento pífio em 2017, mas nada que consiga sanar o estrago imposto às camadas populares. E o cenário mais provável será o retorno das forças conservadoras e reacionárias ao governo, em 2018.

O segundo é a realização de um cavalo de pau na atual política econômica. Ou seja, a adoção de uma estratégia de ajuste que retire recursos de quem tem demais e pode gastar em festanças de milhões de dólares, e de uma estratégia de desenvolvimento econômico e social que combine juros compatíveis com rentabilidade.

Isto, para estimular os investimentos externos e internos para ampliar a industrialização, a agricultura alimentar, a infraestrutura urbana (transportes, moradia, educação e saúde), a infraestrutura nacional (ferrovias, portos, rodovias, energia, meio ambiente), e manter um crescimento adequado do emprego e do consumo. Essa é a política que permitirá enfrentar com sucesso as tendências conservadoras e reacionárias do parlamento e criar um ambiente favorável para a manutenção das forças de esquerda no governo federal.

Se o ministro Levy estiver disposto a aplicar um cavalo de pau desse tipo, ele conseguirá a proeza de ser chamado de Judas pelos neoliberais e pela grande burguesia internacional e, ao mesmo tempo, de Cristo por camadas populares propensas a enxergar milagres onde apenas existe a ação humana.



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