Por Wladimir Pomar
A ditadura
militar seguiu uma trajetória complexa para chegar ao ápice de seus dilemas.
Procurando manter as aparências “democráticas”, o governo Castello manteve as
eleições para os governos estaduais, em 1965. Mas as vitórias de Negrão de
Lima, na Guanabara, e Israel Pinheiro, em Minas Gerais, embora ambos
declarassem possuir uma vida pública caracterizada pelo “combate ao comunismo”,
resultaram numa crise política.
A direita
radical tinha ambos como subversivos, ou corruptos, pretendendo impedir sua
posse. O resultado foi a edição do Ato Institucional 2, que dissolveu os
partidos políticos, instituiu as eleições indiretas para presidente e governos
estaduais, e estabeleceu o bipartidarismo. Como na Itália fascista e na
Alemanha nazista, qualquer política oposicionista foi transformada em “crime”,
subordinando seu julgamento à Justiça Militar. Quem não fosse “puro sangue”
deveria ser afastado de qualquer atividade política e mesmo profissional.
Oficiais aviadores cassados, por exemplo, foram proibidos de se empregarem em
companhias aéreas.
Nem Carlos
Lacerda aceitou o AI 2. Reclamou que as mudanças impostas por esse ato
representavam a extinção de qualquer arremedo de democracia. Outros setores
conservadores e reacionários, promotores e participantes do golpe, acordaram
para os verdadeiros rumos do regime militar: o estreitamento do poder em mãos
de um número reduzido de “eleitores” militares, no estilo dos príncipes feudais
alemães que elegiam o imperador do Sacro Império Romano.
Os
representantes da grande burguesia, porém, em especial os que serviam como
tecnoburocratas, assim como a direita militar, estavam convencidos de que
quaisquer movimentos reivindicatórios dos trabalhadores, dos camponeses, dos
estudantes e de outras camadas da população tinham caráter subversivo e deveriam
ser sufocados. Assim, embora a invasão chefiada pelo coronel Jefferson Cardim,
no sul, houvesse sido rapidamente derrotada, temiam a repetição de movimentos
idênticos, principalmente se fossem embalados pelos protestos populares que
ocorriam no Rio, São Paulo e Belo Horizonte.
Foi sobre
esse pano de fundo que o marechal Costa e Silva se impôs como “candidato” único
à presidência. Sancionado pelo alto comando do Exército e formalmente “eleito”
pelo Congresso, em 1966, cassou os mandatos de mais seis deputados e
intensificou a perseguição a líderes sindicais. Tudo a pretexto, como diz
Rezende, de que “os trabalhadores estariam sendo influenciados contra o regime
por grupos clandestinos e subversivos”.
Não se
pode negar que a ditadura usou todos os pretextos para justificar seus atos
repressivos. Para ela, tudo representava perigo mortal: guerrilha
em Caparaó, que não chegou a ocorrer; Conferência da Organização
Latino-Americana de Solidariedade, em Havana, que proclamou a luta armada como
necessidade para a libertação do continente; início da “revolução cultural”, na
China; multiplicação das grandes manifestações contra a guerra do Vietnã, nos
Estados Unidos; encontro de Lacerda e Juscelino, em Lisboa, formando uma Frente
Ampla para reconstituir o sistema político antes vigente no país.
Tendo
todos esses perigos em mente, o presidente Costa e Silva sequer enrubesceu
quando, em 1967, proclamou a nova Constituição e declarou que a “plenitude
democrática fora alcançada, faltando apenas consolidá-la”. A essa altura, a
inflação caíra de 34%, em 1966, para 25%, enquanto o PIB crescera de 2,4% para
6,7%. Nessas condições, quando movimentos grevistas se fizeram presentes,
incluindo metalúrgicos, bancários e outras categorias profissionais, contra o
arrocho salarial, a ditadura não vacilou em reprimi-los com rigor. Rigor que
ganhou total rigidez quando a morte do estudante Edson Luiz mobilizou não
somente os estudantes, mas inúmeras outras camadas da população, e culminou na
Passeata dos Cem Mil, no Rio de Janeiro.
A reação a
essa ascensão do movimento popular por democracia não veio apenas do regime
ditatorial institucionalizado. Veio, em grande medida, de grupos militares que,
supostamente agindo à margem dos comandos, contavam com a complacência deles e realizaram
inúmeros atentados terroristas. Como os nazistas, empunhavam armas à simples
menção da palavra cultura. Paralelamente, a realização do Congresso da UNE em
Ibiúna proporcionou ao regime a prisão de 920 universitários, e novas
justificativas para a edição de um novo Ato Institucional, o AI 5, que
extinguiu o habeas corpus, instituiu a censura e generalizou o arbítrio.
No final
de 1968, o regime militar comemorou a queda da inflação para 25% e a elevação
do PIB em 9,8%, dando início a um crescimento econômico que extasiou os
militares e seus servidores civis no poder. Naquela ocasião, eles sequer se
deram conta das implicações futuras da subida da taxa básica de juros dos
Estados Unidos para 6% ao ano, da ofensiva do Tet pela Frente de Libertação do
Vietnã do Sul, e da eleição de Richard Nixon para a presidência dos Estados
Unidos.
Seguindo
seu curso, o ano de 1969 registrou um recrudescimento sem paralelo do arbítrio
militar, político, social e econômico no país. Um ministro do Superior Tribunal
Militar, três ministros de Supremo Tribunal Federal e 39 parlamentares tiveram
seus direitos políticos cassados com uma só penada. Pedro Aleixo foi impedido
de ocupar a presidência, em virtude da doença que levou Costa e Silva à morte,
embora fosse o vice-presidente. Em seu lugar, pelo Ato Institucional nº 12,
assumiu uma Junta Militar, que reafirmou o AI-5 e demais atos em vigência,
proclamou nova Constituição e transformou o generalato do Exército no colégio
eleitoral de escolha do presidente.
A reabertura
do Congresso serviu apenas para dar aparência “democrática” à “eleição” do
general Médici. A presidência da república foi transformada no último degrau de
promoção de apenas um general de exército, a ser escolhido por um colegiado de
pouco mais de cem generais de quatro estrelas. Na prática, assistiu-se à
criação de uma casta superior, mesmo em relação aos oficiais generais da
Marinha e da Aeronáutica. Mais tarde, Médici sequer consultou aquela casta para
ungir Geisel. E este, por sua vez, ungiu seu sucessor anos depois. Como
Figueiredo escrevera em 1970, ainda coronel, “os erros da revolução foram se
acumulando e ... só restou ao governo partir para a ignorância”.
Isto é, a
ignorância de considerar a luta de classes uma aberração e tomar como
comunistas, socialistas, esquerdistas ou subversivos todos os que se opunham à
ditadura militar. Nada diferente do aplainamento que continua a fazer agora o
coronel Gobbo. Em 1969, o regime levou à prisão figuras políticas tão díspares
como Lacerda, Juscelino, Hugo Gouthier, Sobral Pinto, o vice-reitor da PUC, e
professores universitários e artistas. As ideias destes, reacionárias ou
liberais, diferiam daquilo que os “duros” pensavam. Estes, no comando da
ditadura, aproveitaram o “milagre econômico” para institucionalizar como
políticas de Estado a tortura, o assassinato e o desaparecimento de
oposicionistas (comunistas e não comunistas).
A
suposição de que o golpe militar ocorrera para defender a democracia e liquidar
a corrupção se esbatia, assim, contra o muro de granito da ineficácia da
Comissão Geral de Investigação e da eficácia destrutiva e corrupta da repressão
policial militar. O presidente da CGI, general Oscar Luiz da Silva, confessou
que, dos 1500 processos de corrupção abertos, apenas 6 haviam sido concluídos.
E, apesar de todo o controle militar, tornaram-se famosos vários escândalos de
corrupção, a exemplo da Coroa-Brastel, Capemi, Projeto Jari, Luftalla, Banco
Econômico e da ocupação de centenas de milhares de hectares da Amazônia por
grandes grupos econômicos nacionais e estrangeiros.
Em
contrapartida, os DOI-CODIs se transformaram não apenas em batalhões de
torturas, assassinatos e desaparecimento de desafetos políticos, mas também em
redes de ação conjunta com o contrabando, tráfico de drogas e segurança
empresarial. Essas repartições anômalas da instituição militar chegaram ao
cúmulo de ter a pilhagem de bens de presos políticos como butim de guerra.
Com a formação
da Comissão da Verdade, o terror de Estado brasileiro, tendo como exemplo o
Reich nazista, só agora está tendo suas entranhas desvendadas por oficiais que
participaram diretamente de seu sistema, como o coronel Malhães e outros.
Diante disso, qualquer um que deseje construir uma visão abrangente sobre o que
realmente ocorreu no Brasil, e suas consequências sobre o que está ocorrendo
hoje, não pode apagar o período da ditadura militar, com os 17 atos
institucionais e os 78 atos constitucionais de sua “democracia disciplinada”.
As
gerações atuais ainda não conseguiram superar a enorme mancha, que cobre quase
todo o território nacional, incrustrada principalmente nas periferias urbanas,
de milhões de pobres e miseráveis excluídos do mercado de trabalho, e sem
condições de moradia, transportes, saneamento, saúde e educação. Eles são o
resultado mais evidente da migração forçada de camponeses dos latifúndios para
as cidades industriais, do fragoroso naufrágio do “milagre econômico”
ditatorial, e da devastação neoliberal que se seguiu.
Nessas
condições, uma suposta “redenção” da ditadura militar, como querem o general
Chagas e o coronel Boggo, nada mais seria do que fazer com que a roda da
história retrocedesse como farsa.
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