POR
WLADIMIR POMAR
Quando,
diante da crescente crise da ditadura, a burguesia se colocou o
problema da democracia, de 1977 em diante, essa classe o tomou única
e exclusivamente pelo ângulo da participação de representantes
seus nas decisões políticas dos órgãos ditatoriais. Para ela,
como para os militares no poder, eram inconcebíveis brechas que
permitissem greves, movimentos contestatórios ou a formação de
partidos políticos não alinhados com o regime.
Nessa
linha, supor a reorganização de partidos socialistas e comunistas e
sua participação na vida política era inadmissível. Como ressalta
Rezende, até mesmo alguns empresários tidos como democratas, a
exemplo de José Mindlin, consideravam que a formação de partidos
diversos, na linha do que propunha Golbery do Couto e Silva, “não
asseguraria o sistema democrático”. De cara, ainda de acordo com
ele, tal sistema não podia admitir o partido comunista. Portanto,
era uma democracia a meias.
Apesar
disso, a burguesia e os militares não podiam ignorar as pressões
sociais para a superação do regime militar. O que se refletia tanto
na migração de representantes políticos da burguesia para o campo
oposicionista quanto nas crescentes fissuras no comando militar do
poder. O primeiro confronto, embora tenha se assemelhado à Batalha
de Itararé, esteve relacionado com a demissão do general Frota,
ministro do Exército. Frota não concordava com qualquer retirada
estratégica de volta aos quartéis, com o atamento das relações
diplomáticas com a China, nem com outras ações consideradas
inadmissíveis para a “revolução”.
Essas
fissuras se alargaram ainda mais com a disputa interna entre os
generais de exército pela sucessão de Geisel. Este, para garantir
seu escolhido, o general de divisão Figueiredo, viu-se na
contingência de caronear outros mais antigos para promover
Figueiredo a general de quatro estrelas. Isso levou à rebeldia e ao
afastamento do general Hugo Abreu, então chefe do gabinete militar
da presidência da República, e à tentativa de ungir o general
Euler Bentes Monteiro como candidato da oposição consentida.
Mesmo
assim, a grande burguesia continuava supondo que o regime seria capaz
de sobreviver. A partir de 1978-1979, quando as greves operárias
marcaram sua presença na vida nacional, essa burguesia sustentou que
elas ocorriam por “moleza do regime”, ou por “democracia em
excesso”, na mesma linha de Frota. No entanto, setores crescentes
da média burguesia, mesmo tendo apoiado o golpe, o “milagre
econômico” e as políticas repressivas do regime, se deram conta
de que a emergência das greves era uma indicação do declínio da
ditadura. Esta se transformara em puro arbítrio. Sua manutenção
poderia levar o país ao imponderável. Uma democracia negociada, com
a volta dos militares aos quartéis, como pregara o general Malan,
seria a saída honrosa, tanto para as Forças Armadas como para todos
que as haviam apoiado nos anos anteriores.
Até
mesmo Eugênio Gudin se deu conta dessa tendência e abriu suas
baterias contra o “estatismo militar”, sugerindo o reordenamento
institucional conforme sugerido pela grande burguesia nativa e
estrangeira. Outros setores burgueses, porém, incentivavam tal
reordenamento numa direção nacionalista, que não haviam defendido
durante a abertura econômica do regime aos capitais estrangeiros.
Muitas vezes, esse nacionalismo sequer escondia sua mancha
direitista, a exemplo das teses defendidas pelo general Albuquerque
Lima. Em outras palavras, no final dos anos 1970 e início dos anos
1980, a grande e a média burguesia já haviam se dado conta da
inexorável deterioração da ditadura e realizavam movimentações
de todo tipo para adaptar-se à nova situação.
Diante
das metamorfoses em curso, o general Ednardo D’Ávila Melo, em 1975
defenestrado do comando do II Exército com desonra, em virtude da
estúpida montagem do “suicídio” de Wladimir Herzog no DOI-CODI
de São Paulo, fazia blague com a suposição de que “todo mundo”
se tornara “democrata”. Segundo ele, “O Golbery é democrata. O
Geisel é democrata. E eu sou o fascista”. No lado oposto do
general Ednardo, o metalúrgico Lula também se referia a que, quando
os empresários “falavam em democracia, falavam apenas da boca para
fora. Se pudessem, todos eles jogariam os trabalhadores para fora do
mundo, mandariam prendê-los, fazer qualquer coisa com eles. Ninguém
queria dar aumento, ninguém queria negociar”.
Foi
nesse contexto confuso e de intensa desagregação que a situação
dos militares e do governo Figueiredo entrou em transe com a
tentativa terrorista de matar milhares de pessoas, na comemoração
do 1º de maio de 1981 no Riocentro. Apesar de o general Figueiredo
continuar ameaçando quebrar e arrebentar quem se colocasse contra a
abertura, na prática ele manteve a mesma leniência que todos os
governos militares adotaram em relação às torturas, assassinatos,
desaparecimentos e atentados terroristas praticados por elementos das
Forças Armadas. Mudavam o sofá de lugar, mas eram incapazes de
responsabilizar, processar e julgar os culpados diretos e os comandos
que davam cobertura àqueles atos.
Entre
janeiro de 1980 e maio de 1981, haviam ocorrido 74 atentados
terroristas, praticados por elementos dos centros de informação do
Exército, Marinha e Aeronáutica, assim como dos Doi-Codis e dos
Departamentos de Ordem Política e Social das polícias estaduais.
Mas nenhum de seus autores foi punido. A complacência dos comandos
era evidente. No caso do Riocentro, quem foi preso e mantido
incomunicável foi o tenente-coronel Nivaldo Mello de Oliveira Dias,
por exigir punição aos responsáveis pelo atentado.
Por
outro lado, os atos terroristas colocaram na defensiva tanto setores
da burguesia que estavam se tornando “democratas” quanto setores
sociais intermediários, receosos de novo retrocesso. A Ordem dos
Advogados do Brasil e a Associação Brasileira de Imprensa decidiram
apoiar a “abertura” do general Figueiredo e seu pretenso repúdio
ao terrorismo. O PCB sugeriu o amainamento das lutas populares, pois
elas poderiam colocar em risco o que já fora conquistado.
Parlamentares politicamente centristas também aconselharam o
engajamento no projeto de abertura do presidente.
Na
prática, procuraram armar um movimento de democratização nos
limites propostos por Golbery e outros estrategistas da “retirada
dos militares” e “seu retorno aos quartéis”. Para eles, tal
retirada deveria proporcionar aos militares a possibilidade de serem
chamados novamente a interferir na vida política do país, se
considerassem necessário. Para isso, como acentuavam os que botavam
panos quentes na definição das responsabilidades pelas barbaridades
cometidas pela ditadura, o importante seria “apontar a saída”,
sem se preocupar em “apontar culpados”, como fora consagrado na
lei da anistia.
Com
o objetivo de garantir que a retirada estratégica dos militares
seguisse o curso planejado pelos próprios militares, a grande
burguesia decidiu criar uma Ação Empresarial para incidir
diretamente no processo político. Seu propósito imediato consistiu
em fornecer recursos para eleger candidatos não identificados com a
repulsa completa ao regime militar, e que pudessem ter influência no
reordenamento constitucional conservador do país. Para essa
burguesia, somente as Forças Armadas poderiam instituir uma
democracia que evitasse os radicalismos de esquerda e garantisse a
continuidade das “conquistas da revolução de abril de 1964”.
Não
é por acaso, pois, que o general Chagas, o coronel Boggo e uma série
de outros militares e civis reacionários se sintam no dever de
recuperar os ideais daquela “revolução”. É lógico que, para
isso, precisam recriar os mesmos espantalhos que esgrimiram como
justificativa para o que não passou de um golpe castrense, embora
com repercussões profundas e negativas no desenvolvimento econômico,
social, político e cultural do país. E procurem se eximir da
avaliação histórica dessas repercussões negativas, assim como das
responsabilidades pelas políticas que acabaram por levar a ditadura
a ser incapaz de conter a ascensão do novo movimento social que
emergiu no final dos anos 1970.
Naquele
momento da vida do país, além dos problemas políticos relacionados
com as denúncias de torturas e desmandos repressivos e com as
demandas por liberdades e democracia, a ruína econômica e social se
transformara num atestado de incompetência, corrupção e políticas
desestruturantes. As cadeias produtivas apontavam enormes lacunas e
descompassos, a exemplo do apoio exagerado ao novo capitalismo
agrícola, à custa da economia agrícola familiar. A matriz de
transportes transformara-se num monstrengo de alto custo. E a
urbanização das grandes e médias cidades tornara-se caótica, com
os milhões de trabalhadores expulsos dos campos impossibilitados de
encontrar empregos e renda numa economia estagnada. De cada vez mais
pobres, as grandes massas da população tornaram-se miseráveis
urbanas e rurais.
Diante
disso, a propaganda governamental procurou, a todo custo,
responsabilizar a crise internacional pelos problemas do país e da
ditadura. Mas tornara-se evidente para a maior parte do povo que o
“Brasil Potência” prometido pelo regime militar não passava de
uma nau desgovernada, não por incompetência de sua marujada, mas
por erros e crimes de todo tipo praticados pelos oficiais da cabine
de comando.
Apesar
disso, os conciliadores de sempre, com medo dos setores “duros”,
agiram no sentido de aceitar o tipo de transição sugerido pelos
estrategistas do regime. Quem salvou o Brasil dessa conciliação
completa, embora não tenha conseguido romper todos os limites
impostos pela burguesia, foram os trabalhadores, especialmente sua
fração operária, que ingressaram com força no cenário político.
Fonte:
Site Correio da Cidadania
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