segunda-feira, 23 de março de 2015

Dilma, a saída é pela esquerda! Mas, cadê a porta?


Por Jung Mo Sung

Uns 30 anos atrás, em um curso de "fé e política”, em Itaici, escutei pela primeira vez o saudoso Plinio A. Sampaio. Eu me lembro que ele falou por horas sobre vários assuntos. De tudo, sobraram na minha memória dois assuntos.

Falando sobre o golpe em Chile e as crises que o precederam, ele falou da responsabilidade da esquerda no processo que levou da crise de abastecimento e a crise política ao golpe. Como era de se esperar, o pessoal que estava assistindo reagiu dizendo que a culpa era da direita e começou a enumerar as ações da direita chilena com o apoio dos Estados Unidos. E a resposta de Plínio me marcou muito: é de se esperar que a direita fizesse isso! É o papel da direita tentar de tudo para inviabilizar um governo de esquerda, que pela primeira vez na América Latina tinha assumido via processo democrático. Esperar outra coisa é ser politicamente ingênuo. E muitos da esquerda chilena, mesmo inconscientemente, tinha colaborado para aumentar a crise ou feito muito pouco para diminuí-la.

Como dizem muitos, na política, mais importante do que o fato social (como as manifestações de 13 e 15/03) é a versão, a interpretação que ganha na disputa pela conquista da "mente e coração” do povo. Nesse sentido, esperar que as grandes corporações capitalistas que controlam a grande mídia desse uma visão "neutra” ou "verdadeira” dos fatos sociais e políticos é esquecer que elas são capitalistas visando a maximização do lucro, usando a liberdade do mercado para seus interesses. É claro que na luta pela interpretação dos fatos, é preciso criticar a cobertura da mídia; mas há análises que parecem indicar que a crise do governo Dilma não existira ou seria menor se a mídia cumprisse o seu papel de forma correta. Em outras palavras, atribuem a responsabilidade da crise à grande mídia.
Como diz Franz Hinkelammert, no seu livro "Mercado versus Direitos Humanos”, não vivemos o tempo em que os direitos humanos, como da liberdade de expressão, são violados pelo Estado ditatorial. Quem censura hoje é a própria mídia. Isto é, os interesses das grandes corporações definem a censura: o que é noticiado ou não; e qual a interpretação a ser dada. Não é à toa que os principais noticiários da TV, no fundamental, falam (quase sempre) dos mesmos assuntos, mostram as mesmas imagens e interpretações semelhantes.

Como me ensinou "dr. Plínio”, nós da esquerda (os que lutam contra a desigualdade social, como disse N. Bobbio) e o governo Dilma e o PT precisamos assumir a nossa parcela da responsabilidade. E nessa autocrítica, há analistas que dizem: o governo entrou em crise porque não fez reformas do ideário da esquerda, por ex, a reforma agrária. Portanto, a saída da crise só pode ser pela esquerda. Eu não sei se os governos Lula e Dilma tinham condições políticas (com as alianças realizadas e correlações de força no congresso e na sociedade) para fazer uma reforma agrária radical ou outras reformas lamentadas hoje após "o leite derramado”; e, se essas reformas tivessem sido realizadas, seriam suficientes para evitar essa crise.

Essas questões me lembram o segundo ponto do curso com Plínio: a correlação de força na luta política e a importância da construção de um "bloco histórico” (Gramsci) capaz de levar avante as reforças estruturais necessárias para garantir os direitos dos trabalhadores, dos pobres e massas excluídas da sociedade. Se no governo Lula, a direita não teve força política (e talvez nem interesse porque estava lucrando com o crescimento econômico e o aumento do mercado interno com a saída da pobreza de dezenas de milhões de brasileiros) para enfrenta-lo de forma agressiva; hoje a situação é outra. Agora se unem o interesse político e econômico (em defesa do livre mercado e ampliação do setor privado na economia) e o preconceito de classe contra "gente diferenciada”. Movimento sócio-político que une interesses político e econômico e um turbilhão de preconceitos e "raiva intensa” gera, com certeza, resultados imprevisíveis e nada animadores para os mais vulneráveis.

Nesta situação, não basta afirmar: "a saída deve ser pela esquerda”. A saída não está dada, a porta não está lá para ser aberta, é preciso construir essa "saída”. Para isso, além da habilidade política para articular um novo bloco com força suficiente para mudar o rumo do Titanic, é preciso lideranças carismáticas que sejam capazes de fazer a multidão escutar e ver além daquilo que a grande mídia propaga e de "testemunhos” que substituam o desencanto com o PT e o governo – desencanto esse que se transformou em frustração e raiva – por uma esperança. 





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