quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Dois passos à frente, um passo atrás


Por Wladimir Pomar


Não há dúvidas de que, tanto por erros do PT e do governo Dilma, quanto pela ação cotidiana e massiva da máquina de propaganda da grande burguesia, setores populares e médios da população foram arrastados ao antipetismo e à oposição a Dilma. Em termos políticos gerais, pode-se dizer que houve deslocamentos de parte considerável da centro-esquerda e do centro para a direita. E que a direita decidiu radicalizar sua oposição, apelando para o reacionarismo escrachado.

As razões dessa situação são várias. A direita, que inclui os representantes da grande burguesia nacional e estrangeira, se deu conta de que a mudança da legislação sobre o petróleo do pré-sal dará ao Estado brasileiro grande poder econômico, permitindo-lhe redirecionar a economia para um rumo mais soberano. O que é reforçado pela constituição do banco dos BRICS e pelo processo de integração da América do Sul. Não por acaso, ao antipetismo e às críticas ao governo Dilma, ganharam vulto os casos de corrupção na Petrobras. Casos que se tornaram a bola de vez da luta contra o governo e o PT, embora o alvo principal seja a paralisia e o desmantelamento da própria empresa estatal.

A direita também não quer admitir que o tripé neoliberal de juros altos, câmbio flutuante e superávits primários elevados para pagamento dos juros da dívida pública possam ser mudados. Não admite uma macroeconomia de juros baixos, câmbio administrado, redução da dívida pública, controle fiscal apropriado, maiores investimentos para o desenvolvimento da indústria, crescimento econômico e fortalecimento dos programas sociais voltados para a saúde e a educação públicas.

Macroeconomia que, mesmo tímida e desordenadamente, vinha sendo tentada pelo governo, mas não foi capaz de superar os problemas estruturais que entorpecem o crescimento. Além disso, o PT e o governo custaram a compreender, ou ainda não compreenderam, que o processo de crescimento via alargamento do consumo havia batido no teto. E que era indispensável adotar programas de investimento produtivo para poder atender às novas demandas surgidas da melhoria de condições de vida de grandes parcelas da população brasileira. Demandas que explodiram nas manifestações de junho de 2013, e colocaram a nu o afastamento do PT de suas bases sociais.

A direita procurou apropriar-se das reivindicações do povo nas ruas, municiou os raivosos para causar quebra-quebras e criar o caos político. A resposta de Dilma, porém, propondo reformas políticas, plebiscito, assembleia constituinte exclusiva, e regulamentação dos conselhos populares, atendeu em parte aos reclamos dos manifestantes. Mas, soou nos ouvidos da direita como as trombetas do apocalipse. A direita tem horror a qualquer aumento da participação popular nos assuntos do governo e do Estado. Para ela, aquelas propostas podem até constar na letra da Constituição, mas, como se dizia antigamente, “apenas para inglês ver”.

Evidentemente, a direita não podia, nem pode, tornar pública que sua oposição é essa. Ela tinha e tem que se opor a essas mudanças por vias travessas, aproveitando-se dos desvios, erros e vacilações do PT e do próprio governo. Assim, num processo de longo prazo e constante, procurou desconstruir pedra a pedra as bases do prédio que o PT e o governo tinham intenção de erguer. Processo que, a rigor, teve início em 2011, continuou crescente até o dia da eleição de 2014, e ainda permanece, embora em ritmo menos intenso.

Afinal, apesar da massa de mentiras, provocações, injúrias e golpes baixos dos mais diferentes tipos, que levaram parte dos setores populares e intermediários do eleitorado a acreditarem nas “mudanças” defendidas pelo tucanato, mais da metade do eleitorado reelegeu Dilma. O que obriga a direita a rever a estratégia e as táticas empregadas, mas não ao ponto de fazê-la aceitar o diálogo proposto pela presidenta.

Seria um engano crasso supor que essa direita esteja disposta a aceitar um diálogo que inclua concessões aos de baixo e a independência nacional. Rebaixamento dos juros, administração do câmbio, redução da dívida pública, controle fiscal apropriado, maiores investimentos para o desenvolvimento da indústria, crescimento econômico nacionalmente soberano e fortalecimento dos programas sociais voltados para a saúde e a educação públicas não fazem parte da pauta da direita. Para esta, como Aécio expressou em sua arenga no Senado, o diálogo só será viável se Dilma aceitar o programa que ele apresentou na campanha eleitoral.

Por outro lado, o deslocamento de grandes contingentes de centro-esquerda e de centro para a direita colocou o PT e o governo diante da necessidade de reconquistar tais setores como condição para criar uma correlação de forças majoritariamente favorável às reformas. Nesse sentido, Dilma acertou em propor o diálogo, já que não está na ordem do dia, nem há condições, para impor uma batalha decisiva com a direita.

Mas esta só aceitará o diálogo se for isolada politicamente, com novo deslocamento da centro-esquerda e do centro para a esquerda.

Portanto, ao mesmo tempo em que propõem o diálogo e se esforçam para realizá-lo, o PT e o governo terão que reconhecer seus erros e apontar as medidas que vão adotar para superá-los, principalmente em relação àqueles que mais sensibilizam a centro-esquerda e o centro. Por exemplo: é um erro estratégico que o PT e o governo, depois de tanto tempo, não tenham discutido seriamente as políticas de investimentos na indústria e na agricultura de alimentos, que são essenciais para retomar o crescimento de forma sustentada, e gerar mais empregos e mais salários.

Outro exemplo: as políticas de comunicação do PT e do governo foram um fracasso aberrante no enfrentamento da campanha diuturna da direita. Por um lado, quase não informavam o que estava sendo feito. Por outro, quando informavam, queriam  fazer crer que as os atos  positivos eram benesses governamentais, e não conquistas do povo que o governo acatava. E, ao invés de estimular a democratização econômica da mídia por todo o território nacional, utilizou “critérios técnicos” que só beneficiaram o oligopólio midiático.

Mais um exemplo: o tratamento que o PT dá à corrupção é carregado de vacilações e névoas. Falta empenho em esclarecer o envolvimento de militantes seus e, mais ainda, de puni-los publicamente. As manobras para evitar que André Vargas seja expulso da Câmara são vergonhosas. E medidas de afastamento provisório de militantes acusados de atos ilícitos, até que seja comprovada sua inocência, ou culpa, não fazem parte da cartilha interna da direção partidária. O que fornece à propaganda da direita material constante para continuar trombeteando  “a roubalheira do PT”, e sua transformação numa quadrilha de “petralhas”.

Ainda outro exemplo, tão ou mais importante do que os demais: o PT se afastou de suas bases e raízes sociais, mesmo daquelas que estão sendo beneficiadas pelas políticas de emprego, salários maiores e transferências de renda. Deixou de fazer política de massa. A maior parte de seus dirigentes voltou-se completamente para a política institucional, abandonou o trabalho na base da sociedade e deixou de acompanhar a evolução da luta contínua e diária da maior parte da população brasileira. Assim, foi apanhada de surpresa com a eclosão das manifestações de junho de 2013 e, também, com as dificuldades da campanha eleitoral.

Nessas condições, um dever de casa preliminar consiste em reconhecer publicamente tais erros e começar a tomar medidas sérias para superá-los. Autocrítica não faz mal a ninguém e, em geral, tem efeito salutar, em especial na política, independentemente de ser militante, alto dirigente, e mesmo presidente, ou presidenta da república. Se tal reconhecimento for acompanhado de medidas concretas e transparentes para superar os erros, serão dados os primeiros passos para voltar a disputar a influência sobre a centro-esquerda e o centro políticos, e sobre as grandes massas populares da população brasileira.

Outra medida essencial para que esse movimento ocorra consiste em reaglutinar a esquerda em torno de um programa comum. O PT e Dilma precisam dar-se conta que a vitória dela nas eleições de 2014 se deveu, em boa  medida, ao fato de que parte considerável da esquerda crítica a ambos reconheceu, acertadamente, que o problema colocado no segundo turno consistia em derrotar o inimigo principal, a direita conservadora e reacionária. Problema que continua após as eleições.

Portanto, é preciso transformar a atitude de negação da direita numa atitude de afirmação de um programa que congregue toda a esquerda, independentemente das divergências existentes sobre uma série de problemas. E a iniciativa quanto a isso cabe fundamentalmente ao PT e à presidenta Dilma. Não se pode unir todas as forças políticas do país, mas é possível congregar a maioria, principalmente se o país voltar a crescer economicamente, e o PT e governo reaprenderem a fazer política, tanto institucional quanto e principalmente de base.

Mesmo porque, no balanço atual das forças, o equilíbrio é muito instável. Os setores socialistas, democráticos e populares terão que saber medir adequadamente suas forças de modo a evitar cair em provocações desabridas dos setores raivosos da direita, sedentos de novo golpe militar. Assim, para levar o país a assistir a um diálogo civilizado entre as forças políticas, será necessário congregar  a esquerda, reconquistar a centro-esquerda e o centro, dividir a direita conservadora, e neutralizar ou isolar a direita reacionária.

Ou seja, utilizar a tática de dois passos à frente em suas propostas efetivas, e recuar um passo na negociação concreta. Aliás, a mesma tática que Francisco, o papa, está utilizando para reestruturar o Vaticano. No pior dos casos, haverá o avanço de um passo.




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