Por Wagner Iglecias
No ofício de professor universitário e ligado a um
programa de pós-graduação sobre Integração da América Latina sempre que posso
recomendo à garotada de graduação que assim que tiverem tempo e algum dinheiro
metam uma mochila nas costas e saiam pelo nosso continente.
Nunca vi nenhuma pesquisa sobre o que e o quanto de
América Latina o brasileiro médio sabe. Mas posso apostar que é muito pouco.
Provavelmente menos até do que nossos vizinhos conhecem sobre o nosso país. E
de maneira ainda mais superficial. E isso é sim um problema. Num mundo
globalizado e dividido em grandes blocos como hoje, nada mais estratégico do
que a aproximação com as nações com as quais um país tem identidades
históricas, geográficas, culturais e econômicas.
Suponho que os séculos em que América hispânica e a
América lusitana estiveram mutuamente de costas uma para a outra colaboraram
para nossa ignorância sobre o que se passa aqui pertinho da gente.
Aliás o próprio termo América Latina é invenção
forânea, européia. Coisa de franceses, no início do século XIX. Dizem que
Napoleão III desejava assenhorar-se desta parte do mundo recém-liberto do jugo
espanhol e português. Queria impedir que a Inglaterra, anglo-saxônica, o
fizesse. Daí o recurso napoleônico à nossa latinidade em comum, entre nossos
jovens países desta parte do mundo com a França.
Mas bote-se aspas nesse "em comum”, já que
naquela altura do campeonato por essas bandas talvez só a pequena elite branca
descendente de espanhóis e portugueses tivesse alguma identidade cultural e
linguística com a nobreza europeía. De resto, éramos nações predominantemente
indígenas, negras ou mestiças.
A França, a bem da verdade, chegou até a emplacar
um governo no México já independente. Botou no poder Maximiliano de Habsburgo,
um nobre austríaco, que governou aquele país entre 1864 e 1867, mas que acabou
deposto e assassinado por nacionalistas mexicanos. Foi um projeto frustrado, e
quem na verdade conseguiu levar a América Latina para sua área de influência
foi a Inglaterra, e, mais tarde, os EUA.
A elite brasileira, portanto, há muito tempo tem
parte nessa nossa ignorância sobre a vizinhança. Mas para além de séculos de
História olhando pro Atlântico e de costas para a América Latina, nossa escola
e nossa imprensa também têm suas parcelas no desconhecimento quase completo que
o brasileiro médio tem sobre nossos vizinhos. É pouquíssimo o que se ensina
sobre América Latina para nossas crianças e adolescentes. Provavelmente o
assunto mais abordado seja a Guerra do Paraguai, sempre naquela versão oficial
de que Solano Lopez era um terrível ditador que pôs em risco a soberania de
três jovens nações democráticas como Argentina, Brasil e Uruguai.
Heróis de esquerda ou de direita da libertação da
América Latina, como San Martin, Sucre, Hidalgo, Artigas, O´Higgins ou Simón
Bolívar, provavelmente jamais foram citados na maioria das nossas escolas.
Bolívar, aliás, que mais do que um brilhante militar foi um pensador com sólida
formação intelectual, passa inclusive em brancas nuvens em muitos cursos de
Ciência Política das universidades brasileiras, os mesmos nos quais Jay,
Madison e Hamilton, pais fundadores dos EUA, são leitura obrigatória.
E a imprensa? Quantos correspondentes do jornalismo
pátrio temos na América Latina? Muito poucos. Dizem que no passado foram até
mais, não sei. Quais os temas historicamente recorrentes nas nossas tevês,
revistas e jornais sobre nossos vizinhos? Copa Libertadores da América de
futebol, crise econômica argentina, o regime cubano, o comércio popular na
fronteira paraguaia, o tráfico de drogas, a Copa do Mundo de 1970 no México...e
vamos parando por aí. O brasileiro médio conhece quais personagens
latino-americanos? Maradona, Fidel Castro, Hugo Chávez e o Cháves, do SBT. E
tirando este último, provavelmente odeia os outros três.
Fato é que não sabemos quase nada da região do
mundo na qual estamos inseridos. Nossa elite branca e endinheirada sempre olhou
para a Europa (primeiro Lisboa, depois Paris e Londres), e de algumas décadas
pra cá tem Nova York e Miami como parâmetros. Não que as elites argentina,
venezuelana ou mexicana, ou qualquer outra, sejam muito diferentes. Mas enfim,
nossa elite tem como modelo os países ricos, e nutre ódio mortal por Cuba e seu
regime socialista.
Detesta também governos de esquerda mais recentes
da região, como nos casos de Venezuela e Argentina. Os termos venezuelização e
argentinização, cada vez mais usados em nosso país, que o digam. Nossa elite
talvez até nutra alguma simpatia pelo uruguaio Mujica, que apesar de
esquerdista tem sua agenda liberal de governo, calcada em direitos civis como
união homoafetiva e legalização da maconha. E nossa elite não tem formação e
informação suficientes para compreender outros governos de esquerda do
continente, como a Bolívia ou o Equador. Na dúvida, porém, dá-lhe adjetivos como
populistas e caudilhos a quaisquer governantes nacionalistas que surjam na
vizinhança.
Para a grande maioria de nós, brasileiros, seja
nossa elite, seja o cidadão médio influenciado por ela, países como a Bolívia e
o Peru são no máximo destinos turísticos exóticos. Colômbia e Venezuela, para
além dos estereótipos propagados na imprensa, seriam apenas rota de passagem
nas viagens aos EUA. O Equador e os países da América Central são tão
conhecidos entre nós quanto a Tailândia, Moçambique ou a Bulgária. E o que
dizer de Guiana e Suriname, que a rigor não são latino-americanos culturalmente
falando, mas que se proclamam cada vez mais sul-americanos? Bem, para o
brasileiro médio talvez a Guiana e o Suriname sejam tão familiares quanto
Netuno e Plutão. É uma pena!
(*) Wagner
Iglecias é doutor em Sociologia e professor do Curso de Graduação em Gestão de
Políticas Públicas e do Programa de Pós-Graduação em Integração da América
Latina da USP.
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