Por Wladimir Pomar
Havia esperanças, não apenas nas fileiras petistas, mas na esquerda em geral, que o quinto congresso do PT resultasse em mudanças substanciais, tanto em sua estratégia política quanto em seus métodos de organização e funcionamento interno. No entanto, numa dessas cegueiras que de vez quando acometem os partidos, estejam eles na esquerda ou na direita, a maioria dos delegados aprovou uma resolução, ou uma “carta”, que critica o passado, mesmo assim a meias, não discute o presente e promete o céu para o futuro.
Dizendo de outro modo, a maioria dos delegados, entre os quais se destacou a presente direção partidária, parece não enxergar o que está ocorrendo no país. Ignora que há uma ofensiva cerrada para liquidar o PT, utilizando-se principalmente das denúncias de corrupção. Tanto as denúncias que têm fortes indícios de verdade, como as que envolvem um ex-deputado do Paraná, quanto aquelas relacionadas com contribuições empresariais legalmente aceitas pelo partido, mas provavelmente originadas de “dinheiro sujo”.
Essa maioria não se deu conta que o PT, ao aceitar as contribuições empresariais, que antes combateu acertadamente, aceitou o beijo da morte. A contribuição empresarial aos partidos políticos, como afirmou o meliante Paulo Roberto Costa, é um adiantamento a serviços a serem prestados. Nessas condições, mesmo na hipótese de o partido jamais ter prestado serviços em troca dos “adiantamentos” recebidos, vale o que é considerado o método prevalecente em todos os demais partidos.
O PT passou a ser visto como igual aos demais. E há indícios de que alguns dirigentes e militantes também acharam normal adotar o método dos demais partidos e retribuir com “serviços” as contribuições empresariais. Nessas condições, ou o PT rompe com esse método, condena a contribuição empresarial para o partido e para seus candidatos, independentemente de a legislação a considerar “legal”, ou continuará com as veias abertas para ser sangrado pelo lado de lá.
Pouco adianta argumentar que todos os demais fazem o mesmo e não estão sendo perseguidos. Mesmo porque são os “demais” que estão operando para liquidar o PT. Nessas condições, é trágico que a maioria congressual tenha, até mesmo, revogado a meia sola adotada antes pelo diretório nacional do partido. Subordinou sua decisão ao que for aprovado no parlamento nacional, que tende a legalizar totalmente as contribuições empresariais a partidos e candidatos, e manter o sistema corruptor vigente.
Para piorar, a maioria do congresso decidiu manter o apoio à política de ajuste fiscal do governo. Não está sequer olhando para as pessoas nas ruas. Isto é, para a massa de novos desempregados. Para o crescimento da criminalidade alimentada pela propaganda de consumo. Para as greves de professores por salários mais dignos. Para o fechamento de lojas, que parece uma onda avassaladora. Para a retração dos investimentos. E para a crescente descrença no governo e no partido que formalmente o dirige.
Como os três macacos da fábula, essa maioria não vê, não ouve e não tem o que falar para o povo. Acredita no milagre de um ajuste que não deu certo nos anos 1990. Ajuste que tende a conduzir ao mesmo buraco a que o Brasil foi levado no final daquela década. Com uma diferença importante. Naquela ocasião, em 1998, o sistema financeiro internacional, o FMI, o Banco Mundial e os governos que comandam as “redes produtivas globais” realizaram operação salvamento de FHC. Agora, quando o fracasso se tornar irrevogável, vão jogar sobre o governo Dilma, com Levy e tudo, a pá de cal.
O problema dessa tragédia, para as esquerdas em geral, gostem elas ou não do PT, é que se esvairá a experiência de um partido de massas capaz de disputar o governo federal e os governos estaduais e municipais, no quadro das regras do jogo estipuladas pela burguesia dominante. Isto representará um novo processo de dispersão das forças populares e da esquerda. Alargará ainda mais o caminho para a ofensiva já em curso, não só da direita troglodita, mas também da direita reacionária e conservadora, com imensos prejuízos para os trabalhadores e o povo em geral. O futuro radioso previsto pela maioria do congresso do PT se transformará num futuro desagregador e fragmentado.
Não é preciso voltar muito na história para apreender o que aconteceu quando o antigo PCB, nos anos 1950, entrou em caminho idêntico, perdeu a hegemonia na esquerda e implodiu, incapaz sequer de esboçar uma resistência mínima ao golpe militar de 1964. Ao todo, foram necessários mais de 20 anos para criar um novo instrumento de agregação das esquerdas e dar-lhe capacidade de luta e disputa da hegemonia na sociedade. É essa tragédia que nos ameaça novamente.
Em contraposição a tudo isso, há a boa notícia de que a minoria que se opôs à alienação da maioria do congresso do PT cresceu para 45% dos delegados votantes. Isso, pelo menos, indica que ainda há vida nesse partido. Se essa minoria souber unificar-se em torno das questões estratégicas e sensibilizar a verdadeira militância que continua existindo nesse partido, pode estar dando um passo importante para evitar a tragédia.
Se, além disso, voltar-se para a reorganização dos núcleos de base do PT, para estimular o conjunto partidário a ouvir as camadas populares e intermediárias e participar ativamente de suas lutas e para transformar as lutas dispersas numa forte mobilização social, talvez a tragédia que nos ameaça seja evitada, e o PT volte a assumir o papel que se propôs em sua fundação.
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