Por Wladimir Pomar
Talvez seja um bom momento, para aqueles que estão preocupados com os rumos do PT, voltar na história e aprender um pouco com a experiência dos anos 1950 e 1960. No início desse período, os partidos com maior influência entre as camadas populares e de trabalhadoras eram o Partido Comunista (na ilegalidade) e o Partido Trabalhista. A maior expressão pública do PC era Luiz Carlos Prestes, o famoso Cavaleiro da Esperança, obrigado a viver na clandestinidade. Getúlio Vargas, que voltara à presidência da República eleito pelo voto, era sua grande figura e também o mentor de João Goulart, seu ministro do Trabalho.
A estratégia do PC, pelo menos até 1954, consistia em realizar uma revolução nacional e democrática, numa aliança dos operários com os camponeses, a pequena-burguesia e a burguesia nacional, contra o imperialismo e o latifúndio. Do ponto de prático, através de seus jornais legais, tomava Vargas como representante dessas forças inimigas e o atacava quase com a mesma ferocidade que a direita conservadora e reacionária. Esta, por seu lado, enxergava no “pai dos pobres” um populista e um nacionalista a serviço do comunismo, e operava abertamente para derrubá-lo através de um golpe militar.
O suicídio de Vargas, em agosto de 1954, marcou uma viragem na política prática do PC, que fora inicialmente tomado pelas camadas populares como um dos responsáveis pela morte do presidente. Num movimento brusco, sem explicitar seus próprios erros, o PC lançou pontes de união em direção ao Partido Trabalhista e também ao Partido Democrático Social, que tinha Juscelino Kubitschek como candidato presidencial às eleições de 1955. Antes tarde do que nunca, descobriu que a direita reacionária não desistira de se assenhorear do poder através do golpismo militar.
Essa viragem não se limitou, porém, ao aspecto tático. Ela teve implicações profundas nas concepções estratégicas, desencadeando um debate sobre o caminho da revolução brasileira e sobre o papel da burguesia nacional nesse processo. Parte considerável da direção do PC acreditava que essa classe era revolucionária, tinha interesse profundo na reforma agrária, e estava em condições inclusive de dirigir a chamada revolução democrático-burguesa. Outros setores do PC afirmavam que a burguesia brasileira tinha uma relação profunda com o latifúndio e com os capitais imperialistas e não tinha condições sequer de fazer sua própria revolução burguesa, sendo necessário elaborar uma alternativa democrática popular.
Em 1956, já vivendo uma semilegalidade, os setores do PC que acreditavam no papel revolucionário da burguesia nacional intensificaram seus laços com setores dessa classe e se empenharam em fazer com que os trabalhadores e os camponeses fossem menos radicais em suas demandas. Paralelamente a isso, sob a influência do Partido Comunista da União Soviética, adotaram a ideia de que o caminho da revolução seria pacífico, subordinaram a discussão dos problemas estratégicos à dicotomia entre as formas de luta pacífica ou armada, e mudaram de nome, passando a ser conhecido como PCB.
À medida que isso ocorria, entre 1956 e 1964, a influência do PCB começou a ser questionada através do surgimento de novas organizações políticas de esquerda, a exemplo da Polop e da AP. A expulsão de correntes internas que questionavam a linha que estava sendo imposta pela direção do partido, à direita e à esquerda, estreitou ainda mais o debate. E, à medida que se “depurava” dos dissidentes, a direção do PCB se considerava ainda mais certa em suas posições, acreditando piamente que sua aliança com o Partido Trabalhista a tornava capaz de esmagar qualquer tentativa de golpe militar e de ser galgada ao poder brevemente.
A quase total surpresa e inércia diante do golpe militar de 1964 foi o golpe de misericórdia naquelas ilusões e o início do fim do PCB. Uma implosão imediatamente após o golpe militar deu surgimento a diversos novos agrupamentos políticos dispostos à luta armada, embora antes houvessem defendido o caminho pacífico. Além disso, a fragmentação continuou ao longo dos 20 anos seguintes, até a transformação do PCB num partideco insignificante como o PPS. Prestes, seu antigo líder máximo, chegou a ser expulso e viu seu mito minguar, mesmo antes de morrer.
As forças populares e revolucionárias só conseguiram montar um novo projeto político de massas no início dos anos 1980, com a fundação do Partido dos Trabalhadores. Se compararmos a trajetória do PT, a partir de 1994, com a do antigo PCB, a partir de 1956, seremos obrigados a enxergar semelhanças preocupantes. A partir de meados dos anos 1990, o PT começou a achar normal submeter-se à contribuição empresarial para suas campanhas eleitorais, ver seus núcleos de base serem substituídos pelos mandatos parlamentares, e adotar uma estratégia que se contentava com a melhoria do padrão de renda do povo, deixando de lado as reformas estruturais indispensáveis para consolidar o desenvolvimento econômico e social num sentido socialista.
A submissão às contribuições financeiras empresarias, fonte primária da corrupção política, levou à crise de 2005 e à primeira dissidência séria nas hostes petistas. Como de lá para cá quase nada mudou na orientação estratégica e na relação com as contribuições empresariais, e o governo formalmente dirigido pelo PT adotou uma política de ajuste que penaliza os trabalhadores e as camadas populares e coloca em risco o desenvolvimento econômico e social, o perigo de implosão aumentou.
Essa sensação se torna ainda mais real quando se ouve dizer que a proibição imposta pelo Diretório Nacional do PT ao recebimento de contribuições empresariais não está sendo observada por vários diretórios a pretexto de que tal proibição não é válida para as dívidas contraídas na última campanha eleitoral. E que, diante desse escárnio à sua própria decisão, o Diretório Nacional teria expedido uma nota afirmando que os diretórios locais podem continuar a receber contribuições empresariais até a realização do Congresso do partido, em junho.
Além disso, têm pipocado notícias na imprensa sobre ações de grupos parlamentares do PT utilizando-se da máquina pública para proveito próprio. Diante de tudo isso, há sérias razões para acreditar na existência de correntes internas no partido que ainda não se deram conta de que o estão empurrando para um fim semelhante ao do antigo PCB. O pior é que, se isso ocorrer, em termos da esquerda em geral talvez seja necessário mais algumas décadas para reerguer um projeto político semelhante ao que foi o Partido dos Trabalhadores em sua primeira dezena de anos.
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