Por Wladimir Pomar
No
texto anterior cometi um engano: a primeira greve, de máquinas
paradas, foi na Scania, não na Volvo. Foi ela que deu partida às
greves dos metalúrgicos do ABC. E à mobilização de inúmeros setores
democráticos e populares em apoio aos grevistas, sem paralelo nos anos do
regime militar. E exigiu esforços não previstos pelo governo militar para
debelar o movimento grevista. Ao contrário do que supunham os próceres do
regime, quanto mais eles se negavam a negociar com os grevistas, mais estes
eram alimentados pelo suporte de crescentes setores sociais.
Pouco
adiantou que o governo Figueiredo se esforçasse para demonstrar que o país
estava novamente diante de um poderoso movimento subversivo. E que muitos
jornais e televisões divulgassem que elementos e grupos subversivos procuravam
aproveitar-se das reivindicações trabalhistas para liquidar a ordem pública e
os valores caros à família e à sociedade. Reiteraram, incansavelmente, que os
projetos de abertura política do governo e do regime corriam perigo.
Pouco
adiantou, também, que Lula, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São
Bernardo e Diadema, assim como vários outros diretores e dirigentes sindicais,
tenham permanecido encarcerados por mais de um mês, enquanto o sindicato era
colocado sob intervenção. Como o próprio Lula se expressou então, “a gente
tentou dialogar e eles (governo e empresários) se trancaram por trás de
cassetetes e bombas. A gente quis negociar e eles nos enviaram helicópteros com
metralhadoras e ordens de prisão”.
Os
generais e civis do poder consideravam que as greves do ABC eram movimentos
subversivos que impediam a democratização pretendida pelo regime militar. Com
base nessa suposição, achavam possível liquidar qualquer mobilização grevista
que extravasasse para a oposição política. Sua tática consistia em desmoralizar
suas principais lideranças. Na frente estudantil, bastaria desconhecer suas
entidades não representativas e debelar quaisquer pressões contestatórias. Na
frente parlamentar, coibir manifestações agressivas e impróprias.
O
general Milton Tavares de Souza, então comandante do II Exército, afirmou que o
“movimento de 31 de março não termina(ria) nunca enquanto houve(sse) um bom
brasileiro, patriota. O movimento significa a luta por um grande ideal, o de um
Brasil potência e livre. Um país realmente democrático e livre do movimento
comunista internacional”.
No
entanto, o regime se confrontava com a impossibilidade de o Estado resolver os
problemas estruturais com os quais a sociedade se debatia. A crise econômica e
o baixo crescimento haviam se tornado irrecuperáveis. A contestação ao regime
não vinha mais apenas da pequena-burguesia radical de esquerda, mas
principalmente de um forte movimento operário e de crescentes setores da
própria burguesia, que perdiam a esperança de que o regime continuasse lhes
garantindo a segurança para a obtenção de altos lucros. Em termos gerais, a
ditadura encontrava crescentes dificuldades para institucionalizar o tipo de
democracia previsto em seu plano de distensão e abertura.
Nessas
condições, o governo militar teve que negociar com os grevistas, libertar as
lideranças presas e suspender a intervenção no sindicato. Embora muitos
historiadores não deem a devida importância a essa vitória do movimento
operário, popular e democrático, ela representou a viragem decisiva no processo
de democratização. Viragem que, paradoxalmente, ganhou ainda maior proporção
com o episódio do Riocentro, em 1981, no qual os setores terroristas da
ditadura procuraram criar pretextos para novo endurecimento do regime. Ao
contrário do que supunham seus mentores e agentes, a tentativa fratricida
acelerou o fim do regime, embora não tenha completado imediatamente sua
desestruturação.
Em
1982 ocorreram as primeiras eleições com a nova configuração partidária. Do MDB
emergiu o PMDB, o PTB e o PDT. O PP surgiu da aliança entre egressos do MDB e
da ARENA. Esta deu surgimento ao PDS. Fora dessa rearrumação, surgiu o PT, com
sindicalistas, militantes das comunidades de base da Igreja Católica,
militantes das antigas organizações revolucionárias, e alguns egressos do MDB.
O
PDS, partido representativo do governo militar, foi mal nas eleições. Fracassou
nos principais estados da federação e apresentou indícios claros de novas
disputas internas. Nessas condições, o Alto Comando das Forças Armadas
reconheceu que o país poderia tanto desaguar “nas águas mansas de uma
democracia cristalina” quanto “no torvelinho de radicalizações inconsequentes”.
Ou seja, já não tinha qualquer certeza sobre o processo de transição. Mas
continuava amarrado à suposição de que a democracia só poderia ser
reintroduzida no país se fosse comandada por algum representante militar.
O
Alto Comando do Exército articulava-se para definir seu escolhido. O general
Walter Pires, ministro do Exército, em completa dissintonia com a realidade,
assegurava que não seria alçado a futuro chefe de governo quem não tivesse os
predicados que o capacitassem a alcançar a democracia, “cujos pilares foram
erguidos e serão mantidos pelos ideais da revolução de março de 1964”. Rumores
provenientes do Palácio do Planalto, do SNI e do Ministério do Exército
apontavam o general Octávio Madeiros como o candidato do regime a ser sagrado
em 1984.
O
problema é que o declínio da ditadura e de seu governo era visível. O governo
militar já não conseguia convencer ninguém que os problemas econômicos, sociais
e políticos advinham de situações estranhas ao sistema e ao país, a exemplo da
crise do petróleo, da escassez de financiamentos no mercado internacional, e do
crescimento exponencial da dívida externa. O descontentamento com a
situação econômica já não estava restrito à classe trabalhadora assalariada
operária. Assalariados de colarinho branco, pequena burguesia urbana e rural e
até parcelas da grande burguesia já não acreditavam que o regime pudesse tirar
o país da recessão.
A
inflação de 1963, que servira de motivo para o golpe militar, era de 78%. Em
1983, ultrapassara 230%. De 12 bilhões de dólares, a dívida externa passara a
mais de 100 bilhões de dólares. A economia do país passara a ser comandada pelo
FMI, e encontrava-se quase totalmente oligopolizada pelas multinacionais
estrangeiras. A recessão econômica intensificava o desemprego e o crescimento
daquilo que já se chamava de classe excluída, contando
com milhões de pessoas que mal sobreviviam nas periferias urbanas. O caos dos
transportes urbanos, da saúde, da educação, do saneamento era o retrato mais
visível do fracasso ditatorial.
Tal
quadro adverso, criado pelo próprio regime militar, levou o governo Figueiredo
a propor, em 1983, uma união nacional para tirar o país da crise. Pela primeira
vez, em 19 anos de regime militar, como afirma Rezende, “o consenso e a
conciliação passavam... a fazer parte das estratégias política e econômica do
governo”. Mas foram de pouca valia todos os esforços sugeridos pelo general
Golbery para reagir às contestações através dessas estratégias.
Ele
propusera estreitar os laços com os setores que tinham afinidade com o regime,
mas esses setores atiravam para todos os lados, inclusive contra o próprio
governo. Ele também queria estreitar os laços com aqueles setores que, embora
não afinados completamente com o regime, poderiam ser incorporados através de
uma “hábil e esclarecida manobra de cooptação por partes”. Tudo indica
que uma boa parte da direção do PCB acreditou nessa possibilidade, mas foi
brutalmente massacrada pelos “duros”.
Também
soou estranho que o general Figueiredo, de uma hora pra outra, tenha começado a
afirmar que a democracia que almejava era liberal e pluralista. Sua profissão
de fé liberal repelia as “ideologias bitoladas e truculentas”, não aceitava “a
imposição de cartilhas que, na sua arrogância, pretendem ser a vulgata do
pensamento, cartilhas a cujos ditados o cidadão haja de curvar-se passiva e
servilmente”, postulando, ao contrário, “a liberdade econômica, social e
política”. Desse modo, jogou no lixo tudo que grande parte de seus companheiros
do golpe de 1964 falaram a respeito da “democracia liberal”, como “porta de
entrada do comunismo”.
Nesse
contexto em que o governo parecia perder cada vez mais sua capacidade de
conduzir em ordem a retirada estratégica de salvaguarda das Forças Armadas, o
ano de 1983 agravou todos os aspectos da crise da sociedade brasileira. Como
reação, multiplicaram-se os saques a supermercados, os quebra-quebras e as
greves. Embora o governo teimasse em repetir que estava diante de um problema
de segurança nacional, as fraturas e cisões em seu seio o impediam de tomar
qualquer medida efetiva. Paralelamente, vereadores, prefeitos, deputados
estaduais e federais, senadores e governadores já não temiam fazer críticas e
atacar abertamente o governo militar, e impor a este a primeira derrota no
Congresso em muitos anos, ao rejeitar o Decreto-Lei n. 2024.
Estavam
criadas as condições para um ponto final no regime militar. Mas havia pelo
menos duas vias possíveis: eleições presidenciais diretas, impostas pelo povo
nas ruas e praças, ou eleições indiretas negociadas com o regime. Em ambos os
casos era necessário uma tática que colocasse em evidência a necessidade de
convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, com ampla liberdade
partidária e ampla participação democrática.
Fonte:
http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9646:submanchete260514&catid=14:wladimir-pomar&Itemid=88
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