segunda-feira, 17 de março de 2014

O Movimento dos Sem Terra (MST) chegou ao Vaticano: João Pedro Stedile


Por Leonardo Boff

Seguramente o Movimento dos Sem Terra (MST) é polêmico, porque aborda uma questão que sempre foi polêmica na história do Brasil: a questão da terra.  Segundo Noam Chomsky, um dos intelectuais norteamericanos mais lúcidos e analista agudo das políticas mundiais, também um dos fundadores do Forum Social Mundial, disse repetidas vezes que considera o MST o movimento social popular mais importante e articulado do mundo junto com a Via Campesina da qual faz parte. No seu seio não se discute apenas a reforma agrária que nunca foi feita, embora esteja na Constituição de 1988, mas o futuro do planeta Terra, a preservação de sua vitalidade e integridade e o destino da Humanidade que está seriamente ameaçado. Seu sonho é grande, do tamanho de nosso mundo. E assim deve ser. Mas fundamentalmente a questão pela qual se originou o MST e  sempre se bate é garantir terra para quem quer nela viver e trabalhar para seu próprio sustento e para o consumo do povo brasileiro (60% de nosssa alimentação não vem do agronegócio mas da agricultura familiar e das pequenas corporativas). Pelo fato de nunca se ter feito reforma agrária, apenas políticas agrárias, temos a favelização de nossas cidades. Sem incentivos, longe de tudo, da escola, do hospital,do serviço  bancário,  da cultura e do lazer, milhões de camponeses deixam, pesarosos, suas terras e vão inchar as periferias das cidades. Como para os pobres quase sempre só se fazem  políticas pobres, dificilmente se consegue organizar e urbanizar as favelas (os que nelas habitam, com razão, as chamam de comunidades). Daí se cria o caldo da violência, do tráfico de drogas, dos milicianos, do rolezinhos e outros epifenômenos. O que caracteriza o MST é sua militância, sua persistência na luta, sua capacidade de unir formação política com vontade de transformação social. Não sem razão possuem um rede de escolas inspiradas no método de Paulo Freire e até um Centro de Estudo e Reflexão, verdadeiro embrião de Universidade, a Escola Florestan Fernandez no Estado de São Paulo. Um de seus coordenadores e animadores é João Pedro Stedile. Pode-se fazer todo tipo de crítica a ele, a grande maioria injustificada, mas não se pode negar sua capacidade analítica, sua lucidez política e a determinação com que defende a visão que o MST desenvolveu sobre o Brasil que queremos e que devemos juntos construir: justo, solidário, ecológico, dialogal, cooperastivo em todas as questões que movem a Humanidade. Publicamos aqui uma de suas muitas entrevistas. Os leitores/as poderão se fazer uma opinião pessoal do teor de seu pensamento, tão distorcido e combatido por um tipo de midia que, ao atacá-lo, está na verdade, recusando reformas sociais includentes que lhes tolherão  privilégios construídos contra os interesses da grande maioria. Eu pessoalmente o considero uma das lideranças mais corajosas, desprendidas e organica e visceralmente ligadas à causa dos mais prejudicados e penalizados pelo tipo de sociedade que temos construído na nossa história.Sua opção mais que ideológica possui um alto teor ético e humanístico:L.Boff


1.Falando sobre a bandeira símbolo do MST (Movimento dos Sem Terra). Qual a situação da reforma agrária no país hoje?
O Brasil nunca teve um programa de reforma agrária, que de fato se propusesse a democratizar o acesso a terra e garantir terra aos pobres do campo.  Então de acordo com a correlação de forças, as vezes avançamos e conseguimos mais assentamentos e outros períodos o capital avança e impede que tenhamos desaporpirações.  E essa é a situação atual.  Nem temos reforma agrária, e mesmo os processos de conquistas de novos assentamentos estão parados.  E isso se deve a que há uma especulação dos preços das commodities agrícolas que aumentou o lucro dos fazendeiros e jogou o preço das terras nas nuvens.  O capital  está impondo o agronegócio ocmo única forma de se produzir.  E se completa com o governo Dilma, que é hegemonizado pelo agronegócio. Os que defendem a reforma agrária dentro do governo são minoritários.   E pior ainda, há uma incompetência administrativa do Incra impressionante, que não consegue resolver os mínimos problemas, mesmo de quem já esta assentado.

2.- Como as mudanças projetadas pelo MST no campo impactariam as pessoas que vivem nas cidades?
 Diante dessa situação adversa, nós passamos os últimos dois anos debatendo com nossa base, nossa militância e construímos a idéia da necessidade de um programa de reforma agrária popular.   Que representasse mudanças necessáriaspara todo povo e não apenas para os sem-terra.  E no nosso programa colocamos a necessidade de fazer amplas desarpopriações dos maiores latifúndios, começando pelas empresas estrangeiras.  Precisamos priorizar a produção de alimentos.  Precisamos produdizr sem agrotóxicos para que o povo da cidade tenha saúde.  Precisamos adotar a agroecologia como uma nova matriz de produtção em equilíbrio com a natureza.  Precisamos instalar agroindústrias na forma cooperativa, para dar emprego aos jovens do campo, estancar o êxodo e distribuir renda.  E finalmente precisamos democratizar o acesso a escola em todos os níveis.  Essa é na essência nossa proposta de reforma agrária.  

 3.- Você esteve recentemente na Pontifica academia de ciências, no Vaticano, a convite do Papa Francisco  discutindo a questão da fome no mundo. Que impressões teve desse encontro?
 Causou a todos surpresa, pois pela primeira vez o Vaticano convocou dois movimentos sociais,o MST e o movimento dos Cartoneros (catadores de material reciclavel) da Argentina,  para debater com bispos, intelectuais e cientistas que fazem parte da Academia, qual é a causa dos pobres, dos excluídos e de tantos problemas econômicos.
Colocamos nossa visão sobre a etapa atual do capitalismo financeiro e internacional, que está dominando o mundo, e que são os principais responsáveis.  As 300 maiores empresas do mundo, controlam 60% de toda riqueza.  Um por cento dos ricos controlam metade de toda riqueza da humanidade.  Sem combater a esse sistema, não teremos uma sociedade mais igualitária, mais justa e democrática.
O seminário agora terá certamente outros desdobramentos, com outros encontros promovidos pelo Papa Francisco, que está nos surpreendendo a todos..  .

4. O MST foi o principal movimento social do Brasil nas últimas décadas. Agora, surge como principal ator social a juventude. Qual sua opinião sobre os movimentos de juventude da atualidade?
As mobilizações da juventude, em qualquer sociedade, são sempre uma espécie de termômetro, que indicam a temperatura de indignação de toda sociedade. E aqui não foi diferente. Apesar dos avanços que houve nos últimos dez anos em relação ao neoliberalismo, porem,  os trabalhadores enfrentam ainda graves problemas, que afetam também a juventude.  E a juventude foi para a rua dizer em nome de todos nós, que precisamos de mudanças sociais.  Mudanças no regime político, que não representa a ninguém.  Mudanças na política econômica. E mais estado e poder publico atendendo as necessidades do povo, na saúde, educação e transporte publico de qualidade.

5.- Como o MST está pensando em dialogar ou se articular com essa juventude?
Em todas as mobilizações  nós procuramos participar com nossa militância, apesar de que nossa base social esta longe das capitais.  Seguimos incentivando a que juventude se organize, se mobilize.
E ao mesmo tempo contribuímos na construção de plenárias estaduais e nacionais de todos os movimentos sociais, que envolve todos os setores, desde o movimento sindical ate as pastorais, para discutirmos os rumos do pais, e a necessidade de uma reforma política.

6.- Você acha que as manifestações de junho protagonizadas por esses jovens foram uma surpresa pela proporção e impacto que tomaram?
Foram surpresa pela forma e rapidez como aconteceram.  Mas todos os militantes sociais, sabiam que os problemas que o povo está enfrentando nas grandes cidades  estavam aumentando e latentes.Veja a situação dos transportes públicos: é um caso, perde-se horas no transito e caro.  Enqaunto o governo isenta IPI e incentiva o transporte individual, que as multinacionais automobilísticas agradecem.   O atendimento da saúde publica é uma vergonha. E isso pelo menos destravou o programa Mais médicos, que é uma coisa boa.  E na educação, temos graves problemas, desde elevada taxa de analbetismo, que atinge 18 milhões de trabalhadores adultos até o fato de 88% da juventude em idade universitária, não consegue entrar na universidade.
Por outro lado, a política institucional no Brasil foi seqüestrada pelos financiadores de campanha, que transformam os eleitos em reféns do capital. E o povo a juventude não se sente mais representado nos parlamentares, no sistema político.
Então, dia mais, dia menos, esses problemas apareceriam.  E apareceram no melhor lugar possível:. Nas ruas!  Que o melhor lugar da juventude praticar a democracia.

7.- Qual o saldo das mobilizações de junho para a luta política no país?
 Em termos de conquistas reais, foi ainda pequeno, porque barraram apenas o aumento das tarifas.  Mas o  saldo político é fantástico.  Recolocou a política nas ruas.  Recolocou o debate das mudanças necessárias.  E  colocou na pauta a reforma política e a necessidade da convocação de uma assembléia constituinte. E o processo está ainda em curso, tende a aumentar.

 8.- No balanço de 2013, os movimentos levantaram alguns retrocessos na política econômica nacional. A que se deveu esse retrocesso?
 A política econômica do governo federal é um dos palcos centrais da luta de classes da sociedade brasileira.  Pois é através dela que as classes dividem a riqueza produzida todos os dias pelos trabalhadores.  E há uma pressão permanente dos bancos, e das grandes empresas, para abocanharem os recursos públicos, na forma de juros.  Na forma de empréstimos favorecidos no BNDES, na forma de emendas parlamentares, na forma de isenção de impostos.  E do lado dos trabalhadores precisamos disputar para que esses recursos, que são públicos, que são de todo povo sejam priorizados nos investimentos da educação, da saúde, da reforma agrária e dos transporte públicos nas grandes cidades.
E nessa luta, acho que em 2013, a classe trabalhadoura saiu perdendo. Os bancos abocanharam 280 bilhões de reais do tesouro em juros.  O banco central dominado pelos bancos aumentou a taxa de juros.  O cidadão comum, o comercio e a industria pagam taxas de juros que variam de 40% a 144% ao ano. Isso é uma afronta.
E o governo ficou administrando, sem coragem e força, para brecar o poder econômico, porque parte do governo está impregnado por esses interesses.

9. - A direita e a esquerda estão apostando que as mobilizações voltarão no período da Copa do mundo. Há risco de as mobilizações, que são um sinal de desejo de mudança, contribuírem com as forças conservadoras? Isso pode ser usado no jogo eleitoral?
 Mobilizações massivas sempre ajudam a fazer debate político na sociedade.  A direita brasileira, não tem nem base social, nem discurso, nem proposta para mobilizar milhões. Porque seria mobilizar contra os interesses do povo. As mobilizações mais do que bem vindas, são necessárias, para seguirmos mudando o pais, para termos mais  Estado a serviço do povo. Mais recursos para  a educação, saúde. Os que tem medo do povo, é porque já estão longe de seus interesses. 
Nenhuma mudança social ocorreu na historia da humanidade, sem que tenha havido mobilização popular.Nenhuma mudança acontece pela” vontade generosa” de algum governante ou guru.
Em relação ao calendário, torço para que as mobilizações de rua comecem logo,  pois no período da realização da copa, vai confundir a cabeça do povo, que quer ver a copa, e pode reduzir as mobilizações como se fossem apenas protesto pelo dinheiro gasto nas obras.   O dinheiro que foi gasto nos estádios, em torno de 8 bilhões, claro que poderiam ser melhor aplicados, porem eles representam apenas duas semanas do volume de recursos que o governo passa para os bancos.  Entao a cada duas semanas temos uma copa do tesouro nacional para os bancos.  E esses são os nossos inimigos principais, que precisamos denuncia-los e  derrota-los, dentro e fora do governo.

10.- O que esperar das eleições de 2014?
 Pessoalmente acho que não teremos grandes mudanças.  Nem nos eleitos, nem nas propostas que os eleitos defendem. Então as verdadeiras mudanças, não dependem mais do calendário eleitoral, vão depender  da capacidade da classe trabalhadora  construir um programa unitario de  medidas que a sociedade precisa para poder  resolver os problemas do quotidiano do povo.

11- O MST e outros movimentos sociais pretendem lançar alguma bandeira política e construir mobilizações neste ano?
Já está posta na rua, desde o segundo semestre do ano passado.  Nós participamos de  uma ampla frente popular, desde a CNBB, OAB, ABI CUT  e movimentos populares,  para juntos lutarmos por uma reforma política.
Uma reforma política que mude as regras do jogo, devolva ao povo o direito de escolher seus verdadeiros representantes, altere a correlação de forças na sociedade e abra portas, para que ocorram as outras reformas necessárias: a reforma urbana, a reforma agrária, a reforma educacional garantindo 10% do PIB para educação, a ampliação dos recursos para saúde, e o controle dos juros e do superávit primário.

12. – Em quais outras reivindicações você apostaria como as principais para 2014?
Esse é o salto político que os movimentos populares vamos precisar dar.  Mais do que pautas especificas de reindivicações, que cada setor social, vai continuar lutando para atender as necessidades de sua base, agora é fundamental consturirmos uma unidade programática, em torno dos temas políticos.   Unidade para fazer um grande mutirão naiconal e fazermos trabalho de base para discutir com o povo, que mudanças políticas queremos?   E a partir desse debate  organizar  um plebiscito popular na semana de sete de setembro, para que o povo vote,  na possibilidade ou não da convocação de uma assembléia constituinte, eleita de forma soberana, sob outras regras, e exclusiva para fazer a reforma política do pais.
Tenho esperanças de que poderemos mobilizar a milhões de brasileiros nessa missão, e com isso aglutinar forças para pressionar os três poderes da republica para convocar a assembléia constituinte em 2015.
João Pedro Stedile, 25 de janeiro de 2014, São Paulo, entrevista a Brasil de Fato


  
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