Por
Leonardo Boff
Seguramente o Movimento dos Sem Terra (MST) é polêmico,
porque aborda uma questão que sempre foi polêmica na história do Brasil: a
questão da terra. Segundo Noam Chomsky, um dos intelectuais
norteamericanos mais lúcidos e analista agudo das políticas mundiais, também um
dos fundadores do Forum Social Mundial, disse repetidas vezes que considera o
MST o movimento social popular mais importante e articulado do mundo junto com
a Via Campesina da qual faz parte. No seu seio não se discute apenas a reforma
agrária que nunca foi feita, embora esteja na Constituição de 1988, mas o
futuro do planeta Terra, a preservação de sua vitalidade e integridade e o
destino da Humanidade que está seriamente ameaçado. Seu sonho é grande, do
tamanho de nosso mundo. E assim deve ser. Mas fundamentalmente a questão pela
qual se originou o MST e sempre se bate é garantir terra para quem quer
nela viver e trabalhar para seu próprio sustento e para o consumo do povo
brasileiro (60% de nosssa alimentação não vem do agronegócio mas da agricultura
familiar e das pequenas corporativas). Pelo fato de nunca se ter feito reforma
agrária, apenas políticas agrárias, temos a favelização de nossas cidades. Sem
incentivos, longe de tudo, da escola, do hospital,do serviço
bancário, da cultura e do lazer, milhões de camponeses deixam, pesarosos,
suas terras e vão inchar as periferias das cidades. Como para os pobres quase
sempre só se fazem políticas pobres, dificilmente se consegue organizar e
urbanizar as favelas (os que nelas habitam, com razão, as chamam de
comunidades). Daí se cria o caldo da violência, do tráfico de drogas, dos
milicianos, do rolezinhos e outros epifenômenos. O que caracteriza o MST é sua
militância, sua persistência na luta, sua capacidade de unir formação política
com vontade de transformação social. Não sem razão possuem um rede de escolas
inspiradas no método de Paulo Freire e até um Centro de Estudo e Reflexão,
verdadeiro embrião de Universidade, a Escola Florestan Fernandez no Estado de
São Paulo. Um de seus coordenadores e animadores é João Pedro Stedile. Pode-se
fazer todo tipo de crítica a ele, a grande maioria injustificada, mas não se
pode negar sua capacidade analítica, sua lucidez política e a determinação com
que defende a visão que o MST desenvolveu sobre o Brasil que queremos e que
devemos juntos construir: justo, solidário, ecológico, dialogal, cooperastivo
em todas as questões que movem a Humanidade. Publicamos aqui uma de suas muitas
entrevistas. Os leitores/as poderão se fazer uma opinião pessoal do teor de seu
pensamento, tão distorcido e combatido por um tipo de midia que, ao atacá-lo,
está na verdade, recusando reformas sociais includentes que lhes tolherão
privilégios construídos contra os interesses da grande maioria. Eu pessoalmente
o considero uma das lideranças mais corajosas, desprendidas e organica e
visceralmente ligadas à causa dos mais prejudicados e penalizados pelo tipo de
sociedade que temos construído na nossa história.Sua opção mais que ideológica
possui um alto teor ético e humanístico:L.Boff
1.Falando sobre a bandeira símbolo do MST
(Movimento dos Sem Terra). Qual a situação da reforma agrária no país hoje?
O
Brasil nunca teve um programa de reforma agrária, que de fato se propusesse a
democratizar o acesso a terra e garantir terra aos pobres do campo. Então
de acordo com a correlação de forças, as vezes avançamos e conseguimos mais
assentamentos e outros períodos o capital avança e impede que tenhamos
desaporpirações. E essa é a situação atual. Nem temos reforma
agrária, e mesmo os processos de conquistas de novos assentamentos estão
parados. E isso se deve a que há uma especulação dos preços das
commodities agrícolas que aumentou o lucro dos fazendeiros e jogou o preço das
terras nas nuvens. O capital está impondo o agronegócio ocmo única
forma de se produzir. E se completa com o governo Dilma, que é
hegemonizado pelo agronegócio. Os que defendem a reforma agrária dentro do
governo são minoritários. E pior ainda, há uma incompetência
administrativa do Incra impressionante, que não consegue resolver os mínimos
problemas, mesmo de quem já esta assentado.
2.- Como as mudanças projetadas pelo MST no
campo impactariam as pessoas que vivem nas cidades?
Diante
dessa situação adversa, nós passamos os últimos dois anos debatendo com nossa
base, nossa militância e construímos a idéia da necessidade de um programa de
reforma agrária popular. Que representasse mudanças necessáriaspara
todo povo e não apenas para os sem-terra. E no nosso programa
colocamos a necessidade de fazer amplas desarpopriações dos maiores
latifúndios, começando pelas empresas estrangeiras. Precisamos priorizar
a produção de alimentos. Precisamos produdizr sem agrotóxicos para que o
povo da cidade tenha saúde. Precisamos adotar a agroecologia como uma nova
matriz de produtção em equilíbrio com a natureza. Precisamos
instalar agroindústrias na forma cooperativa, para dar emprego aos jovens do
campo, estancar o êxodo e distribuir renda. E finalmente precisamos
democratizar o acesso a escola em todos os níveis. Essa é na essência
nossa proposta de reforma agrária.
3.- Você esteve recentemente na
Pontifica academia de ciências, no Vaticano, a convite do Papa Francisco
discutindo a questão da fome no mundo. Que impressões teve desse encontro?
Causou
a todos surpresa, pois pela primeira vez o Vaticano convocou dois movimentos
sociais,o MST e o movimento dos Cartoneros (catadores de material reciclavel)
da Argentina, para debater com bispos, intelectuais e cientistas que
fazem parte da Academia, qual é a causa dos pobres, dos excluídos e de tantos
problemas econômicos.
Colocamos
nossa visão sobre a etapa atual do capitalismo financeiro e internacional, que
está dominando o mundo, e que são os principais responsáveis. As 300
maiores empresas do mundo, controlam 60% de toda riqueza. Um por cento
dos ricos controlam metade de toda riqueza da humanidade. Sem combater a
esse sistema, não teremos uma sociedade mais igualitária, mais justa e
democrática.
O
seminário agora terá certamente outros desdobramentos, com outros encontros
promovidos pelo Papa Francisco, que está nos surpreendendo a todos.. .
4. O MST foi o principal movimento social do
Brasil nas últimas décadas. Agora, surge como principal ator social a
juventude. Qual sua opinião sobre os movimentos de juventude da atualidade?
As
mobilizações da juventude, em qualquer sociedade, são sempre uma espécie de
termômetro, que indicam a temperatura de indignação de toda sociedade. E aqui
não foi diferente. Apesar dos avanços que houve nos últimos dez anos em relação
ao neoliberalismo, porem, os trabalhadores enfrentam ainda graves
problemas, que afetam também a juventude. E a juventude foi para a rua
dizer em nome de todos nós, que precisamos de mudanças sociais. Mudanças
no regime político, que não representa a ninguém. Mudanças na política
econômica. E mais estado e poder publico atendendo as necessidades do povo, na
saúde, educação e transporte publico de qualidade.
5.- Como o MST está pensando em dialogar ou
se articular com essa juventude?
Em
todas as mobilizações nós procuramos participar com nossa militância,
apesar de que nossa base social esta longe das capitais. Seguimos
incentivando a que juventude se organize, se mobilize.
E ao
mesmo tempo contribuímos na construção de plenárias estaduais e nacionais de
todos os movimentos sociais, que envolve todos os setores, desde o movimento
sindical ate as pastorais, para discutirmos os rumos do pais, e a necessidade
de uma reforma política.
6.- Você acha que as manifestações de junho
protagonizadas por esses jovens foram uma surpresa pela proporção e impacto que
tomaram?
Foram
surpresa pela forma e rapidez como aconteceram. Mas todos os militantes
sociais, sabiam que os problemas que o povo está enfrentando nas grandes
cidades estavam aumentando e latentes.Veja a situação dos transportes
públicos: é um caso, perde-se horas no transito e caro. Enqaunto o
governo isenta IPI e incentiva o transporte individual, que as multinacionais
automobilísticas agradecem. O atendimento da saúde publica é uma
vergonha. E isso pelo menos destravou o programa Mais médicos, que é uma coisa
boa. E na educação, temos graves problemas, desde elevada taxa de
analbetismo, que atinge 18 milhões de trabalhadores adultos até o fato de 88%
da juventude em idade universitária, não consegue entrar na universidade.
Por
outro lado, a política institucional no Brasil foi seqüestrada pelos
financiadores de campanha, que transformam os eleitos em reféns do capital. E o
povo a juventude não se sente mais representado nos parlamentares, no sistema
político.
Então,
dia mais, dia menos, esses problemas apareceriam. E apareceram no melhor
lugar possível:. Nas ruas! Que o melhor lugar da juventude praticar a
democracia.
7.- Qual o saldo das mobilizações de
junho para a luta política no país?
Em
termos de conquistas reais, foi ainda pequeno, porque barraram apenas o aumento
das tarifas. Mas o saldo político é fantástico. Recolocou a
política nas ruas. Recolocou o debate das mudanças necessárias.
E colocou na pauta a reforma política e a necessidade da convocação de
uma assembléia constituinte. E o processo está ainda em curso, tende a
aumentar.
8.- No balanço de 2013, os movimentos
levantaram alguns retrocessos na política econômica nacional. A que se deveu
esse retrocesso?
A
política econômica do governo federal é um dos palcos centrais da luta de
classes da sociedade brasileira. Pois é através dela que as classes
dividem a riqueza produzida todos os dias pelos trabalhadores. E há uma
pressão permanente dos bancos, e das grandes empresas, para abocanharem os
recursos públicos, na forma de juros. Na forma de empréstimos favorecidos
no BNDES, na forma de emendas parlamentares, na forma de isenção de
impostos. E do lado dos trabalhadores precisamos disputar para que esses
recursos, que são públicos, que são de todo povo sejam priorizados nos
investimentos da educação, da saúde, da reforma agrária e dos transporte
públicos nas grandes cidades.
E
nessa luta, acho que em 2013, a classe trabalhadoura saiu perdendo. Os bancos
abocanharam 280 bilhões de reais do tesouro em juros. O banco central
dominado pelos bancos aumentou a taxa de juros. O cidadão comum, o
comercio e a industria pagam taxas de juros que variam de 40% a 144% ao ano.
Isso é uma afronta.
E o
governo ficou administrando, sem coragem e força, para brecar o poder
econômico, porque parte do governo está impregnado por esses interesses.
9. - A direita e a esquerda estão
apostando que as mobilizações voltarão no período da Copa do mundo. Há risco de
as mobilizações, que são um sinal de desejo de mudança, contribuírem com as
forças conservadoras? Isso pode ser usado no jogo eleitoral?
Mobilizações
massivas sempre ajudam a fazer debate político na sociedade. A direita
brasileira, não tem nem base social, nem discurso, nem proposta para mobilizar
milhões. Porque seria mobilizar contra os interesses do povo. As mobilizações
mais do que bem vindas, são necessárias, para seguirmos mudando o pais, para
termos mais Estado a serviço do povo. Mais recursos para a
educação, saúde. Os que tem medo do povo, é porque já estão longe de seus
interesses.
Nenhuma
mudança social ocorreu na historia da humanidade, sem que tenha havido
mobilização popular.Nenhuma mudança acontece pela” vontade generosa” de algum
governante ou guru.
Em
relação ao calendário, torço para que as mobilizações de rua comecem
logo, pois no período da realização da copa, vai confundir a cabeça do
povo, que quer ver a copa, e pode reduzir as mobilizações como se fossem apenas
protesto pelo dinheiro gasto nas obras. O dinheiro que foi gasto
nos estádios, em torno de 8 bilhões, claro que poderiam ser melhor aplicados,
porem eles representam apenas duas semanas do volume de recursos que o governo
passa para os bancos. Entao a cada duas semanas temos uma copa do tesouro
nacional para os bancos. E esses são os nossos inimigos principais, que
precisamos denuncia-los e derrota-los, dentro e fora do governo.
10.- O que esperar das eleições de 2014?
Pessoalmente
acho que não teremos grandes mudanças. Nem nos eleitos, nem nas propostas
que os eleitos defendem. Então as verdadeiras mudanças, não dependem mais do
calendário eleitoral, vão depender da capacidade da classe trabalhadora
construir um programa unitario de medidas que a sociedade precisa
para poder resolver os problemas do quotidiano do povo.
11- O MST e outros movimentos sociais
pretendem lançar alguma bandeira política e construir mobilizações neste ano?
Já
está posta na rua, desde o segundo semestre do ano passado. Nós
participamos de uma ampla frente popular, desde a CNBB, OAB, ABI
CUT e movimentos populares, para juntos lutarmos por uma reforma
política.
Uma
reforma política que mude as regras do jogo, devolva ao povo o direito de
escolher seus verdadeiros representantes, altere a correlação de forças na sociedade
e abra portas, para que ocorram as outras reformas necessárias: a reforma
urbana, a reforma agrária, a reforma educacional garantindo 10% do PIB para
educação, a ampliação dos recursos para saúde, e o controle dos juros e do
superávit primário.
12. – Em quais outras reivindicações você
apostaria como as principais para 2014?
Esse é
o salto político que os movimentos populares vamos precisar dar. Mais do
que pautas especificas de reindivicações, que cada setor social, vai continuar
lutando para atender as necessidades de sua base, agora é fundamental
consturirmos uma unidade programática, em torno dos temas
políticos. Unidade para fazer um grande mutirão naiconal e fazermos
trabalho de base para discutir com o povo, que mudanças políticas
queremos? E a partir desse debate organizar um
plebiscito popular na semana de sete de setembro, para que o povo vote,
na possibilidade ou não da convocação de uma assembléia constituinte, eleita de
forma soberana, sob outras regras, e exclusiva para fazer a reforma política do
pais.
Tenho
esperanças de que poderemos mobilizar a milhões de brasileiros nessa missão, e
com isso aglutinar forças para pressionar os três poderes da republica para
convocar a assembléia constituinte em 2015.
João
Pedro Stedile, 25 de janeiro de 2014, São Paulo, entrevista a Brasil de
Fato
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