Por Saul Leblon
A
derrubada violenta de Jango em 1964 foi antecedida, a exemplo do que se fez com
Vargas dez anos antes, e da tentativa frustrada contra Lula, 41 depois, de uma
campanha midiática de ódio e acusações de corrupção contra o seu governo e a
sua pessoa.
As
motivações também se assemelhavam.
E não eram
aquelas estampadas pelo alarido moralista.
O governo
Jango, como o de Vargas --e o ciclo
atual do PT— buscava revestir o desenvolvimento brasileiro de
travas de soberania e direitos
sociais inaceitáveis pelo dinheiro graúdo de ontem e de hoje.
Jango
ensaiava expandir o alicerce varguista, ao qual servira como ministro do
Trabalho, com o impulso a reformas de
base dotadas de expressivo apoio popular.
Nos
jornais, no entanto, o clima era adverso.
A
crispação editorial desenhava um Brasil aos cacos, uma sociedade a caminho do
esfarelamento econômico e social.
O jogral
do desgoverno, do desabastecimento e da infiltração estrangeira e marxista
servia o medo no café da manhã; guarnecia o jantar com a insegurança do dia
seguinte.
Pesquisas
do Ibope sonegadas então à opinião pública, e assim ocultadas por mais de 40
anos, contradiziam o bombardeio diuturno das expectativas veiculadas pelos órgãos de comunicação.
A mídia
agia ostensivamente como parte
interessada no assalto ao poder que interrompeu um governo democrático,
instaurou uma ditadura, suspendeu as liberdades e garantias individuais,
sufocou o debate das reformas estruturais requeridas pelo desenvolvimento.
Para isso
denegriu, mentiu, prendeu, matou, torturou e censurou.
Foi dela a
iniciativa de convocar o pânico e a mentira e com eles sabotar o debate plural
sobre o passo seguinte da história brasileira, cercando-a de interditos
ideológicos e moralistas.
Ontem como
hoje, seu papel foi decisivo para levar a classe média a incorporar um
discernimento preconceituoso e golpista
à sua visão do desenvolvimento brasileiro.
E mesmo
assim, só uma parte dela.
Os dados
coletados pelo Ibope, em enquetes de opinião realizadas às vésperas do
golpe (e hoje armazenados no Arquivo
Edgar Leuenroth, da Unicamp), mostram uma realidade distinta daquela
cristalizada na narrativa hegemônica.
O conjunto
assume incontornável atualidade quando
cotejado com a ênfase predominante no aparato midiático do Brasil, Argentina ou
da Venezuela nos dias que correm.
Pesquisas
levadas às ruas entre os dias 20 e 30 de março de 1964, quando a democracia
era sofregamente tangida ao matadouro
pelos que bradavam em sua defesa, mostram que:
a) 69% dos
entrevistados avaliavam o governo Jango como: ótimo (15%); bom (30%) e regular
(24%).
b) Apenas
15% o consideravam ruim ou péssimo, fazendo eco do martelete midiático.
c) quase
50% ( 49,8%) cogitavam votar em Jango, caso ele se candidatasse à reeleição em
1965 (41,8% rejeitavam essa opção).
d) 59%
apoiavam as medidas anunciadas pelo Presidente na famosa sexta-feira, 13 de
março , quando assinaria decretos que expropriavam terras às margens das
rodovias para fins de reforma agrária,
nacionalizaria refinarias,
comprometia-se com a reforma urbana, fiscal e educacional.
As
pesquisas sigilosas compõem agora o desconcertante contrapelo das manchetes
golpistas que podem ser acessadas em modernos bancos de dados, ou lidas nas
edições correntes dos mesmos veículos, escritos e dirigidos pela mesma cepa que urdiu a fraude informativa de 1964.
Um
jornalismo que oculta elementos da equação política e econômica, exacerba
adversidades, manipula o debate e interdita as soluções requeridas pelo
desenvolvimento –a exemplo do que fez
com a agenda das reformas de base em 1964.
Em editorial escrito com a tintura do cinismo oportunista,
um dos centuriões daquelas jornadas, o diário O Globo, fez recentemente a
autocrítica esperta de sua participação no episódio.
Como
certos confidentes da ditadura, ora promovidos a historiadores do período, o
diário dos Marinhos escusa-se se no acessório para justificar a violência
golpista como inevitável diante do quadro extremado: o golpe viria de qualquer
jeito, um lado ou de outro, sugere-se.
Se havia
extremismo em bolsões à esquerda, a verdade é que a incerteza social e a
rejeição ao governo, como se vê pela pesquisa do Ibope, foram exacerbadas
deliberadamente para gerar o clima de animosidade insanável e legitimar
assim a ruptura institucional.
As
semelhanças com a engrenagem em movimento avultam aos olhos menos distraídos.
Esse é o
ponto a reter.
Ele faz da
rememoração do discurso que completa 50 anos nesta 5ª feira, um mirante
oportuno para enxergar não apenas o passado.
Mas a
partir dele arguir interrogações de latejante urgência no presente.
Em que
medida a reordenação de um ciclo de desenvolvimento pode ocorrer dentro da
democracia quando esta lhe sonega os meios para o debate e o espaço político
para construção das maiorias requeridas ao passo seguinte de uma nação?
O Brasil
dos anos 60 vivia, como agora, o
esgotamento de um ciclo e o difícil parto do seguinte.
As
reformas de base – a agrária, a urbana, a tributária, a política, a educacional
— visavam destravar potencialidades e recursos de um sistema exaurido.
O impulso
industrializante de Vargas, dos anos 30 a meados dos anos 50, e o do consumo , fomentado por Juscelino,
mostravam claros sinais de esgotamento.
Trincas
marmorizavam todo tecido social e econômico. Os remendos já não sustentavam o
corpo de uma sociedade que reclamava espaço para avançar.
Esgarçamentos
eram magnificados pelos guardiães da
estabilidade, a exemplo dos que agora clamam pelo rebaixamento da nota do
Brasil junto às agências de risco.
O déficit
público latejava entre as urgências do desenvolvimento e as disponibilidades
para financiá-lo sem uma reforma tributária corajosa.
O PIB
anêmico e a inflação renitente completavam a encruzilhada de um sistema
econômico a requerer um aggiornamento estrutural.
O conjunto
tinha como arremate a guerra fria, exacerbada na América Latina pela vitória da
revolução cubana, que desde 1959 irradiava uma alternativa à luta pelo
desenvolvimento regional.
O efeito
na vida cotidiana era enervante. Como o seria no Chile, nove anos depois; como
o é hoje, em certa medida, na Venezuela de Maduro; ou na Argentina de Cristina.
As
reformas progressistas propostas por
Jango estavam longe de caracterizar o alvorecer comunista alardeado
diariamente nas manchetes do udenismo midiático.
O que se
buscava era superar entraves --e
privilégios-- de uma máquina econômica
entrevada em suas próprias contradições.
Jango
pretendia associar a isso um salto de cidadania e justiça social, ampliando o
acesso à educação e aos direitos no campo e nas cidades para dar um novo
estirão ao mercado interno.
Diante do
salto ensaiado, convocada a democracia a
discutir as grandes avenidas do futuro brasileiro, os centuriões da legalidade
optaram pelo golpe.
Deram ao
escrutínio popular um atestado de incapacidade para formar os grandes consensos
indispensáveis à estabilidade e duração de um ciclo de expansão
produtiva e florescimento democrático.
Os ecos
persistentes desse período encerram uma
lição negligenciada por aqueles que ainda encaram o binômio 'mídia e regulação'
como um ruído contornável com a barganha de
indulgências junto a um aparato que em última instância deseja-lhes a
mesma sorte de Jango.
A verdade
é que nem mesmo um programa moderado de reformas e oxigenação social como o da coalizão centrista liderada
pelo PT é tolerável.
É
imperativo iluminar a seta do tempo que não se quebrou na atualidade das mudanças estruturais
reclamadas pelo país.
Em 13 de
março de 1964, Jango pronunciaria o
discurso memorável, que daria a essa agenda o lugar que ela ainda cobra na
história brasileira. E que a narrativa conservadora insiste em lhe sonegar.
Leia a íntegra do comício pronunciado pelo
Presidente João Goulart, na Central do Brasil, no dia 13 de março de 1964:
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