Por Ivo Lesbaupin
Sociólogo. Professor da UFRJ. Secretário-executivo do Iser Assessoria e membro da diretoria executiva da Abong.
É frequente a denúncia por parte de autoridades do governo de que
a grande mídia não faz outra coisa senão atacá-lo. Tem razão, em parte. Há
reportagens críticas a algumas políticas públicas, alguns jornalistas se
comprazem em encontrar falhas nas medidas tomadas (ou não tomadas) pelo
governo. Não poucas vezes, as reportagens e as manchetes exageram quando
analisam algum ato governamental – de Lula, até há pouco tempo, ou Dilma,
agora. Por exemplo, quando dizem que omensalãofoi a maior caso de
corrupção do país. Foi um caso de corrupção, sim, mas não foi a maior, nem
tampouco foi exclusivo do governo Lula: o apoio sistemático dado pelas maiorias
de algumas assembleias legislativas e de algumas câmaras municipais a seu
executivo –governador ou prefeito– só acontece porque existe um mensalão nestas assembléias legislativas e um mensalinho nestas câmaras. A mídia sabe disso;
porém, em nenhum momento do julgamento do mensalão preocupou-se em denunciar ou
investigar esta prática nas relações entre o poder executivo e o poder
legislativo de vários lugares do país. Nem naquele momento nem hoje.
No entanto, a grande mídia não faz só atacar o governo. Ela
aprova explicitamente várias das políticas desenvolvidas por este governo:
aprova o pagamento estrito da dívida pública –externa e interna– e de seus
juros, assim como o esforço para garantir o "superávit primário". E
quando pressiona pela redução dos gastos públicos, nunca diz que o maior destes
gastos públicos é o gasto com a dívida (quase metade do orçamento público em
2012: 44%). Os gastos que a mídia quer reduzir são os gastos em políticas
sociais – previdência social, saúde, educação, transporte... A grande mídia
aprova também o agronegócio, a construção de hidrelétricas na Amazônia, a
limitação dos direitos dos povos indígenas, as privatizações, os leilões das
áreas de exploração do petróleo. Ela não tem nada contra a reprimarização da economia que
está sendo implementada pelos últimos governos – Fernando Henrique Cardoso,
Lula e Dilma.
Em suma, o governo tem um grande apoio da mídia nestes
elementos essenciais de sua política. A profusão de críticas se dá em torno de
temas secundários.
Mas, não é disso que quero falar aqui. Na verdade, o
objetivo deste texto é mostrar que a mídia é assim por escolha deste governo. As
autoridades reclamam, protestam, mas nada fazem para mudar o ambiente dos meios
de comunicação deste país. Contrariamente ao que fizeram outros governos da
América Latina: Chávez, na Venezuela, enfrentou a oposição da Globo local e, hoje, há outros canais de
televisão -inclusive alguns públicos-, outros jornais e outras rádios naquele
país; Evo Morales enfrentou uma tentativa de golpe na Bolívia, conseguiu
debelá-la, e também enfrentou os barões da mídia local, abrindo a possibilidade
de outros canais de TV, jornais e rádios; Rafael Correia, no Equador, fez o
mesmo. Nenhum deles foi derrubado, ao contrário, foram reeleitos e têm um
ambiente de comunicação bastante equilibrado, onde estão presentes todas as
forças do país, não apenas a dos poderosos.
A Argentina de Cristina Kirchner enfrentou o
"império" de comunicação no país, apoiou a mobilização dos movimentos
sociais e organizações da sociedade civil e conseguiu a aprovação no Congresso
de uma legislação que é considerada por muitos como a mais avançada do
continente.
No Brasil, houve um esforço, no decorrer do governo Lula,
de mudar a situação da comunicação no país. Nos últimos anos do seu governo, o
responsável por esta área, Franklin Martins, depois de uma série de debates com
as organizações da sociedade civil, entregou às autoridades um projeto neste
sentido. No governo Dilma, este projeto não avançou. E, há pouco tempo, o
Ministério da Comunicação veio a público dizer que não vai mexer nesta questão
neste mandato.
Em outras palavras, os interesses dominantes controlam a
comunicação no Brasil porque o governo permite que assim seja. Hoje, a
"liberdade de expressão" só existe para a grande mídia – um
oligopólio do chamado pensamento
único. Se efetivamente o governo quisesse abrir a possibilidade de outros
canais de TV, jornais e rádios, que pudessem relatar os fatos e expressar os
pensamentos que hoje não têm espaço na mídia, o governo teria de tomar
providências nesta direção.
Nosso governo não é mais fraco que o de outros países da
América Latina: sendo assim, só podemos concluir que é por opção política que,
hoje no Brasil, os meios de comunicação continuam apropriados por um pequeno
grupo de "donos da verdade”.
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