Editorial Correio da Cidadania, 13/02/2015.
O cidadão e eleitor brasileiro tem profundos e fartos motivos para se estupefar a cada novo dia. Até mesmo aqueles que jamais acreditaram nas pífias promessas eleitorais da campanha petista para permanecer no governo.
Os primeiros sinais incontestes de uma rendição aprofundada ao ajuste neoliberal recessivo foram dados pelas escolhas dos nomes a estarem à frente dos ministérios de maior peso, com destaque para os novos mandatários da Economia e da Agricultura do país. De fazer corar até mesmo os representantes do tradicional conservadorismo.
Quanto às medidas anunciadas de ajuste fiscal, primaram pelo forte impacto que deverão ter no corte de despesas sociais e, consequentemente, em direitos adquiridos e assegurados na Constituição: Auxílio Doença, Seguro Desemprego, reajustes do Salário Mínimo, Pensão por Morte, Benefícios Previdenciários sofrerão duríssimas tesouradas. O objetivo maior é assegurar o superávit primário (receitas menos despesas fiscais) e poupar os rentistas da dívida pública, que devem ficar com R$ 1,356 trilhão, ou 47% do Orçamento de 2015 já aprovado na Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional (conforme avaliação do último editorial,2015 - ano duro pela frente).
Os argumentos mercadistas arrolados por ‘especialistas’ na justificativa do novo aparato recessivo rondam pelas margens do defasado, e de longa data desmentido, ‘ótimo funcionamento das forças do mercado’. Argumentos que contam com o beneplácito da mídia corporativa e o silêncio envergonhado dos governistas que, nos últimos 12 anos, tanto vocalizaram as benesses de um caricato ‘neo-desenvolvimentismo’ ou ‘Estado Desenvolvimentista’.
As semanas vão se passando e um quadro que pareceria surreal insiste em se insinuar aos olhos da população A uma crise hídrica e elétrica de proporções dramáticas - mas emblemáticas da crise de um modelo de “desenvolvimento” que nenhum dos últimos governantes da nação sequer ousou arranhar -, junta-se o noticiário da roubalheira do patrimônio nacional, patrocinada pela promiscuidade público-privada.
A esta conjuntura de tamanha gravidade, nenhum governante, sejam os da esfera federal, sejam os das esferas estadual e municipal, oferece resposta condizente com a complexidade que a situação exige.
Muito pelo contrário. Quando simplesmente não silenciam, expõem uma corriqueira ‘cara de paisagem’ ou veiculam argumentos frouxos à la "apesar de todo alarido, não há nenhuma prova contra o partido, nenhuma doação ilegal, nenhum desvio ".
E o final trágico, mas previsível, desse roteiro melancólico de acovardamento não poderia faltar: não seria outro que não um governo federal, do outrora Partido dos Trabalhadores, de joelhos frente a um dos congressos mais conservadores e fisiológicos da história. Um Congresso que agora tem o PMDB no comando do Câmara e do Senado e que, diante das últimas determinações econômicas restritivas do governo, e da sua fraqueza política, manobrou de modo a permitir que deputados estreantes passem a ter permissão para apresentar emendas parlamentares no valor de 10 milhões de reais cada um.
O que poderá significar mais de 2 bilhões de reais de um orçamento que pretende cortar 18 bilhões em benefícios trabalhistas e sociais.
Nesse cenário carimbado pela submissão, voltar à nova experiência grega é um exercício que se faz útil e necessário. Há léguas de distância do território nacional, trata-se de uma experiência que se desenvolve concomitantemente à brasileira, e que lhe serve como um contraponto inescapável e impactante.
Os gregos tentam demonstrar que é factível ser fiel à vontade do povo e governar enfrentando a lógica de um ajuste ortodoxo e de um capital sem fronteiras, que trituraram a Grécia. Assim como trituraram, a olhos vistos, o continente europeu.
São diuturnas as notícias que, do outro lado do oceano, vêm confrontar nossos obnubilados, hipócritas ou apáticos dirigentes. A trajetória do Syriza na Grécia é uma evidência de que, a despeito dos impasses e contradições que certamente vão enredar a sua atuação, é possível vencer uma eleição sem ‘carta ao povo grego’.
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