terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Conversando com versos (112): "Lendo um antigo filósofo", de Hermann Hesse (1877-1962)




"Lendo um antigo filósofo"


O que ontem possuía encantos e nobreza,
Fruto de séculos de pensamentos raros,
De chôfre empalidece, murcha e perde o 
                                        [sentido, 
Como as gavinhas de uma partitura,

Em que apagamos claves, sustenidos;
Desapareceu de um edifício
O centro mágico de gravidade,
A gaguejar vacila, desmorona,
Num eterno ecoar,
O que tinha aparência de harmonia.

Assim também um rosto
Velho e cheio de sabedoria, 
Que idolatrávamos, 
Amarrota-se e, pronto para a morte, 
Tremula sua fulgurante luz espiritual, 
Em um jôgo lastimoso e erradio
De rugas miudinhas.

Assim também um elevado sentimento
Pode em nossos sentidos, num instante,
Em esgares transformar-se em dissabor, 
Como se há muito possuísse dentro de si
O saber de que tudo apodrece,
Tudo tem de murchar e de morrer.

E sôbre êsse nojento vale de cadáveres
Se estira dorido, e no entanto incorrupto,
O espírito saudoso de fanais ardentes,
Combate a morte e torna-se imortal.

Tradução:  Flávio Vieira de Souza



Fonte: Hesse, Hermann. O jogo das contas de vidro. 8ª ed. Rio de Janeiro: Record, s/d, p. 356




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