quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Preliminares do reatamento EUA-CUBA




Por Frei Betto

Duas obsessões moveram a diplomacia de Cuba nas últimas décadas: libertar os cinco cubanos presos nos EUA, desde 1998, acusados de espionagem, e lograr a suspensão do bloqueio.

Estes foram os temas recorrentes de Fidel e Raúl ao receberem, em Havana, o papa João Paulo II (1998) e Bento XVI (2013). O primeiro sofreu todo tipo de pressão da administração George W. Bush para não ir a Cuba e, caso fosse, condenar publicamente o socialismo, como fizera em viagem à Polônia (1979).

João Paulo II não apenas viajou à Ilha do Caribe, como permaneceu ali quatro dias, encantou-se com Fidel Castro e elogiou em público as conquistas sociais da Revolução.

Bento XVI também decepcionou a Casa Branca ao visitar Cuba, em março de 2013. Nas duas visitas, fui convidado a assessorar o governo cubano, para “decifrar” a linguagem pontifícia, tanto nos discursos quanto nas atitudes.

Na viagem de João Paulo II tive, naquele trabalho, a companhia de Leonardo Boff e Pedro Ribeiro de Oliveira, do Brasil; Giulio Girardi, da Itália; e François Houtart, da Bélgica. Este havia sido colega de seminário de Karol Wojtyla, em Roma, e o acolhera em Bruxelas, nas férias de verão. A simpatia do papa Francisco por Cuba se deve aos bispos da Ilha. Papas têm, por princípio, de se posicionar frente a um país em consonância com a conferência episcopal local. Em Cuba, a Igreja Católica se opôs à Revolução, ao contrário das Igrejas protestantes, quase todas, aliás, de origem estadunidense.

A tensão entre Igreja Católica e Estado degelou, em Cuba, a partir de 1985, quando se publicou, na Ilha, o livro “Fidel e a Religião”, contendo a entrevista na qual o Comandante, evocando sua formação católica, falou positivamente de religião.

A entrevista motivou duas mudanças significativas: na Constituição do país, eliminando o caráter ateu do Estado e introduzindo o laico; e o Estatuto do Partido Comunista, que não mais condicionou seus filiados a se declararem ateus e passou a aceitar, em suas fileiras, militantes com fé.

Desde então avançou a aproximação da Igreja Católica com a Revolução, a ponto de a conferência episcopal condenar o bloqueio (e convencer Bento XVI a fazer o mesmo) e aceitar mediar a libertação de prisioneiros cubanos autorizados a deixar o país, atitudes que irritaram os anticastristas de Miami.

Cuba e EUA sempre mantiveram relações. Legações diplomáticas de ambos os países funcionaram em Washington e Havana. Parlamentares e empresários estadunidenses visitavam Havana, levando recados da Casa Branca, e amigos de Cuba, como Gabriel García Márquez, faziam ponte entre os irmãos Castro e presidentes dos EUA. Talvez um dia se conheça a correspondência secreta mantida entre os chefes de Estado dos dois países.

Em 2011, os EUA libertaram dois dos cinco cubanos presos. O papa Francisco, convencido da inocência dos cinco e da insensatez do bloqueio, entrou em cena desde que assumiu seu pontificado.

Foram muitos os trâmites entre Vaticano-Washington-Havana nos meses que precederam 17 de dezembro, quando Obama libertou os três cubanos que ainda estavam presos e anunciou uma política mais flexível nas relações com Cuba, a reabertura de embaixadas em ambos os países e admitiu o fracasso do bloqueio (“o isolamento não funcionou”).

Agora, cabe ao Congresso dos EUA suspender o bloqueio. Francisco nem precisa pressionar nesse sentido. Os interesses comerciais cuidarão disso.



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