Editorial Correio da Cidadania
2015 começa assombroso. À sensação de melancolia ao final de 2014, imposta por cenário econômico, ambiental e mundial em profunda degradação, juntam-se novos, desconcertantes e frustrantes fatos nesse início de ano.
Aqueles que porventura acharam que já estaria de bom tamanho uma anunciada equipe econômica que pressagiava uma dura ortodoxia econômica, de forma a responder às imposições feitas pelo mercado, viram-se diante de ocorrências ainda mais nefastas. Eis que Kátia Abreu, que afirma não existir mais latifúndio no Brasil, foi confirmada para a pasta da Agricultura; Gilberto Kassab, ex-prefeito de São Paulo, e conhecido desafeto dos movimentos populares da maior cidade da América Latina, é o novo ministro das Cidades; o novo ministro dos Transportes, Antonio Carlos Rodrigues (PR-SP), aprendeu política com Maluf e foi imposto à presidente pelo mensaleiro Waldemar Costa Neto; nos Esportes, o titular será o pastor George Hilton, homem que já foi apanhado pela Polícia Federal com caixas de dinheiro vivo e cuja sigla, o PRB, é controlada pela Igreja Universal.
Dentre os ministros escolhidos por dentro das hostes petistas, algumas de suas declarações chegaram a causar revolta naqueles que reavivaram a sua crença no tal ‘governo em disputa’, a partir de uma campanha eleitoral que ressuscitou iconografia e militância petistas. É o caso do novo ministro da Defesa Jaques Wagner, que, tão logo nomeado ministro, e mal encerrados os trabalhos da Comissão da Verdade, afirmou que pretende uma revisão apenas ‘suave’ da Lei de Anistia.
Pelo que se pode inferir da orientação ideológica dos novos ministros da área econômica, o que se promete de líquido e certo para o ano que se inicia é somente um forte ajuste fiscal e monetário - cortes de despesas correntes, altas nas taxas de juros e menor provisão de recursos do Tesouro para o BNDES, com vistas ao financiamento de investimentos, serão anúncios corriqueiros dos cadernos de economia.
Mas o que este economês significa para o cotidiano de todos nós? Pelo lado das receitas públicas, o cidadão arcará com reajustes em tarifas elétricas, de transportes, da água e do gás. Além do aumento dos preços do combustível. E quanto às despesas governamentais, este mesmo cidadão certamente continuará a contar com as políticas assistencialistas, como o Bolsa Família, determinadas desde os altos comandos do Banco Mundial. Uma compensação pelo mal maior que está em curso e que agora impactará com força direitos sociais adquiridos e assegurados na Constituição: Auxílio Doença, Seguro Desemprego, reajustes do Salário Mínimo, Pensão por Morte, Benefícios Previdenciários, todos eles, sem exceção, sofrerão duríssimos cortes, com o objetivo de incrementar o superávit primário (receitas menos despesas fiscais).
E onde está a mídia corporativa, de maior visibilidade, pra denunciar este que se pode chamar um estelionato eleitoral? Obviamente que somente levanta estes dados superficialmente, de forma a intrigar um governo que jamais engoliu. Em momento algum questiona, por exemplo, a evidência de que os verdadeiros privilegiados pelo orçamento público são os rentistas da dívida pública, que devem ficar com R$ 1,356 trilhão, ou 47% do Orçamento de 2015 já aprovado na Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional.
Quando chama os novos representantes da área econômica a seus estúdios para dar entrevistas, esta mesma mídia mostra-se cordata ao ouvir declarações como “deixa o sistema de preços funcionar que a economia responde". Nada de interpelá-los com a noção de que, em uma economia fortemente oligopolizada, como é o caso da brasileira, e com ampla gama de preços administrados, o sistema de preços responderá, mas em favor dos oligopólios.
Estamos, portanto, há anos luz da ideia do livre funcionamento das forças do mercado, que conduziria a escalas de produção e escolhas ótimas e racionais, e à felicidade geral dos consumidores diante de preços justos formados a partir da livre concorrência.
O cenário que se avizinha é de crescimento zero ou negativo do PIB per capita, com provável queda do nível de emprego, dos salários e dos investimentos público-privados financiados pelos bancos públicos. Cenário, por sua vez, que deverá agudizar a desigualdade na distribuição de renda e que caminhará em contradição até mesmo com as precárias condições e limitadas bases ‘desenvolvimentistas’ e ‘distributivistas’ em que se sustentaram o Programa De Aceleração do Crescimento ( o PAC) e as políticas sociais compensatórias do governo.
Qualquer crença na esquerdização desse governo, se não passava de quimera ou ingenuidade em uma campanha eleitoral que reivindicou o passado petista e lulista, beira agora a má-fé. A equipe que a presidente escolheu para auxiliá-la está aí, afinal, para não deixar dúvidas de que as decisões se dão “pelo caráter extraparlamentar do capital, que decide, no âmbito privado, e em causa própria, quem terá mais competência, capacidade de gestão e de persuasão para gerenciar a máquina do Estado. Mesmo porque as instituições políticas visam garantir a continuidade do poder econômico do capital sobre o trabalho, jamais superá-lo” (conforme as palavras da socióloga Maria Orlanda Pinassi, nessa mesma edição especial prospectiva, no artigo Adeus às ilusões! ).
O agravamento social inexorável que vem pela frente deve conduzir a uma escalada na frustração popular com o novo governo, que pode desembocar em lutas emancipatórias – uma possibilidade que se abre e que, para ser esperançosa, não deve se deixar entranhar por consensos enganosos.
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