Por Wladimir Pomar
Em toda luta política, seja numa guerra, seja numa disputa eleitoral, torna-se questão chave definir o inimigo principal e evitar que ele triunfe, mesmo que seja ao lado de um inimigo secundário. Foi isso que levou os comunistas chineses, em 1936, a aliar-se ao Kuomintang de Chiang Kaishek para enfrentar os invasores japoneses. E a União Soviética, nos anos 1940, a aliar-se a algumas potências imperialistas contra o nazismo alemão. E as guerrilhas nacionalistas e comunistas nas Filipinas, Tailândia, Indonésia e em outras regiões asiáticas, a aliar-se aos americanos e ingleses, também nos anos 1940, para derrotar as tropas japonesas.
É no momento em que os campos principais ficam definidos que uma falha nessa definição, ou nessa escolha, pode ser desastrosa. Não apenas para aqueles que consideramos “inimigos secundários”, mas para todos os que são combatidos pelo “inimigo principal”. Nesse sentido, a decisão da Executiva Nacional do PSOL deve ser saudada ao reconhecer o candidato direitista Aécio Neves como inimigo principal do povo brasileiro e recomendar a seus militantes e eleitores que não votem nele.
Realmente, “não é cabível qualquer apoio” ao candidato do PSDB e aliados porque eles “são os representantes mais diretos dos interesses da classe dominante e do imperialismo na América Latina. O jeito tucano de governar, baseado na defesa das elites econômicas e nas privatizações, com a corrupção daí decorrente, significa um verdadeiro retrocesso”.
É verdade que a direção do PSOL poderia ter sido mais incisiva, como estão fazendo várias de suas lideranças, ao declarar seu voto em Dilma. Jean Wyllys declarou explicitamente que “O muro não é meu lugar”. Marcelo Freixo anunciou “O voto crítico em Dilma”, e Gilberto Maringoni não se furtou de afirmar que a eleição de Aécio representaria uma “derrota histórica para a esquerda brasileira”, e por isso, vota Dilma.
Essas posições exprimem a questão central em jogo: o inimigo principal de nosso povo, nesse povo incluídas todas as correntes de esquerda, os setores progressistas de centro, e até mesmo alguns setores de centro-direita, é o candidato do tucanato. Como afirma Wyllys, a “candidatura de Aécio Neves... representa... conservadorismo moral, política econômica ultraliberal, menos políticas sociais e de inclusão, mais criminalização dos movimentos sociais, mais corrupção... e mais repressão à dissidência política e menos direitos civis”.
Freixo também não deixa por menos ao enfatizar que um “governo tucano representa o retorno de uma elite conservadora e de uma política econômica prejudicial aos trabalhadores e à população mais pobre. As gestões do PSDB sucatearam as universidades públicas, desmantelaram o Estado, deixaram o funcionalismo sem reajustes, arrocharam salários e provocaram desemprego em massa”. E Maringoni completa que não se deve “sufragar Aécio Neves e a coalizão que o apoia, que vai da direita à extrema-direita...” para impedir “a volta das facções mais radicais do reacionarismo tradicional ao poder”.
Nessas condições, sem abandonar as divergências e críticas a Dilma, o que conta é que é ela que está situada na posição, e como opção, para derrotar o inimigo principal, o retrocesso tucano. Tem razão Wyllys quando reitera que não vai “fugir dessa escolha porque, embora tenha fortes críticas” a Dilma e Aécio, acredita “que existam diferenças importantes entre eles”. “Por isso, avançando... em relação à posição da direção nacional do PSOL... nesse segundo turno das eleições, eu voto em Dilma e a apoio”.
Nada muito diferente do que diz Freixo: “Tenho profundas críticas aos governos do PT e, especificamente, à administração Dilma Rousseff. Apesar disso, acredito que a volta do PSDB à Presidência da República será um enorme retrocesso ao país”. Aliás, também nada muito diferente do que pensam muitos militantes do próprio PT. Eles têm críticas à administração Dilma e à direção do PT, mas não vacilam diante da onda conservadora representada por Aécio e do retrocesso que a vitória tucana pode causar aos trabalhadores e demais camadas populares e democráticas do Brasil.
A decisão dessas lideranças do PSOL frente ao inimigo principal é uma importante contribuição para a constituição de uma verdadeira frente única contra a nova ofensiva conservadora e reacionária ultra ou neoliberal. A ela poderiam juntar-se as demais correntes da esquerda da esquerda, assim como algumas das correntes que acreditaram que Marina representava algo “novo” na política e ficaram órfãs com seu apoio ao que existe de pior na política brasileira.
O processo de frente única contra o conservadorismo e o reacionarismo também poderia contribuir para estabelecer um programa comum de lutas para o futuro. No caso da vitória de Dilma, para empurrar seu segundo mandato num sentido mais democrático, popular e socialista. Para começar, em torno das questões positivas que nos unem contra o retrocesso.
Isto é: mais firmeza nas medidas contra a homofobia; mais inclusão do que nos últimos 12 anos nas políticas sociais; mais empenho em impedir a criminalização dos movimentos sociais; mais intrusão na luta contra corruptores e corruptos, “doa a quem doer”; mais combatividade na disputa pelas reformas políticas democratizantes, em especial dando fim ao financiamento privado das campanhas eleitorais; mais garra na defesa dos interesses econômicos, sociais e políticos dos trabalhadores e da população mais pobre; mais impulsão no soerguimento das universidades públicas; mais decisão nas políticas de democratização do capital e da economia; mais consciência do papel do Estado na recuperação industrial, na geração de empregos e na elevação dos salários.
A vitória eleitoral contra a onda conservadora e reacionária não representará sua derrota definitiva. A classe dominante mantém o poder econômico. Ela tem um domínio oligopolista e a hegemonia sobre os meios de comunicação de massa. Conseguiu avançar sobra a representação parlamentar. E tem grande influência sobre os aparatos do Estado. Portanto, mesmo que a frente única democrática e popular vença a presente batalha eleitoral, a luta para realizar os avanços propostos acima, que ainda se incluem naquilo que se pode conceituar como democrático-burgueses, tende a ser dura e sem descanso.
Nessas condições, a presente lição pode ajudar as diversas correntes de esquerda e de centro a estabelecerem a pauta comum para a luta contra o inimigo principal. Isso, certamente, não aplainará as divergências que existem entre elas em torno de uma série relativamente grande de problemas que dizem respeito ao futuro da luta por transformações mais profundas e pela superação do capitalismo no Brasil. Mas poderá contribuir, estrategicamente, para evitar confundir inimigos ou adversários secundários com o inimigo principal. Mesmo porque, diante deste, o muro não deve ser nosso lugar.
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