quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Conversando com versos (80): "Quando vier a Primavera", de Fernando Pessoa (1888-1935)



"Quando vier a Primavera"



Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que 

                           [na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem 

                      [importância nenhuma.

Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de 

                                                 [amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir 

                                     [senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não                                                          [gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter                                                      [preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.



Fonte: Pessoa, Fernando. Obra Poética. 8ª ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1983, pp. 170/1

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