Por Wladimir Pomar
O conceito de desenvolvimento pode ser utilizado em vários campos do conhecimento e da atividade humana. Está sempre atrelado a algum adjetivo, seja humano, econômico, sustentável, pessoal, social, ambiental, histórico, matemático, cultural, político etc. Tudo indica que tal conceito emergiu na filosofia clássica alemã para diferenciar as mudanças qualitativas (transformações ou metamorfoses) que qualquer tipo de matéria ou conhecimento sofre no decorrer de um processo de mudanças parciais, crescimento, adiantamento, progresso ou evolução quantitativa.
Ou seja, crescimentos econômico, social e político não são iguais a desenvolvimentos econômico, social e político. Embora contribuam para os desenvolvimentos econômico, social e político, aqueles crescimentos são mudanças parciais, quantitativas, enquanto os desenvolvimentos devem apresentar mudanças qualitativas. Além disso, um tipo de crescimento pode agir negativamente sobre os demais.
O crescimento econômico do período ditatorial militar, por exemplo, promoveu mudanças quantitativas na indústria, no comércio e nos serviços, que modificaram o caráter agrário-industrial do país e o transformaram num caráter industrial e agrário. Portanto, introduziu uma mudança qualitativa, um desenvolvimento, no complexo industrial e em sua relação com a agricultura. Esta passou a depender da indústria para seu crescimento. Esse desenvolvimento, por outro lado, baseado numa política de portas abertas ao capital estrangeiro, desnacionalizou e monopolizou a economia brasileira.
Paralelamente, a ditadura militar transformou, através de ações políticas e financeiras quantitativas, o sistema de produção agrícola dos latifúndios. Grande parte deles era baseado, até então, no sistema de agregação, no qual os camponeses produziam nas terras do latifúndio e, por esse favor, se obrigavam a pagar uma renda ao proprietário fundiário, na forma de trabalho (cambão), espécie (meia, terça, quarta ou quinta parte do produzido), e/ou dinheiro (arrendamento). A ditadura militar financiou, a juros baixos, a modernização dos latifúndios e sua transformação em agricultura comercial, utilizando máquinas, sementes, agrotóxicos e trabalhadores assalariados. Promoveu, assim, um desenvolvimento capitalista na agricultura, embora de caráter socialmente conservador.
Além disso, tanto o desenvolvimento industrial quanto o desenvolvimento agrícola foram realizados com base no arrocho salarial, na repressão à luta dos trabalhadores, no desenraizamento e expulsão de milhões de camponeses para a busca de empregos nas cidades. O tipo de crescimento social que acompanhou esses desenvolvimentos foi o da pobreza, miséria, inchamento e caos urbanos. Politicamente, ocorreu o crescimento generalizado da criminalização de qualquer oposição política ao regime, de qualquer luta social, e de supressão de todos os direitos democráticos.
Portanto, quando alguns economistas dizem que o desenvolvimento está relacionado a adiantamento, crescimento e progresso do estágio econômico, social e político de uma comunidade, sendo caracterizado por altos índices de rendimento ou crescimento dos fatores de produção, eles apenas retiram a política da economia e enxergam só a superfície, sem perceber o conjunto das contradições envolvidas.
O mesmo ocorre com aqueles que entendem desenvolvimento como um processo de fomento de novas forças produtivas e de instauração de novas relações de produção. Fomento que promova um processo sustentável de crescimento econômico, que preserve a natureza e redistribua os frutos do crescimento a favor dos que se encontram marginalizados da produção social e da fruição dos resultados da mesma. Seria ótimo que fosse assim, mas na realidade o processo é mais complexo. Quase nunca é possível realizar um processo finamente articulado, como sugerido acima.
No Brasil da atualidade, o grau de desenvolvimento das forças produtivas, que é o ponto de partida ou patamar para qualquer novo processo de desenvolvimento, sofreu uma brutal regressão em relação ao nível alcançado pelo “milagre econômico” da ditadura. As forças produtivas, principalmente as industriais, permaneceram estagnadas entre 1973 e 1990, em virtude das crises financeiras e econômicas impostas ao país. A partir de 1990, a situação se agravou com a devastação e a regressão neoliberal de Collor, Itamar e FHC. Teve início uma inércia desindustrializante que não conseguiu ser paralisada pelas políticas social-desenvolvimentistas praticadas pelos governos Lula e Dilma.
Teoricamente, as forças produtivas são revolucionadas constantemente. No capitalismo hegemônico na maior parte do mundo, esse revolucionamento ocorre tendo por base a concorrência, a competição ou a disputa entre os capitalistas, e também entre eles e empresas estatais. Essa competição é resolvida através do desenvolvimento científico e tecnológico, ou revolucionamento, dos meios de produção, forças de trabalho, produtos e serviços, que reduzem custos e preços. As empresas capitalistas que incorporam forças produtivas revolucionadas a seu processo produtivo ganham competitividade e se impõem porque oferecem menores preços e outras qualidades que seus concorrentes não foram capazes de obter.
Na prática, o Brasil da atualidade não conseguiu deter sua inércia de desindustrialização e, muito menos, ingressar num processo de desenvolvimento científico e tecnológico que permita a seus manufaturados e semimanufaturados ter competividade, tanto no mercado interno, quanto no mercado internacional. Vivemos numa sociedade capitalista de desenvolvimento médio, onde qualquer tipo de desenvolvimento, mesmo que tenha viés socialista, ainda será marcado por essa natureza capitalista. As diferenças que podem ser introduzidas dizem respeito às questões estruturais que o capitalismo brasileiro realmente existente apresenta e não conseguiu resolver.
Tal capitalismo é absurdamente oligopolizado e dependente dos capitais internacionais, impondo ao país preços administrados muito acima dos salários nominais médios. Seus setores agrícola, de serviços, e de comércio, são maiores do que o setor industrial. Ou seja, a economia apresenta distorções típicas dos capitalismos desenvolvidos declinantes, embora suas forças produtivas sejam muito mais atrasadas. As cadeias produtivas industriais e agrícolas são esgarçadas e lacunosas. A agricultura de alimentos sofre constante processo de expropriação econômica pelo agronegócio e tem dificuldades para atender às demandas domésticas de alimentos. A infraestrutura de transportes, sucateada por três décadas de abandono, e com uma matriz totalmente distorcida pelo predomínio do sistema rodoviário, só lentamente está sendo reconstruída e modernizada.
A infraestrutura urbana é um caos. Cerca de 100 cidades englobam mais de 50% da população total, grande parte dela vivendo em áreas não tituladas. Sua mobilidade urbana é uma tortura diária, também pelo predomínio do transporte automobilístico e quase inexistência de transportes de massas sobre trilhos, de superfície e subterrâneo. Os bairros e regiões periféricos sofrem com a falta de saneamento básico, abastecimento de água, distribuição de energia e coleta seletiva de lixo. A saúde e a educação se transformaram num caos. O governo leva a culpa, embora a maior parte dos recursos públicos para seu funcionamento seja repassada aos hospitais, escolas e universidades privatizadas.
As forças de trabalho são pouco qualificadas, convivendo ao lado de um excedente populacional desqualificado e excluído em termos educativos, profissionais e de absorção pelo mercado de trabalho. Essa situação é a fonte do aumento da violência, agravada pela militarização policial. O padrão de vida da maior parte da população urbana, que constitui 85% de toda a população, é pobre ou miserável. Vive em habitações sem condições básicas de esgotamento sanitário, abastecimento de água e energia, e de titulação duvidosa.
Mais de 16 milhões de pessoas vivem como miseráveis, com cerca de um real per capita por dia. Outros 30 milhões ganham no máximo dois a três reais por dia. Em outras palavras, mais de 20% da população brasileira vive na pobreza e na miséria, ou extrema pobreza, segundo o Banco Mundial. No polo oposto, menos de cinco mil milionários têm contas bancárias superiores a 30 milhões de dólares, ou mais de 60 milhões de reais cada um. O que representa uma riqueza acumulada de 865 bilhões de dólares, ou 1,7 trilhões de reais. Isto é, mais do que um terço do PIB brasileiro, ou o dobro das reservas internacionais do Brasil.
Em termos gerais, temos pela frente uma gama considerável de questões práticas a serem resolvidas num processo de desenvolvimento brasileiro. Desenvolver as forças produtivas industriais. Fortalecer a agricultura de alimentos domésticos. Quebrar o domínio dos oligopólios. Democratizar o capitalismo. Construir instrumentos estatais de produção e orientação do processo econômico e social. Adensar e modernizar, científica e tecnologicamente, as cadeias produtivas. Introduzir sistemas produtivos cooperativos e solidários, com viés socialista. Reconstruir e modernizar os sistemas de transporte. Regularizar o sistema de propriedade do solo urbano.
Construir novos sistemas de transporte urbano de massas. Sanear, abastecer de água e fornecer energia às periferias urbanas. Implantar sistemas modernos de coleta e tratamento de lixo. Reassumir os serviços públicos de educação e de saúde. Qualificar as forças de trabalho. Reduzir intensamente a violência, inclusive através da desmilitarização da polícia. Construir novos sistemas de moradias, incluindo serviços, comércio, arborização e sistemas de economia de energia. E reduzir, de forma constante e progressiva, as desigualdades sociais.
A proposta de novo desenvolvimento, ou de desenvolvimento puramente capitalista, vem sendo propugnada por diferentes setores da burguesia e da pequena-burguesia, dando atenção apenas a alguns aspectos das questões acima. A proposta do social-desenvolvimento subordina o desenvolvimento das forças produtivas ao desenvolvimento do consumo social, apesar dos problemas que enfrenta em sua aplicação. Que fazer?
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