Por Wladimir Pomar
Oficialmente iniciada a campanha eleitoral, os candidatos oposicionistas concentram seus ataques nas dificuldades econômicas do governo Dilma. No entanto, não dizem, e certamente não poderão dizer, o que realmente farão para superar tais dificuldades. Por isso, mascaram seus objetivos com generalidades como “nova política”, “nova gestão”, “nova economia”, “sustentabilidade”, “melhoria das políticas sociais” etc.
Na prática, pretendem escapar da discussão que está no centro da disputa política da atualidade. Isto é, qual o tipo de desenvolvimento, mesmo capitalista, que o Brasil deve seguir nos próximos anos? Ou, ainda mais problematicamente, o Brasil deve desenvolver-se ou retornar ao caminho neoliberal regressivo?
Os governos Lula e Dilma seguiram um caminho de desenvolvimento capitalista que combinou uma macroeconomia mista, em parte neoliberal, em parte democrática-liberal, de crescimento econômico através do estímulo ao consumo, e de crescimento social através do aumento do emprego, dos salários e de transferências de renda, com ênfase na educação. Com isso, calcula-se que fez cerca de 50 milhões de brasileiros ingressarem nos mercados de trabalho e de consumo.
Os limites para a continuidade dessa política encontravam-se, porém, tanto na estrutura produtiva que restara da devastação neoliberal, quanto da macroeconomia neoliberal. Em resumo, a capacidade de produção de alimentos para o mercado doméstico, tendo por base a pequena economia agrícola familiar, não tinha condições de atender ao rápido crescimento do poder de compra de milhões de brasileiros que até então se encontravam à margem do mercado. A indústria de bens de consumo não-duráveis, ou correntes, também não estava em condições de acompanhar esse crescimento da demanda.
Por um lado, esse descompasso entre o crescimento mais rápido da demanda e mais lento da oferta criou surtos inflacionários sazonais, fazendo com que os guardiães da macroeconomia neoliberal tivessem chiliques e exigissem freios às políticas de crescimento. Por outro, os altos juros e as taxas de câmbio da macroeconomia permitiam maiores lucros aos capitais aplicados em papéis do que àqueles aplicados na produção. O que manteve a indústria no processo declinante em que ingressou desde os anos 1970.
Por isso, tais limites tendiam a ocorrer mesmo que a infraestrutura do país (portos, ferrovias, rodovias, multimodais, aeroportos etc.) não estivesse sucateada, defasada, ultrapassada e destruída por quase 30 anos de abandono pelos governos militares, Sarney, Collor, Itamar e FHC. Ou mesmo que a situação internacional continuasse favorável às exportações decommodities agrícolas e minerais. Nos últimos anos do segundo mandato Lula já era evidente ser indispensável combinar o aumento do consumo com fortes políticas de investimento, tanto na infraestrutura quanto na produção.
A crise dos países capitalistas desenvolvidos, iniciada em 2007-2008 e expandida a partir de 2011, não só colocou em evidência a necessidade de realizar tais mudanças, como erigiu novos obstáculos a sua realização. Em outras palavras, para elevar fortemente os investimentos em infraestrutura e na produção, tanto industrial quanto agrícola de alimentos, era indispensável realizar mudanças macroeconômicas estruturais. Isto é, reduzir fortemente as taxas de juros, desvalorizar a moeda, controlar a inflação através do aumento da oferta e não da redução da demanda, aumentar a concorrência em todos os campos da economia, limitando o poder de monopólio, e aumentar as taxas de investimento do Estado nos setores estratégicos.
Essas mudanças podem, no máximo, ser consideradas com algum verniz socialdemocrata, por objetivarem elevar as taxas de emprego e os salários. Mas sua natureza é eminentemente capitalista, de desenvolvimento pleno combinado com alguma redistribuição de renda e mitigação das desigualdades. No entanto, às primeiras tentativas de introduzi-las, com a redução da taxa Selic, o grande setor privado se levantou contra, em bloco. Sentiu-se agredido pela possível redução de suas taxas de lucros, grande parte proveniente de aplicações financeiras.
Embora existam outros fatores interferindo nas dificuldades de desenvolvimento do Brasil nos últimos anos do governo Dilma, as questões chaves são as expostas acima. Foram elas que transformaram a “maior bancada governista” do parlamento nacional numa ficção que derrotou as principais propostas governamentais. Foram elas que fizeram os tribunais de contas funcionarem como freios à execução das obras de infraestrutura. São elas que continuam mantendo as taxas de investimentos em níveis abaixo do necessário para sustentar índices mais altos de crescimento. E são elas que alimentam o pretenso “pessimismo” dos investidores privados, de modo a criar um clima de paralização pré-eleitoral.
Em outras palavras, por incrível que possa parecer, a parte mais forte da burguesia, reunida nos oligopólios financeiros, agrários e industriais, pretende manter a macroeconomia neoliberal que levou o país ao fosso. E o Partido da Mídia, que depende dela para continuar enriquecendo, articula uma campanha em que o “novo” dos candidatos da oposição deve ficar limitado à negação do que foi realizado nos governos Lula e Dilma. Isto, embora às vezes tenham que curvar-se à realidade e afirmar que manterão as políticas sociais, apenas introduzindo ajustes para melhorá-las.
Na prática, sabemos que o “novo” e a “sustentabilidade” serão a velha política de frear o crescimento econômico, aumentar o desemprego, reduzir a demanda, controlar os salários, elevar os juros, liberar o câmbio e, com isso, conseguir taxas “civilizadas” de inflação. Convenhamos: para baixar a inflação através dessas políticas destrutivas não é preciso ser economista. Qualquer criança medianamente inteligente faz. Difícil é manter taxas de inflação baixas ao mesmo tempo em que se aumenta o crescimento, o emprego, e os salários.
Em outras palavras, a oposição à direita não tem proposta alternativa às propostas do governo, mesmo que estas ainda sejam tímidas e ainda não tenham se estruturado como um projeto nacional de desenvolvimento.
Essa direita retirou o Estado da economia. Antes da devastação neoliberal o Estado era responsável por cerca de 50% da formação bruta de capital fixo, mas atualmente não responde sequer por 20%. Mas isto ainda é demais para ela. Quer 0%.
O investimento público é quase nulo porque o governo não pode mais contar com uma parcela do orçamento público. Em seu lugar entrou o pagamento dos juros da dívida, que representam cerca de 40% da receita líquida, ou 5% do PIB. Nessas condições, a taxa de investimento do Estado não sobe. E a taxa de investimento privado também fica amarrada porque o retorno da aplicação financeira é mais elevado do que o investimento produtivo. Como nenhuma economia cresce sem que a taxa de investimento suba, mudar isso é vital para o futuro do país.
Dizendo de outro modo, ainda continuamos supondo que a “teoria do quanto pior melhor” não serve para o aprendizado das classes populares. Portanto, o retrocesso ao neoliberalismo escrachado, pretendido pela oposição de direita, trará não só prejuízos ao conjunto da população brasileira, mas também à luta de classes que começou a reemergir em junho de 2013.
Diante disso, na ausência de um projeto socialista que unifique sequer as forças de esquerda, o que nos sobra é um desenvolvimento capitalista com redistribuição de renda e com o aumento do papel do Estado na expansão industrial. Ele pelo menos tem a vantagem de aumentar a força social da classe dos trabalhadores assalariados, e criar melhores condições para a mobilização social. A escolha é difícil, mas o critério que nos sobra é saber exatamente de que lado está o inimigo principal.
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