Por Flávio Aguiar
A utopia
messiânica implica em se ver a história da humanidade como chegando a um ponto
ômega, final, onde este se transforma em alfa, inicial.
Conheço
o vento
Pelo
canto donde sopra
Ditado popular
Uma das
falácias que tomou conta de muito pensamento pela esquerda foi a de que como o
socialismo fosse “científico”, ela prescindia de uma curvatura utópica, e até a
ela se opusesse.
“Científico”,
neste contexto em que surgiu, implicava a idéia de previsibilidade e
pré-determinação: estávamos fadados, condenados à vitória.
Este mesmo
era um pensamento utópico: tão utópico, que acabou por adquirir uma curvatura
messiânica, e figuras com caráter de “messias” chegaram a ocupar o proscênio da
esquerda mundial. Stalin foi o maior destes “messias”, encarnando até o
princípio de que momentaneamente apenas seu país mereceria o paraíso comunista;
os outros deveriam permanecer ou até mesmo conquistar (como era o caso de boa
parte do pensamento de esquerda no Brasil) o purgatório burguês e capitalista,
“etapa” necessária para que pudessem se aperfeiçoar e ajudar o paraíso distante
a se aperfeiçoar ainda mais.
Stalin foi
um messias mundial; mas os houve também em menor escala: regionais, nacionais,
até paroquiais. Hoje em dia é até fácil, no entanto, apontar-lhe o dedo e
culpá-lo por tudo, pelo gigantesco desvio que foi o seu império (czariato?). É
um pouco mais difícil procurar discernir o que de pensamento messiânico poderia
estar embutido no DNA daquele cientificismo socialista.
Não que ela
fosse inevitável, a curvatura messiânica. Hoje sabemos que nada é inevitável,
nem mesmo aquela propalada vitória
final. Mas é possível discernir também a idéia de que uma utopia de curvatura
messiânica implica a possibilidade de uma outra curvatura, a da ética, dee
dimensões incalculáveis.
A utopia
messiânica implica em se ver a história da humanidade como chegando a um ponto
ômega, final, onde este se transforma em alfa, inicial: o mundo recomeça, a
história recomeça do zero, livre das cicatrizes do passado, o homem novo e
nascituro redime as feridas superadas. O corolário desta forma de pensar é que
para chegar a este ponto alfômega, tudo é permitido, pois tudo será perdoado e
redimido. Daí a se enfiar uma picareta na cabeça do adversário mais próximo é
um pequeno passo, especialmente se este adversário de hoje for o aliado de
ontem. Não precisa ser uma picareta de ferro: pode ser a da desqualificação,
até a da calúnia se necessário for. Até porque, continuando pelas rotas dos corolários,
somente eu, o meu grupo, o meu pensamento, a minha visão ensurdecedora do
futuro rutilante é que encarnamos a verdade: esta é que é a verdade.
Um aspecto
terrível (há vários) desta visão ofuscante é que ela ofusca a análise do
presente – do real. Nós – apenas nós – dominamos a inteligibilidade da
história; em nome disto podemos prescindir do diálogo com a multiplicidade do
real para perceber o que está de fato acontecendo. É como se pudéssemos navegar
apenas olhando as estrelas – sem prestar atenção ao movimento das ondas, das
correntes, à direção do vento. Podemos até fazer uma transposição cibernética
desta metáfora marítima: só cabe na sensação/percepção do real
aquilo que possa ser recriado
como objeto do meu progama de navegação. O resto deve ser deletado, pois só
cria ruído no aparato.
Há um
exemplo histórico de como isto funciona. Em 1954 havia uma campanha gigantesca
de direita, através da mídia, para derrubar Getúlio Vargas. Não porque ele
tivesse sido ou fosse autoritário, ditador, etc., embora se mobilizassem tais
argumentos; na verdade porque ele se tornara definitivamente um “populista”.
Grande parte da esquerda (comunista, trotskista e socialista) comprou esta
visão e tais argumentos, embalada por um sentimento (de raiz messiânica)
de que naquela altura era necessário
afastar o “messias errado” do caminho, para que este ficasse desimpedido.
Em 24 de
agosto estas esquerdas foram duplamente surpreendidas. Primeiro, como todo
mundo, pela notícia do suicídio do presidente, que ninguém esperava, nem mesmo
seus correligionários mais próximos. Segundo, porque o que se viu foi a
emergência de uma massa enfurecida depredando as sedes dos partidos de direita,
os jornais a seu serviço, e até mesmo sedes de partidos de esquerda, que faziam
oposição ao presidente. Houve dois movimentos rápidos: na hora, em alguns
pontos do país, líderes de esquerda tentaram por-se à frente do povão
insurreto, nem que fosse para tentar impedir a depredação das suas sedes
partidárias.
Num outro
movimento, criou-se a legenda para tal quadro de que “a massa que saía à rua
para comemorar a queda de Getúlio, ao saber do suicídio, mudou de
temperamento”. Esta legenda, embalada
tanto pela retórica liberal de direita de então, quanto pela retórica de
esquerda que ia na sua onda, apenas reafirmava o caráter volúvel, quase
bestial, imprestável para a política a menos se for acabrestada por alguma
liderança ou vanguarda providencial, das “massas populares”.
Reconstituindo-se
os fatos, pode-se perceber que não havia “massa saindo à rua para
comemorar”. O que tirou o povão das
casas ou do trabalho foi a leitura repetida da carta Testamento no Repórter
Esso e outros radiojornais do país.
Confundiu-se
o alarido da imprensa reacionária, capitaneada por Carlos Lacerda, com uma
fantasmagórica “opinião pública”. E a esquerda em grande parte embarcou na
maionese. A visão ofuscante da própria
constelação de idéias impediu a análise do real. Parte da esquerda tornou-se a
messias de si mesma, iludindo-se que açambarcava a história em seu aprisco,
achando que interpretava inclusive o discurso da direita, quando na verdade
estava sendo devidamente instrumentada por ele.
Porém tais
consideações não são feitas para desestimular os pensamentos ou as práxis das
esquerdas. Pelo contrário: seu objetivo é estimular uma forma de pensamento e
práxis em que se mantenha um rigoroso mas delicado equilíbrio entre visão
utópica, indispensável para a ação, e análise do real presente, o que é uma
ação igualmente indispensável. Mas para manter este equilíbrio não basta
subsumir os discursos alheios no próprio: é necessário escutá-los e com eles
dialogar. Com rigor, com veemência, com combatividade, com princípios, mas
dialogar, pois o diálogo também é um princípio que as esquerdas não podem
perder de vista.
Voltaremos
ao assunto.
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