segunda-feira, 13 de julho de 2015

A arte da tática no momento atual


Por Wladimir Pomar


Aos poucos, as diferentes correntes da esquerda, presentes no cenário nacional, vão se dando conta de que foram atiradas na defensiva política, tenham ou não participado dos erros e desvios do PT e do governo. Embora o PT seja o alvo principal da ofensiva retrógrada da direita política, as medidas em curso pretendem triturar não só ele, mas também todos os demais partidos e organizações da esquerda.

Com isso, objetivam liquidar os direitos dos trabalhadores e demais camadas populares, impor reformas antidemocráticas, retomar o caminho neoliberal na economia, liquidar com a política de integração regional sul-americana e retornar à subordinação incondicional às políticas das grandes potências capitalistas, em especial dos Estados Unidos.

Enfrentar tal ofensiva, sair da defensiva política e passar à contraofensiva não é algo fácil de ser levado adiante. Ainda mais na esdrúxula situação em que parte da esquerda está no governo e parece decidida a capitular. O que obriga a maior parte do PT e da esquerda a defender o governo contra os diferentes tipos de golpe institucional, tramados e tentados pela direita para encurtar o mandato presidencial.

Ou seja, independentemente dos desvios que a esquerda no governo esteja praticando, não é possível fazer concessão a qualquer tipo de golpe institucional. Na prática, tal golpe objetiva, acima de tudo, liquidar os direitos democráticos que o povo brasileiro conquistou duramente desde 1974, obrigando a retirada da ditadura militar, dando-lhe fim em 1985 e instituindo uma Constituição formalmente democrática, em 1988.

Nessas condições, a maior parte da esquerda terá que praticar a arte das ações unitárias, caminhando tanto para um programa tático defensivo quanto para um programa estratégico de contraofensiva. Mas é no quadro da defensiva que poderão e deverão ser travadas as lutas contra os ajustes que ferem os direitos sociais dos trabalhadores, promovem desemprego, arrocham salários, sangram programas sociais de moradia, educação e saúde, elevam preços de serviços públicos e estimulam a expropriação do campesinato e dos pequenos produtores agrícolas capitalistas pelo agronegócio.

É também no quadro defensivo que poderão ser empreendidas as lutas contra os projetos legislativos que penalizam ainda mais a juventude, em especial a juventude pobre e negra, mantêm a corruptora contribuição empresarial no sistema eleitoral e revogam a legislação que garante à Petrobras as operações dos campos petrolíferos do pré-sal.

Dizendo de outro modo, mesmo sem esclarecer as divergências estratégicas, relacionadas com os problemas do desenvolvimento capitalista e com os caminhos para o socialismo, a esquerda terá que adotar táticas unitárias para deter a ofensiva retrograda quanto às reformas política, agrária, urbana, tributária, logística, educacional, no sistema de saúde, ambiental e outras.

Terá que recuar da diversidade de propostas englobando todos os aspectos de cada uma delas, levar em conta a atual correlação de forças e definir os pontos chaves que barrem os objetivos da direita, unifiquem a ação prática da esquerda e possam mobilizar grandes contingentes populares.

Por exemplo, na reforma política, a questão chave reside na proibição ou não das contribuições empresariais, tanto a partidos quanto a candidatos. Essa questão é decisiva na disputa política democrática atual, não só porque tem grande apelo social, mas também porque pode desmascarar a hipocrisia da direita em relação ao combate à corrupção e porque pode contribuir para que o PT e outros partidos da esquerda não mais se deixem envolver pelos métodos comuns à burguesia. Portanto, é em torno dela que as esquerdas precisam marchar unitariamente.

Outro exemplo: na reforma agrária, no momento a questão chave capaz de sensibilizar as grandes populações urbanas (84% da população brasileira) e mobilizar as populações rurais consiste em elevar a produção de alimentos para o mercado doméstico e baixar seus custos.

Em função disso, a luta pela aceleração dos assentamentos de sem terra, combinada à ampliação dos financiamentos de safra e à assistência técnica para os camponeses e pequenos capitalistas agrícolas, atende àquela questão chave. Pode, então, criar um importante movimento urbano em apoio aos lavradores e contribuir para uma aliança real entre os trabalhadores urbanos e rurais.

Se a esquerda pretende barrar a ofensiva retrógrada da direita, terá que exercitar a arte da tática, segundo a qual, em cada momento, é preciso tomar apenas um ou alguns poucos pontos como prioritários, cuja conquista resulte em acumulação de forças e avanços reais. E será no exercício prático das táticas, no contexto da atual defensiva, que ela poderá encontrar os pontos estratégicos convergentes e praticar um programa e uma frente comuns para sair da defensiva e passar à contraofensiva.

Esses pontos estratégicos terão de ser buscados na história brasileira, história que tem sido cheia de surpresas. É provável que as lutas pela independência, nas primeiras décadas de 1800, tenham sido a primeira manifestação da existência de um novo povo, o brasileiro. De lá para cá, esse povo conviveu ainda com o escravismo e a monarquia, por quase um século. Depois, com a agregação latifundiária e a oligarquia agrária republicana, por cerca de meio século. Conheceu uma ditadura civil-militar por uma década, e uma ditadura militar apoiada pela burguesia civil por duas décadas, ambas entremeadas por breves períodos formalmente democráticos que não chegaram a somar duas décadas

Num paradoxo histórico, o acúmulo das práticas ditatoriais, abertas ou camufladas, conduziu a um processo de ampliação democrática, a partir de 1985, que permitiu ao povo brasileiro, pela primeira vez, eleger representantes da esquerda, incluindo socialistas e comunistas, não só para os parlamentos locais e nacional, mas também para os governos locais e nacional. E levar um líder de origem operária à presidência da República.

Essa evolução histórica colocou a esquerda diante de novos desafios. Desafios que se tornaram ainda maiores à medida que a grande burguesia, e parcelas significativas das média e pequena burguesias, operam para impor um retrocesso ao povo brasileiro, e em que as questões democráticas e socialistas ganham vulto estratégico.

Assim, mais difícil e complexa do que a ação defensiva unitária contra a ofensiva da direita talvez seja a construção de um projeto estratégico unitário, projeto que congregue as classes trabalhadoras, conquiste parte significativa da pequena-burguesia e divida a burguesia para poder passar à contraofensiva contra os inimigos principais.

De qualquer modo, no momento atual, trata-se principalmente de enfrentar com sucesso a ofensiva da direita, desnudando sua verdadeira natureza antidemocrática e antipopular, e apresentando alternativas reais e viáveis, tanto no campo político, quanto nos campos econômico e social. Na prática, esse é um desafio idêntico ao que a esquerda enfrentou entre 1960 e 1964, e não conseguiu sucesso por falhar em sua ação unitária. Os resultados são conhecidos. Espera-se que essa lição sirva para a esquerda atual.



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