Por Ivan de Carvalho Junqueira
Aos 13 dias de julho, comemora-se o 25º aniversário do Estatuto da Criança e do Adolescente, que incorporou no Brasil a doutrina da proteção integral.
Em tempos obscuros e de curtas memórias, faz-se premente rememorar. Trata-se de um grande marco dirigido à infância e à juventude brasileira, analisadas, agora, sob o prisma da prioridade absoluta, na superação aos antigos Códigos de Menores, de 1927 e 1979, pautados na doutrina da situação irregular.
Sob a ótica das legislações anteriores, crianças e adolescentes eram tratados desigualmente, quando oriundas, é claro, das classes menos assistidas. Reféns do paternalismo dos Juizados de Menores a partir da criminalização da pobreza, não raro, acabavam internados – por anos – em instituições públicas para que fossem “regenerados” e “reeducados” e se tornassem, adiante, “bons” trabalhadores, no disciplinamento de corpos (Foucault).
Reporta ao período anterior, a construção – ainda difundida – do termo “menor”. Não se trata de mero romantismo ou excesso de preciosismo, mas de uma conceituação formulada à identificação de determinado perfil (em regra, pobres, carentes e abandonados), numa visão tutelar, assistencialista e discriminatória.
Tradicionalmente, “menor” é o “outro”; não os nossos filhos. Ainda na década de 1990, jornais de grande circulação estamparam reportagem com o título: “Menor assalta criança”. Embora integrantes da mesma faixa etária, retratados de forma absolutamente distinta, vale dizer, bipartida.
O ECA, em sentido inverso, evoca uma mudança de paradigma, tendo por destinatário a totalidade de crianças e adolescentes, vistos não mais como um problema a ser administrado pelo Estado, mas, sim, como pessoas em continuado processo de desenvolvimento e sujeitos de direito.
Ao término da ditadura militar (1964-1985), recolocou-se o Brasil no cenário internacional, à luz – agora – dos direitos humanos e da cidadania, consagrando por princípio fundamental a dignidade da pessoa humana.
Já a Constituição Federal de 1988, antecipando-se à Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), da Organização das Nações Unidas, dispõe:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (artigo 227, caput).
Também o ECA delimita o chamado tríplice sistema de garantias: políticas públicas (medidas primárias), protetivas (medidas secundárias) e socioeducativas (medidas terciárias). Tal sequência não se dá ao acaso, cujo acionamento deve ser sucessivo, sem supressão de instâncias. Em toda sociedade pretensiosamente democrática o investimento maciço em educação há de anteceder – sempre – a construção de unidades de internação. Pensar o contrário é inconcebível.
O ECA, pode-se dizer, é legislação pioneira e avançada (para além da sociedade atual, talvez aquém dos seus postulados) sendo referência, inclusive, para muitos países.
Aos detratores de plantão a desqualificá-lo a todo instante, não é estatuto à proteção de “bandidos mirins”, embora igualmente atento àqueles adolescentes (menos de 1% deles) autores de atos infracionais prevendo, como mecanismo de responsabilização de natureza penal, sanções privativas de liberdade por até 3 anos.
A despeito da política de encarceramento juvenil (endossada, em boa parte, por membros do próprio Poder Judiciário e do Ministério Público), a internação de adolescentes é exceção, não regra. A “ultima ratio” das medidas.
Antes de falar-se em redução da maioridade penal de 18 para 16 anos (por triste ironia, aprovada neste mesmo mês, em primeiro turno, na Câmara dos Deputados), nos compete oportunizar a cada criança e adolescente, na prática, as melhores e mais fecundas condições ao desenvolvimento de todo o seu potencial, em pé de igualdade.
A morte de Eduardo, morador do Alemão, no Rio de Janeiro, não é simples fatalidade como, também, os 30.000 homicídios de crianças e jovens a cada ano, no país. Não obstante a dor inconsolável dos respectivos familiares e a acintosa naturalização com que referidas tragédias acabam retratadas por boa parte dos meios de comunicação (afinal, pobres, pardos e negros constituem as maiores vítimas), atesta-se o fracasso das políticas públicas efetivamente aplicadas e a incapacidade em lidarmos com a violência a nos afligir.
Crianças e adolescentes longe das escolas, (sobre)vivendo nas ruas em malabarismos nos semáforos de trânsito ou na mercancia do tráfico de drogas, são graves sintomas de que, entre avanços como o ECA e retrocessos oportunistas, muito há de ser feito.
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