Recentemente um amigo me chamou para um café. “Tenho más notícias”, disse em sua mensagem. Um conhecido comum, com cerca de 50 anos, havia tirado a própria vida no dia anterior. Jack tinha se enforcado na árvore de um parque público na periferia de Londres; foi a quarta tentativa. Ele tinha quatro filhos. Foi o segundo amigo de meia idade a cometer suicídio em seis meses.
Suas histórias estão longe de ser únicas. Suicídios ocorrem no mundo inteiro, de pessoas de todos os grupos etários, de 15 a 70 anos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma que quase um milhão de pessoas cometem suicídio anualmente, sendo vinte vezes maior o número dos que tentam se matar – e esses números estão subindo.
Os métodos variam de país a país: nos Estados Unidos, onde há armas de fogo em toda a parte, 60% das pessoas atiram em si mesmas; na Índia e em outros países asiáticos, assim como na África do Sul, ingerir veneno, particularmente pesticidas, é a escolha mais popular. Em Hong Kong, na China e na urbana Taiwan, a OMS informa que um método novo, o “suicídio com carvão em brasa” vem sendo registrado. Afogar-se, jogar-se do alto, cortar os pulsos e enforcar-se (a forma mais popular no Reino Unido, nos Balcãs e países da Europa Oriental) são outros métodos que seres humanos usam quando, desesperados, decidem dar fim às suas vidas.
Estigma e subnotificação de casos
De acordo com a OMS, 1,5% das mortes de todo o mundo, em 2012, foram causadas por suicídio. Isso significa que foi a terceira causa de morte no mundo, e isso contando apenas as mortes confirmadas como auto-infligidas. A OMS admite que a disponibilidade e qualidade dos dados é precária, sendo que apenas 50 Estados-membros apresentam estatísticas “que podem ser usadas diretamente para estimar as taxas de suicídio”. Muitos suicídios, dizem eles, “estão escondidos entre outras causas de morte, tais como acidentes com um carro só, acidentes de trânsito na estrada com apenas o motorista, afogamentos não testemunhados e outras mortes indeterminadas.”
Estes são apenas alguns dos muitos fatores que tornam difícil avaliar os números com precisão. Nos países em que a cultura dominante estigmatiza o suicídio, envolvendo-o numa mortalha de culpa (por exemplo a África Subsaariana, onde nunca ou raramente é discutido ou admitido), o suicídio pode estar oculto e não relatado; assim também em países onde é considerado um ato criminoso, como na Hungria, por exemplo, onde uma tentativa tem pena de prisão de cinco anos; ou no Japão, onde é ilegal. Ou ainda na Coreia do Norte, onde familiares do suicida são penalizados; na Irlanda, onde lesões autoinflingidas não costumam ser vistas como tentativas de suicídio; na Cingapura, onde é ilegal e uma tentativa pode resultar em prisão; ou na Rússia, onde as taxas de suicídio entre adolescentes são três vezes superiores à média mundial e os que tentam podem ser internados em hospital psiquiátrico. Essas são razões bastante fortes para ocultar tentativas e omitir suicídios como causa de morte, assim como dissuadir as pessoas de falar sobre ideias suicidas.
Seja qual for, contudo, o número total de mortes por suicídio – e todos os indícios são de que é bem maior do que diz a OMS – o que fica claro é que trata-se de uma questão social da maior importância. Os números de suicídios e tentativas de suicídio estão crescendo, e é preciso falar sobre isso abertamente, entender suas causas e providenciar mais apoio. Nos últimos 45 anos, afirma a OMS, as taxas de suicídio aumentaram 60%, e, a não ser que aconteça alguma coisa que mude drasticamente o ambiente em que estamos vivendo, a instituição prevê que o índice de mortes terá dobrado até 2020 – de um suicídio a cada 40 segundos para alguém, em algum lugar do mundo tirando a própria vida a cada 20 segundos!
Taxas de suicídio cruzadas com gênero variam de país para país e região para região, mas os homens encontram-se muito mais em situação de risco que as mulheres. Segundo a OMS, 7% dos suicídios globais ocorreram em países de renda média e baixa, sendo que 30% de todos os suicídios ocorreram na China e na Índia, onde o suicídio foi descriminalizado somente em 2014. Os países da Europa Oriental, tais como Lituânia e Federação Russa, registram os maiores números de suicídio; já o Leste do Mediterrâneo e as Américas Central e do Sul (Peru, México, Brasil e Colômbia), os menores. E embora as taxas de suicídio no mundo tradicionalmente fossem mais altas entre homens idosos, agora os jovens – entre 15 e 29 anos de idade – são o grupo de maior risco num terço dos países. O suicídio, diz a OMS, é a “maior causa de morte nessa faixa etária, depois de acidentes de carro e outros tipos de agressão masculina, com muito pouca diferença entre os gêneros: “9,5% entre os homens e 8,2% entre as mulheres”
Em todas as sociedades ocidentais, o número de homens que morrem por suicídio é cerca de três vezes maior que o de mulheres, e os que têm mais de 50 anos são particularmente vulneráveis. Na Grã Bretanha, os homens respondem por 80% de todos os casos (com uma média de 13 mortos por dia), e os que têm entre 40 e 44 anos estão mais particularmente em risco.
Em “países de baixa e média renda”, registra a OMS, “a proporção de casos entre homem e mulher é muito inferior [do que em países desenvolvidos], com 1,5 homens para cada mulher.” Surpreendentemente, nos EUA, onde o número de homens mortos por suicídio é quatro vezes maior que o de mulheres, segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças, as mulheres têm maior probabilidade de cometer suicídio. A falta de estatísticas de gênero nas sociedades ocidentais pode em parte ser causadas, pensam os Samaritanos, pela diferença entre os métodos de suicídio usados por homens e mulheres, sendo que, em alguns casos, “a intenção não pode ser determinada (ou assumida) tão facilmente [com mulheres] como nos métodos mais comum entre os homens”. Isso pode resultar, dizem eles, “em mais mortes de mulheres não declaradas”.
As causas de suicídio
As razões pelas quais as pessoas cometem suicídio são muitas e variadas: “questões de saúde mental” é uma expressão guarda-chuva frequentemente citada. De acordo com pesquisadores da Universidade de Glasgow, 90% das pessoas que cometem suicídio sofrem de alguma forma de doença mental. Contudo, essa é uma frase ambígua, que mal explica e conforta pouco os enlutados. Parece óbvio que, se alguém se mata, não está se sentindo “bem” mental e emocionalmente. “Lutei por muito tempo”, “não aguentava mais”, “a vida parecia sem sentido”, “me sentia tremendamente ansioso” etc, são frases comuns a muitos, incluindo aqueles que contemplam a ideia, tentam ou chegam a cometer suicídio. Compreensivelmente, a depressão é geralmente mencionada como causa, mas isso, é claro, não significa que todo mundo que sofre de depressão está arriscado a cometer suicídio.
A OMS deixa claro que, embora as taxas de suicídio variem enormemente de país para país, dadas as diferenças de “ambiente cultural, social, religioso e econômico em que as pessoas vivem e por vezes desejam não viver … as pressões da vida, que causam aflição emocional extrema”, e às vezes levam ao suicídio “são similares em todo lugar”.
Essas “pressões da vida” é o que precisa ser corretamente entendido: o que são, de onde vêm, que impacto têm e como podemos mudar a sociedade para livrar delas a humanidade. Por que vivemos sob “pressões da vida” tão prejudiciais? Poderíamos não estar vivendo num mundo que produz forças tão destrutivas. Alguma coisa está terrivelmente errada na sociedade mundial , quando cerca de um milhão de pessoas se matam todo ano, e onde o suicídio é a segunda maior causa de morte entre os jovens com menos de 20 anos.
Não sou psicólogo, mas o senso comum sugeriria que o “sentido de si” deve estar no centro da questão. Se o “senso de si” é positivo, se a pessoa sente-se conectada à “vida”, tem estrutura, propósito e autoconfiança, sente-se querida, amada mesmo, então parece improvável que venha a cometer suicídio. Se, contudo, a imagem de si é negativa, de “fracasso”, se sente-se incapaz de “encaixar-se”, e se acha perdida e desnorteada, experimentando exclusão social e emocional, um senso de crescente vulnerabilidade parece provável.
Depois há os problemas práticos que todos enfrentamos: ganhar a vida e pagar o aluguel ou hipoteca, além das questões mais sutis – pressões para ser “bem sucedido” econômica e socialmente, na carreira e “no amor”. A incapacidade – real ou percebida – de dar conta dessas “pressões da vida”, que geram preocupação e ansiedade – levando talvez ao abuso de álcool ou outras substâncias – fortalece o isolamento social, reforça a imagem de fracasso, enfraquece a autoconfiança e fortalece a autorrejeição. Tudo isso num mundo onde a fraqueza, particularmente nos homens, é considerada no mínimo estranha; e no qual sensibilidade, incerteza e fragilidade devem ser superadas. O “endurecimento” é a mensagem, expressa direta ou indiretamente.
Não temos clareza sobre quem e o que somos, de maneira que criamos imagens, agarrados a construções ideológicas que nos levam cada vez mais além da nossa verdadeira natureza. A imagem ideal do que significa ser humano, particularmente homem, tornou-se crescentemente estreita. Homens, especialmente com menos de 40 anos, precisam ser resolutos, fortes e ambiciosos. Qualquer crença filosófica ou religiosa, por exemplo, deveria ser erradicada, ou pelo menos ocultada, e certamente não mencionada em público. Qualquer admissão de dúvida sobre si mesmo e sinal de vulnerabilidade deveriam ser completamente evitados, sendo adotada e expressa uma abordagem macho e nonsense da vida.
De maneira geral, esse tornou-se o esteriótipo do que é ser homem no século 21, e insiste-se na conformidade ao padrão – por meio da educação, da pressão dos colegas e da mídia corporativa. Das mulheres, em particular jovens, é esperado que atendam a uma fórmula ideal semelhante, embora ligeiramente menos restritiva. Ambas são imagens extremamente limitantes, não saudáveis, e servem à homogeneidade de um sistema mundial, construído por e no interesse de multinacionais (que são donas de tudo), facilitado por governos corporativos (a que faltam princípios), que estão sugando a riqueza e a diversidade da vida. Espera-se que todo o mundo deseje as mesmas coisas, vista as mesmas roupas, acredite na mesma propaganda, aspire aos mesmos ideais e comporte-se do mesmo modo. Cada país, cidade, vila e aldeia é vista como um mercado, cada pessoa como consumidor a ser completamente explorado, sugado e descartado.
A competição e o conformismo se infiltraram em todas as áreas da sociedade mundial, da educação à saúde. Tudo e todo mundo é visto como commodity, a ser comprada pelo menor preço e vendida pelo maior. Lucro é o motivo esmagador que distorce a ação. Valores materialistas que promovem sucesso individual, ganância e egoísmo saturam o mundo, dividem e separam a humanidade, levando a tensões sociais, conflito e doença. Esses ideais, que não são valores no sentido real da palavra, moldaram o controverso cenário político-econômico em que vivemos (levando multidões à falência e envenenando o planeta) e, simultaneamente, foram reforçados por ele.
Juntamente com o sistema econômico fundamentalista de mercado que tão ardentemente os promove, esses “valores” são os ingredientes básicos do cenário de fatores sociais que causam grande parte dos ‘problemas de saúde mental’, que levam os membros mais vulneráveis da nossa sociedade a cometer suicídio. Homens, mulheres e crianças que simplesmente não podem mais aguentar as “pressões da vida”, que sentem profundamente a dor individual e coletiva, têm disposição introspectiva e acham o mundo muito barulhento, seus ‘valores’ muito toscos, suas demandas de “força” e não fraqueza, “sucesso” e não fracasso, “confiança” e não dúvida, impossíveis de alcançar. E por que razão deveriam alcançá-los, por que essas ‘pressões da vida’ existem, afinal?
É tempo de construir um modelo inteiramente diferente, mais saudável, um novo modo de viver em que valores verdadeiros e perenes de virtude moldem os sistemas que governam as sociedades em que vivemos — e não as armas corporativas ideologicamente redutoras e corrosivas, de vida ubíqua e que estão sugando a beleza, a diversidade e a alegria da vida. Valores de compaixão, altruísmo, cooperação, tolerância e compreensão; precisamos, como Arundhati Roy coloca, “redefinir o sentido da modernidade, redefinir o significado de felicidade”, pois trocamos felicidade por prazer, amor por desejo, unidade pela divisão, cooperação pela concorrência, e criamos uma sociedade dividida, onde o conflito domina internacional, regional, comunitária e individualmente.
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