POR WLADIMIR POMAR
A questão do desenvolvimento se tornou chave para o Brasil. Deve, portanto, aparecer como um dos pontos centrais na disputa eleitoral. Provavelmente, de forma embaralhada, porque como tudo o mais na sociedade, está envolvido pelos interesses de classe. Assim, pode-se dizer que, no momento, estão em disputa, clara ou nebulosamente, várias vias de desenvolvimento.
Até os teóricos do neoliberalismo, representantes da burguesia financeira e das grandes corporações transnacionais, reafirmam sua necessidade. Para eles, o desenvolvimento depende das metas de inflação, superávit primário e câmbio flexível. Ou seja, de juros altos, garantia do pagamento da dívida financeira e subordinação da moeda nacional às flutuações do dólar. Mas apresentam essas medidas duras de forma adocicada.
Armando Castellar, por exemplo, diz que o desenvolvimento é igual à conjunção de crescimento rápido e autossustentado, transformação da estrutura econômica, avanço tecnológico, progresso institucional, melhoria dos indicadores sociais e sustentabilidade ambiental. Nessa conjunção, as falhas de governo seriam tão ou mais prejudiciais do que as falhas do mercado. Pleiteia, então, a substituição do controle e comando do Estado por mais competição. Ou seja, os preços relativos domésticos deveriam ser alinhados aos preços internacionais. E o setor privado deveria ter liberdade de decidir como, onde e quando investir e produzir.
Quanto ao Estado, deveria apenas: realizar a disciplina fiscal; aumentar os gastos públicos em educação e saúde; realizar a reforma tributária; aceitar as taxas de juros e as taxas de câmbio determinadas pelo mercado; fazer a abertura comercial; atrair investimentos diretos externos; intensificar a privatização e a desregulamentação; e respeitar os direitos de propriedade. Ou seja, repetir o que foi feito nos anos 1990, quando predominou a receita estipulada pelo Consenso de Washington. Essa via, segundo Castellar, teria promovido, na média, resultados positivos.
Caberia perguntar: o que tem aquela conjunção, apresentada como igual a desenvolvimento, com os resultados, mesmo na média, da situação econômica e social dos anos 1990? Nesses anos houve a devastação do parque industrial, o sucateamento da infraestrutura, o desmonte da capacidade de planejamento e de projetos do Estado, a privatização e degradação dos serviços públicos, e a ampliação vergonhosa da miséria.
Na média, foram anos desastrosos para o país. Mas o fato de que haja quem os ache positivos, mesmo na média, significa que essa via neoliberal continua teórica e praticamente na disputa. Basta prestar atenção às generalidades apresentadas por Aécio Neves e seus propagandistas.
Diferentemente dos teóricos da burguesia financeira e das transnacionais, há representantes de frações burguesas industriais e agrárias que apresentam visão diferente do desenvolvimento. Delfim Netto e Akihiro Ikeda, por exemplo, acham que desenvolvimento é uma combinação de termodinâmica e economia. Ele organizaria a captura de energia do meio ambiente e voltaria a dissipá-la no processo produtivo.
Para crescer, se o país não tem capacidade de organizar a energia necessária para alimentar sua força de trabalho e mover suas máquinas, terá que comprá-la no mercado internacional. Isto exigiria uma capacidade importadora que depende do volume físico de exportação do país e dos preços relativos entre exportação e importação. Isto é, da relação de troca. Assim, desenvolvimento econômico seria apenas o codinome da relação PIB / força de trabalho, que mede a produtividade do trabalho.
Eles alertam para o fato de que o conceito de capital físico é um problema insolúvel para os macroeconomistas. Mas o capital físico seria o trabalho morto que só adquire vida quando fertilizado pelo capital humano. Sua medida no processo produtivo (mesmo se existisse) não poderia ser independente dessa interação. Em particular, existiria a ação importante e indispensável da reduzida parte da força de trabalho constituída pelos empresários, que moveriam o processo produtivo.
São interessantes esses conceitos que explicitam a via que poderíamos chamar dedesenvolvimento puramente capitalista. Ao comportar capitais físicos e humanos e trabalho morto e trabalho vivo, ela articularia os aspectos econômicos e sociais do desenvolvimento. Ao mesmo tempo, negam a possiblidade de medição do trabalho no processo produtivo. Ou seja, negam a existência da taxa de exploração, a mais-valia. E, ao introduzir os empresários como parte da força de trabalho, justificam a apropriação privada de sua parte no capital.
Essa é a expressão sintética da via de desenvolvimento que parte das frações burguesas produtivas pretende ver implementada. Por um lado, se contrapõe à via neoliberal. Por outro, se opõe à luta dos trabalhadores contra a exploração capitalista. É por essa via que navegam alguns candidatos que escondem ou mascaram o caráter capitalista do desenvolvimento que sugerem.
João Sicsu, por outro lado, se opõe tanto à via neoliberal quanto à via de desenvolvimento puramente capitalista. Ele propõe um desenvolvimento que construa uma sociedade democrática, tecnologicamente avançada, com emprego e moradia dignos para todos. Um desenvolvimento ambientalmente planejado, com justa distribuição de renda e da riqueza, com igualdade de oportunidades e com um sistema de seguridade social de máxima qualidade e universal. Tal desenvolvimento teria sua expressão máxima no Estado de bem-estar social.
Um desenvolvimento desse tipo pode ocorrer no sistema capitalista? Pode, embora com relatividades acentuadas. Historicamente, ocorreu na Europa, após a segunda guerra mundial. Estados capitalistas tecnologicamente avançados e relativamente democráticos garantiram certa seguridade social a seus trabalhadores. A igualdade de oportunidades não era tão igual, e a distribuição da renda e da riqueza não era tão justa. Mas havia a impressão de certo bem-estar geral.
O problema é que essa experiência só foi possível em condições históricas muito particulares. Primeiro, porque o bem-estar dos trabalhadores europeus tinha por base a exploração suplementar dos trabalhadores e dos povos das colônias e semicolônias. Segundo, porque os países capitalistas visavam construir uma muralha à expansão socialista na Europa. Ou seja, o desenvolvimento capitalista socialdemocrata dependeu de condições históricas especiais que não mais existem. Bastou a derrocada do socialismo de tipo soviético para findar o Estado de Bem-Estar europeu.
Essa é uma via de desenvolvimento que está fora de cogitação de qualquer das frações da burguesia existente no Brasil. Talvez por isso Eli Diniz ataque as visões de desenvolvimento que têm como parâmetros o crescimento do PIB, o aprofundamento da industrialização ou a expansão das exportações. Para ele, tais visões passariam ao largo do que chama liberdades substantivas, como a de participação política ou de receber educação básica e assistência médica.
Segundo ele, desenvolvimento requer, antes de tudo, que se removam as principais fontes de privação da liberdade, tais como a tirania e a pobreza, a carência de oportunidades econômicas, a destituição social sistemática, a negligência de oferta de serviços púbicos essenciais e a insegurança econômica, social e política. Tal conceito ou via de desenvolvimento seria um contraponto à realidade do mundo capitalista contemporâneo, marcado por profundas assimetrias entre as nações e pela descrença quanto à viabilidade de projetos igualitários.
Por um lado, Diniz não leva em conta que sem crescimento do PIB, sem industrialização e sem exportações e importações, não há como atender às liberdades substantivas. Por outro, ao falar de projetos igualitários, Diniz parece representar os setores sociais e políticos que acham possível e necessário superar ou aniquilar o capitalismo sem outras considerações além da vontade coletiva de realizar um desenvolvimento não-capitalista.
Ele não considera que, para superar o capitalismo, é preciso criar uma força social poderosa, tendo por base os trabalhadores assalariados. O que depende do capitalismo haver se desenvolvido a ponto de gerar esse seu contrário econômico e social. Depois, tentar aniquilar o capitalismo antes que ele tenha elevado as forças produtivas a um nível capaz de suportar uma sociedade de iguais pode representar um desenvolvimento regressivo, ou a negação do próprio desenvolvimento, como ocorreu na União Soviética e em outros países onde a vontade coletiva fez tal tentativa.
Para ter uma sociedade igualitária, é indispensável que as forças produtivas tenham alcançado alto grau de automação e produtividade. E, com isso, tornem desnecessário o trabalho humano como obrigação de sobrevivência pessoal e familiar e possam atender a todas as necessidades materiais e culturais dos membros da sociedade. Em outras palavras, é necessário que o capitalismo tenha esgotado todas as suas condições de desenvolvimento científico e tecnológico, e tenha criado um absurdo civilizatório ao se apropriar da riqueza socialmente produzida.
Na situação do Brasil, em que vigora um tipo específico de capitalismo, e em que as forças de esquerda são apenas capazes de disputar a pequena parcela do Estado representada pelo governo central, a disputa em torno das vias de desenvolvimento é ainda mais complexa. O maior objetivo negativo consiste em repudiar a via neoliberal e, secundariamente, em mitigar a via puramente capitalista.
Nessas condições, estamos diante da necessidade de encarar uma via de desenvolvimento capitalista que se distinga das vias neoliberal, puramente capitalista, e de Bem-estar, assim como da utopia de liquidação imediata do capital. Uma via que opere no sentido de criar mecanismos estatais que se imponham ao capital e o orientem no processo de desenvolvimento. Mas chegar a uma unidade em torno disso demanda uma longa discussão.
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